quinta-feira, 4 de agosto de 2016

A BAIXA COMERCIAL EM BUSCA DE DIAS MELHORES




No próximo Sábado, 6 do corrente, vai encerrar a Bijou Brigitte, na Rua Ferreira Borges, um estabelecimento com cerca de uma dezena de anos de existência naquele local nobre da Baixa.
A semana passada, duas lojas, uma de roupa e outra de consertos de electrodomésticos, cerraram portas nas ruas estreitas.
Embora a busca de espaços para arrendamento comercial continue em alta -já que é uma solução possível para criar o próprio emprego- e as rendas, aos poucos, até se tenham ajustado ao mercado, a verdade é que os encerramentos continuam. As deslocalizações em busca de um contrato mais económico são uma espécie de tiros em cruzamento numa barraca de feira.
Embora as projecções macro-económicas não o refiram, os preços, acompanhando o índice da procura, continuam a cair. Para não assustar, não se fala em deflacção, mas o certo é que estamos a caminhar em direcção ao abismo.
Apesar das medidas anunciadas pelo Governo de reforço do rendimento das famílias, apesar da anunciada Bazuca do Presidente do Banco Central Europeu, Mário Draghi, para criar estímulos a economia continua a cair sem o fundo à vista.

E O MILAGRE DO TURISMO?

Mesmo com os publicitados aumentos de turistas entrados no país, o certo é que este ano, pelo menos na Baixa, notam-se menos estrangeiros e com menor poder de compra. Se 2015, mais que certo pela classificação de Coimbra como Património Mundial, foi uma experiência positiva para o comércio de rua em geral, até agora está muito longe das metas alcançadas no ano passado.
Tudo indica que, infelizmente, o comércio tradicional continuará a cair e a ser, cada vez mais, o parente pobre da economia do país.

E PARA A HOTELARIA?

Obviamente que escrevo pela observação e sem conhecimento de dados estatísticos substantivos de fundamento, o que me parece é que mesmo para a hotelaria -refiro cafés e restaurantes- as diferenças continuam a pesar.
É irrefutável que o sector hoteleiro, com a redução do IVA, teve um bónus do Governo mas, mesmo assim, este ramo de transformação continua a penar. Até porque, sobretudo na Baixa, verifica-se uma tendência natural para que o comércio a retalho vá desaparecendo e dê lugar a típicas casas de fado -vale a pena fazer uma visita à zona do Quebra Costas. A revolução começou ali e, creio, progressivamente irá alastrar à Baixa.

MAS, AFINAL, COMO É QUE ESTÁ A BAIXA?

A Baixa desde tempos remotos, continua a dividir-se em duas partes: a Calçada, constituída pelas Ruas Ferreira Borges e Visconde da Luz, e as vias estreitas. Nas palavras escritas de Fernando Assis Pacheco, “in Trabalhos e Paixões de Benito Prada”, “Jorge Galo, que também mudara o estabelecimento para a zona chique, era o autor da teoria segundo a qual o comércio de Coimbra estava escalonado em reinos contíguos e bem caracterizados: o inferno, estendendo-se pelo labirinto da Baixinha, cuja sobrevivência assentava numa prática de preços populares, pouco acima do custo de fábrica; o céu, constituído por um largo, da Portagem, e duas ruas, Ferreira Borges e Visconde da Luz, formando juntas a calçada, onde podia restar alguma exploração mais modesta, mercearia, capelista, engraxador, mas a tendência era para concentrar o negócio fino; e o purgatório, que ocupava territórios de passagem como as Escadas de de São Tiago ou fronteiriças tipo Sansão -chamado na toponímia oficial Praça Oito de Maio, adjacências tão naturais que se protestaria terem o mesmo concurso da Calçada nobre e afinal não tinham, pois um cavalheiro não se abastecia de ordinário nesses ermos, e uma senhora muito menos. Eram factos sem explicação por virem de bastante longe no tempo. “O mais”, filosofava Jorge Galo, “é Marrocos, bom para aviar sabão macaco e alcagoitas.”
Por conseguinte, quer dizer-se que as ruelas e becos, em contraposição às ruas largas, continuam a ser Marrocos e prosseguem a sua histórica dificuldade.

E NÃO HÁ ESPERANÇA DE MELHORAS PARA O COMÉRCIO?

Tenho para mim que, por vários motivos, o comércio tradicional, tal como o conhecemos com a pequena loja de bairro, está condenado ao desaparecimento. Um deles, são as cada vez maiores exigências (obrigações) para os lojistas -em contraposição com as vendas online de particulares que, fazendo disso um negócio, nada pagam. Outro, são as constantes promoções nas grandes superfícies no encadeio da linha de destruir para reinar. Outro ainda, é a filosofia da “mão invisível” -na teoria da Economia Clássica- em que o Estado deixa de intervir na Economia e é o mercado a estabelecer o preço entre a oferta e a procura. O problema é quando a oferta (global) é uma diarreia quotidiana e a procura é uma bufa temporal.
Com a liberalização, que começou em 1985, entrou-se numa escalada de abaixamento de preços de venda sem fim à vista. Se até aí, com os preços tabelados pelo Estado, por um lado, o que contava era atingir a maior margem de lucro possível, por outro, os grandes e pequenos empresários estavam todos defendidos e, por isso mesmo, no mesmo patamar de concorrência.
Com a liberalização total que se seguiu passou a procurar-se o menor lucro marginal vendendo cada vez mais barato. Entrou-se na lei da selva com o mais forte a derrubar o fraco somente com meros intuitos de destruição. O resultado desta política ultra-liberal, numa primeira fase, foi bom para todos os consumidores (que somos todos). A democratização do acesso a todos os bens pelo preço baixo, ao trazer uma aparente felicidade, transformou-nos em instrumentos de fácil manipulação política. Na segunda fase, a partir de 2000, veio a factura para pagar. Como o abaixamento contínuo de preços e acréscimo de custos médios leva ao encerramento paulatino de indústrias, comércio e serviços, e por isso mesmo ao desmesurado aumento de desemprego, com os rendimentos das famílias a diminuírem cada vez mais, a consequência está à vista de todos. Não saímos da cepa torta, com a dívida pública a não parar de subir.

MAS, POIS SIM! E O COMÉRCIO DA BAIXA?

Já não são muitas as lojas mais antigas ainda em exercício. Como a maioria não terá seguidores e a idade dos comerciantes destes estabelecimentos, neste momento, caminha acima dos sessenta anos, é de prever que nos próximos cinco anos vai ser uma razia. Pode até pensar-se que desaparecendo estes velhos lobos do comércio outros ocuparão o seu lugar. Puro engano. É impossível porque, por um lado, estas pessoas, na generalidade, estão bem de vida e não dependem da caixa diária, por outro, o seu amor ao comércio, à sua loja, é insubstituível. Quem vier a seguir, por impossibilidade financeira e falta de experiência empírica, vai limitar-se a fechar a porta.
Apesar de ser muito diferente do que foi há cerca de vinte anos, e já pouco ser em semelhança, o modo como conhecemos hoje a Baixa vai só restar na memória. Para os conformados, dirão que é a dinâmica natural das coisas. Para os outros, para os optimistas/realistas perguntarão: mas tinha mesmo de ser assim? Não poderia ter sido de modo diferente?







2 comentários:

Marcio Ramos disse...

vou mandar parte do comentário que fiz, como o bloque tem limite de caracteres e o comentário e longo mando o resto por email
Na zona histórica há quem seja optimista e diga que vamos voltar à Baixa do tempo de 1980. E até superar esses anos de glória. Outros dizem que já deu o que tinha a dar e vai se afundar como o Titanic. No meu entendimento, morador na zona, nem oito nem oitenta. Exemplifico:




1 -A meu ver a Baixa estagnou no tempo. Não se modernizou não se adaptou aos tempos actuais.

Sim, também houve muitos culpados, mas já foi tantas vezes debatido neste blogue que não vou falar deles. Há vários aspectos que ninguém vislumbra com olhar atento. Vou mencionar alguns.

Na Baixa dos anos de 1980, e mesmo 1990, havia um factor que hoje é pouco expressivo, ou quase nulo: habitantes. Havia muitos moradores. Juntamente com os serviços que havia na época e que lentamente foram desaparecendo, faziam fervilhar esta zona comercial. A meu ver a retirada do trânsito das Rua Visconde da luz e Ferreira Borges foi uma tentativa de ligar a Alta, que já era um bairro de residentes, à Baixa, que foi sempre um centro comercial a céu aberto. Transformando estas vias largas em pedonais, logo seriam mais turísticas. Projecto semelhante, parece, querem fazer na Rua da Sofia. Será que irá acontecer na rua da sabedoria o mesmo? Não será mais uma facada mortal para a Baixa? Não havendo moradores nestas zonas não podemos esperar milagres.

2 -A situação económica dos anos 80 e 90, do século passado, era totalmente diferente de hoje. Na altura havia poder económico. Desde 2001, a partir do derrube das Torres Gémeas, nos Estados Unidos, que o país começou a afundar-se numa crise económica sem precedente, onde cada ano que passa o Orçamento Geral do Estado aplica mais impostos estrangulando as famílias. A maioria passou a poder comprar apenas bens de primeira necessidade e deixando para segunda escolha outras, como o vestir e calçar.

Mas, apesar do contexto depressivo, há uma luz para a Baixa: os jovens. Na minha rua (Visconde da Luz) vejo algumas lojas às moscas, sem negócio, mas curiosamente há outras que têm sempre clientes. Estes espaços cativam mais pois são direccionadas para o publico mais novo, desde roupa calçado, acessórios de moda. Os jovens adoram variar, de gastar dinheiro em novos artigos, gostam de estar na moda. Essencialmente, a Baixa terá que passar pelos jovens, ter lojas exclusivas para esta faixa etária. Sendo uma urbe universitária, é de lamentar ser uma cidade envelhecida na oferta.

3 -Durante a noite, principalmente no verão onde bom tempo convida a passeios, vejo na minha rua e pela zona envolvente as montras com os expositores sem luz. Compreendo que numa altura de contenção se deva poupar na electricidade, mas havendo hoje lâmpadas de alto brilho e que pouca energia gastam -falo das LED-, não entendo como há lojas apagadas. Como querem os comerciantes atrair potenciais clientes, com suas montras sem luz? Aqui os lojistas têm culpa.

Depois, para combater as grandes superfícies, porque é que não estão abertas, pelo menos no verão, até as 22h00? Há lojas na minha rua a fazê-lo. Não aceito que certos lojistas mesmo em cima das 19 horas já estejam a encerrar. Com tantas pessoas a dar o seu passeio até à meia-noite, é desolador ver a maioria dos espaços fechados, sem luz nas montras, já para não falar nos locais que não têm comércio.

LUIS FERNANDES disse...

PODE LER AQUI O COMENTÁRIO POR INTEIRO, ISTO É, SEM CORTES:

http://questoesnacionais.blogspot.pt/2016/08/um-comentario-recebido-sobre_5.html