(TEXTO E FOTO DE LUIZ CABRAL DE MONCADA - RETIRADOS DO ECONÓMICO)
"Os
cidadãos portugueses não devem deixar passar nada de censurável
pelo que toca à conduta da classe política. E isto nada tem que ver
com a preferência partidária de cada um. A pertença a um partido
político é simplesmente um meio de participação na vida política
e não o pretexto para ignorar o que não pode ser ignorado ou para
desculpar o que não é desculpável.
Os
cidadãos, nestas condições, não devem fidelidades aos partidos.
Devem é a eles próprios e aos outros. Não devem deixar de
manifestar a sua opinião mesmo que tal não convenha ao partido em
que militam ou com que simpatizam. Ao criticar o cidadão está a
prestar um favor a ele próprio e aos outros e, em última análise,
a melhorar a qualidade democrática.
O dever de criticar
compreende-se muito claramente no contexto actual. Vejamos; desde
sempre que o pensamento político enfatizou que o governo devia caber
aos mais aptos e aos mais sérios em suma, a uma aristocracia do
mérito integrada por homens devotos à causa pública e dispostos
aos sacrifícios necessários ou seja, contando antecipadamente com
as inevitáveis incompreeensões, contrariedades e até insultos.
Ora, nada disto se pode esperar no nosso país nos dias de hoje. Como
os partidos dispõem do monopólio do acesso à vida política que
lhes é dado pela própria Constituição os políticos são tudo
menos aquilo. Trata-se de indivíduos que na sua maioria fora da
política não singraram em nada, sem profissão definida, muitos
deles destituídos de qualquer cultura, com estudos feitos mal e à
pressa, que necessitam da presença na política para sobreviverem no
presente e garantirem a velhice. Como é que se lhes pode pedir o
exercício da prudência e do discernimento qualidades necessárias à
construção do bem comum? Não possuem a auctoritas que seria
exigível. Daí à falta de qualidade, à incompetência, à
prepotência, à saloiada e às vezes até à corrupção vai pouca
distância. Só a crítica feroz da Sociedade Civil os fará recuar.
Acresce em desfavor da qualidade democrática que o nosso poder
político institucionalizado não tem interesse nenhum numa Sociedade
Civil activa. Logo tenta desde a escola infantilizar o cidadão, não
lhe cria hábitos de trabalho e de esforço, distrai-o com
frivolidades, convence-o que a cultura é distracção gratuita,
desabitua-o de pensar por si próprio e, por fim, tira alcance a
intervenções referendárias e participativas.
É preciso, portanto,
compreender que o regime constitucional português requer uma
Sociedade Civil atenta, impiedosa para com a má conduta dos
políticos, crítica, em suma, e para tal devidamente preparada. O
monopólio partidário e a fuga à política da maior parte dos mais
capazes a isso obrigam. Tudo se tem de esperar, portanto, do cidadão
comum. A imprensa tem aqui um papel poderosíssimo. É mais do que
nunca o quarto poder. Se a democracia portuguesa funcionasse melhor o
papel da imprensa e do activismo democrático do cidadão comum não
seria tão importante.
E, note-se, os
cidadãos não se devem ficar pela crítica aos assuntos puramente
político-partidários. Numa sociedade em que o Estado é fortemente
intervencionista tudo é política desde a fraude fiscal ao atentado
ao ambiente, ao património e ao urbanismo, à violência doméstica
e ao desrespeito pelas diferenças. Ser cidadão é ser crítico e
hoje em dia em Portugal só não exerce a cidadania quem não quer. E
os meios de intervenção não são apenas políticos mas também são
judiciais. Neste último aspecto o nosso país está até ao nível
dos mais avançados na protecção dos valores colectivos. Denunciar
os atentados aos valores colectivos não é meter o nariz na vida
alheia; é defender os valores que a todos importam. O cidadão
português não é o cubano membro dos «comités de defesa da
revolução», nem o guarda vermelho da malfadada revolução
«cultural» chinesa, nem o camarada informador da Stasi. Aí os
cidadãos não eram defensores dos valores comuns eram os polícias
do regime.
Quando os políticos
são maus a Sociedade Civil tem obrigação de ser boa. Valete,
frates."
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