quarta-feira, 10 de setembro de 2014

RALAÇÕES INTERNETIANAS

(Imagem da Web)


Maria é uma bela mulher de cinquenta e poucos anos. De fronte elevada e queixo pontiagudo, olhos negros com uma pontinha de solidão lá no fundo e só acessível a quem sabe ler a alma, o seu rosto cheio, emoldurado por duas covinhas, é acompanhado por uns lábios carnudos, de actriz de cinema, que parecem prometer o Céu e apetece beijar aquele Inferno de desejo. O seu pescoço altivo, recoberto por uma intensa cabeleira mostra o caminho para um colo de perdição onde descansam dois seios lindos, ainda levemente firmes e túrgidos. Duas pernas bem torneadas, seguidas de umas coxas cheiinhas e roliças, compõem um imaginário quadro de Rubens.
Casada já lá vão mais de trinta e cinco anos, há cerca de meia-dúzia que, como pedra-mo já gasta de tanto moer sempre no mesmo sentido e na mesma posição, a rotina começou a impor a sua lei da inércia. Daí até à rotura total com o marido foi um ápice. Como nestas coisas de separações e morte de afectos os homens, talvez por calculismo materialista, fazem de conta que tudo continua como antes e ignoram totalmente. É sempre a mulher que coloca um ponto final numa vida a dois que já foi. Há cerca de um ano, Maria toma a dianteira e propõe o divórcio ao seu homem. Este começa por negar assinar mas, perante a evidência dos factos, acaba a concordar. Como tem o seu emprego que lhe permite encarar o futuro sem grandes preocupações, Maria, sem se importar muito com o que ficava, abandonou a casa paga e foi viver para uma de renda. Durante largos meses, no seu novo lar, sentiu-se mais acompanhada sozinha do que anteriormente, durante anos, na sua anterior casa assistida por cães, gatos e galinhas. Mas a solidão é como uma nuvem tóxica, onde cair nunca desaparece e, sem que nada se faça para tal, vai invadindo tudo em redor. Há uns meses falou com uma amiga da angústia que a consumia por dentro de um dia atrás do outro serem todos iguais no mutismo e no silêncio das suas quatro paredes. A amiga, já divorciada, recomenda-lhe um tónico para a carência de afecto muito em uso: a Internet. Dá-lhe até o nome de um site para conhecer outras pessoas na mesma situação de vazio emocional e provável namoro. E Maria inscreve-se. Depressa começa a ser inundada por propostas de homens. Como se lessem na mesma cartilha, o oferecimento de sexo é logo atirado na primeira mensagem. Ao fim de poucos dias a mulher já deitava redes sociais por todos os poros e a saudade de voltar ao recolhimento começa a tomar conta dos seus sentidos. Estava a pensar seriamente largar aquilo. Aquele ambiente era demasiado animalesco e as relações que procurava, e encontrar alguém que pudesse ter uma conversa séria de princípio, meio e fim, começavam a transformar-se em miríades e eram mais ralações do que outra coisa qualquer. Maria sentia-se carne exposta numa vitrina de um qualquer açougue.
Foi então que, vindo sabe-se lá de onde, apareceu um homem da mesma idade a contactá-la e a pedir-lhe amizade. Era de umas centenas de quilómetros para Sul. Na fotografia que ostentava tinha boa aparência, expressava-se bem a escrever e falava dos seus problemas existenciais como, por exemplo, o seu recente divórcio. E Maria, ansiosa por ter alguém para conversar de tudo menos de cama –pelo menos no começo- começou a deixar-se embalar no canto do cisne. Aparentemente, em pouco tempo já sabiam quase tudo da vida de um do outro. E rapidamente trocaram de números de telefone. E o galã, diariamente e logo de manhã, enviava a mensagem: “bom dia, meu coração apaixonado!”. E sempre que o enamorado ligava o peito de Maria batia mais rápido do que o carrilhão da torre sineira da Igreja do santo protector dos enfermos e infelizes nos amores. Dali até ligarem a câmara de vídeo do computador foi um passo. E a linda mulher, sequiosa de um abraço mesmo até virtual, viu-se em frente ao seu novo amor toda aperaltada, de lábios pintados de vermelho-fogo, colo pronunciado e uns seios a pedirem ansiosamente um aperto. Como seria de prever para quem não é mulher, este encontro só teria um fim: a masturbação à distância a duas mãos. E por entre pedidos adocicados e beijinhos entrelaçados, num fechar de pestanas, Maria e o Romeu estavam nus e acariciar os seus genitais. Se nas primeiras vezes este expurgar de tensões até lhe fez bem, numa segunda apreciação a mulher começou a verificar que já não havia conversa de jeito. Já não se falava. Aquilo era simplesmente um encontro sexual a fazer lembrar os filmes pornográficos e onde os diálogos são substituídos por gestos e gemidos. Começou a recusar ser parte num enredo que foi arrastada pela falta de carinho e desconhecimento de um mundo que estava fora da sua órbitra. Mas o farsante não descolava. Começou por ligar para o telefone insistentemente e, actualmente, já envia mensagens com ameaça de divulgar as imagens recolhidas. A última que recebeu hoje foi assim: “Não prestas para nada! Ai não me queres? Ainda bem que tenho tudo registado!”
Perante a psicopatia manifestada do indivíduo parece não restar outra hipótese do que apresentar queixa na polícia. Maria anda há vários dias atormentada e, para a sua amiga mais chegada repete sem cessar: “tenha muito cuidado ao fornecer o seu número de contacto e ligar a câmara de vídeo! Faça isso mas com quem tiver muita confiança! A Internet é um bom instrumento para as relações humanas mas pode ser muito perigosa se utilizada por facínora e chantagista!”


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