(Imagem da Web)
Maria é uma bela mulher de cinquenta e poucos
anos. De fronte elevada e queixo pontiagudo, olhos negros com uma pontinha de solidão
lá no fundo e só acessível a quem sabe ler a alma, o seu rosto cheio,
emoldurado por duas covinhas, é acompanhado por uns lábios carnudos, de actriz
de cinema, que parecem prometer o Céu e apetece beijar aquele Inferno de
desejo. O seu pescoço altivo, recoberto por uma intensa cabeleira mostra o
caminho para um colo de perdição onde descansam dois seios lindos, ainda
levemente firmes e túrgidos. Duas pernas bem torneadas, seguidas de umas coxas cheiinhas e roliças, compõem um imaginário quadro de Rubens.
Casada já lá vão mais de trinta e cinco anos,
há cerca de meia-dúzia que, como pedra-mo já gasta de tanto moer sempre no
mesmo sentido e na mesma posição, a rotina começou a impor a sua lei da
inércia. Daí até à rotura total com o marido foi um ápice. Como nestas coisas
de separações e morte de afectos os homens, talvez por calculismo materialista,
fazem de conta que tudo continua como antes e ignoram totalmente. É sempre a mulher
que coloca um ponto final numa vida a dois que já foi. Há cerca de um ano,
Maria toma a dianteira e propõe o divórcio ao seu homem. Este começa por negar
assinar mas, perante a evidência dos factos, acaba a concordar. Como tem o seu
emprego que lhe permite encarar o futuro sem grandes preocupações, Maria, sem
se importar muito com o que ficava, abandonou a casa paga e foi viver para uma
de renda. Durante largos meses, no seu novo lar, sentiu-se mais acompanhada
sozinha do que anteriormente, durante anos, na sua anterior casa assistida por
cães, gatos e galinhas. Mas a solidão é como uma nuvem tóxica, onde cair nunca
desaparece e, sem que nada se faça para tal, vai invadindo tudo em redor. Há
uns meses falou com uma amiga da angústia que a consumia por dentro de um dia
atrás do outro serem todos iguais no mutismo e no silêncio das suas quatro paredes.
A amiga, já divorciada, recomenda-lhe um tónico para a carência de afecto muito
em uso: a Internet. Dá-lhe até o nome
de um site para conhecer outras
pessoas na mesma situação de vazio emocional e provável namoro. E Maria inscreve-se.
Depressa começa a ser inundada por propostas de homens. Como se lessem na mesma
cartilha, o oferecimento de sexo é logo atirado na primeira mensagem. Ao fim de
poucos dias a mulher já deitava redes
sociais por todos os poros e a saudade de voltar ao recolhimento começa a
tomar conta dos seus sentidos. Estava a pensar seriamente largar aquilo. Aquele
ambiente era demasiado animalesco e as relações que procurava, e encontrar alguém
que pudesse ter uma conversa séria de princípio, meio e fim, começavam a transformar-se
em miríades e eram mais ralações do que outra coisa qualquer. Maria sentia-se
carne exposta numa vitrina de um qualquer açougue.
Foi então que, vindo sabe-se lá de onde,
apareceu um homem da mesma idade a contactá-la e a pedir-lhe amizade. Era de
umas centenas de quilómetros para Sul. Na fotografia que ostentava tinha boa
aparência, expressava-se bem a escrever e falava dos seus problemas
existenciais como, por exemplo, o seu recente divórcio. E Maria, ansiosa por
ter alguém para conversar de tudo menos de cama –pelo menos no começo- começou
a deixar-se embalar no canto do cisne. Aparentemente, em pouco tempo já sabiam
quase tudo da vida de um do outro. E rapidamente trocaram de números de
telefone. E o galã, diariamente e logo de manhã, enviava a mensagem: “bom dia, meu coração apaixonado!”. E sempre
que o enamorado ligava o peito de Maria batia mais rápido do que o carrilhão da
torre sineira da Igreja do santo protector dos enfermos e infelizes nos amores.
Dali até ligarem a câmara de vídeo do computador foi um passo. E a linda mulher,
sequiosa de um abraço mesmo até virtual, viu-se em frente ao seu novo amor toda
aperaltada, de lábios pintados de vermelho-fogo, colo pronunciado e uns seios a
pedirem ansiosamente um aperto. Como seria de prever para quem não é mulher,
este encontro só teria um fim: a masturbação à distância a duas mãos. E por
entre pedidos adocicados e beijinhos entrelaçados, num fechar de pestanas,
Maria e o Romeu estavam nus e acariciar os seus genitais. Se nas primeiras
vezes este expurgar de tensões até lhe fez bem, numa segunda apreciação a
mulher começou a verificar que já não havia conversa de jeito. Já não se
falava. Aquilo era simplesmente um encontro sexual a fazer lembrar os filmes
pornográficos e onde os diálogos são substituídos por gestos e gemidos. Começou
a recusar ser parte num enredo que foi arrastada pela falta de carinho e
desconhecimento de um mundo que estava fora da sua órbitra. Mas o farsante não
descolava. Começou por ligar para o telefone insistentemente e, actualmente, já
envia mensagens com ameaça de divulgar as imagens recolhidas. A última que
recebeu hoje foi assim: “Não prestas para
nada! Ai não me queres? Ainda bem que tenho tudo registado!”
Perante a psicopatia manifestada do indivíduo
parece não restar outra hipótese do que apresentar queixa na polícia. Maria
anda há vários dias atormentada e, para a sua amiga mais chegada repete sem
cessar: “tenha muito cuidado ao fornecer
o seu número de contacto e ligar a câmara de vídeo! Faça isso mas com quem
tiver muita confiança! A Internet é um bom instrumento para as relações humanas mas
pode ser muito perigosa se utilizada por facínora e chantagista!”
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