LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA
Para além do texto "ROMAL; O TERREIRO DE NINGUÉM", deixo também as crónicas "A JESUS O QUE É DE JESUS"; "UMA SEMANA DEPOIS AS CEBOLAS AINDA FAZEM CHORAR"; "REFLEXÃO: A BURROCRACIA"; e "O PCP PREOCUPADO COM O FUTURO DO COMÉRCIO LOCAL"; e "UM PROCESSO KAFKIANO".
ROMAL, O TERREIRO DE NINGUÉM
“Senhor Luís, não se pode estar na minha rua
com tantos mosquitos, provindos do Largo do Romal, e ratos, que mais parecem
coelhos, saídos de um prédio decrépito no Beco da Boa União”. Maria de Lurdes
Sousa, moradora na Rua dos Esteireiros, está desolada com o abandono a que a
Câmara Municipal de Coimbra votou o histórico largo onde, ao longo do último
século, tantas fogueiras e bailes mandados ali foram realizados.
Quase a pegar-me na mão,
pede-me para a seguir e aponta uma entrada esconjuntada de um prédio a cair no
Beco da Boa União. Enquanto caminha aponta as muitas manchas negras no asfalto
empedrado e diz: “este chão não é lavado
há meses e meses!”. E entramos na antiga praceta. Lurdes aponta o cenário
em frente ao Café “Zé Figueiredo” e
ordena: “olhe para isto!”. O que se
vê é um prédio entaipado, que ameaçou ruir em Fevereiro último e desde essa
data para ali jaz enclausurado entre os andaimes perfilados a apontar o Céu. Mas o que indigna e enoja ainda mais o
nosso olhar é um monte de areia cheio de lixo, excrementos e um cobertor velho.
Segundo a minha guia, o amontoado de inertes, para além de auxiliar como
retrete pública, serve também para rebolar corpos e refrear hormonas, o que,
convenhamos, qualquer um destes espetáculos não é muito edificante para quem
reside à sua volta.
Acompanhado de Lurdes
Sousa, continuo a caminhar no Largo do Romal. Diz esta moradora: “há um mês dei conhecimento na sede da União
das Juntas de Freguesia, mas até agora não fizeram nada! Há uma semana telefonei
para a autarquia e mandaram-me ligar para o Algar, para o serviço de Higiene. E
eu liguei, mas até agora o mesmo. Olhe para este chão, veja a altura da erva!
Olhe aqui estas águas lodosas. Por favor, sinta como cheiram mal! Alguns
mosquitos saem de aqui!” –e aponta um pequeno lago que até há uns tempos
teve repuxos. Entretanto chega outra vizinha, a Maria da Glória, que tem um
estabelecimento de costura mesmo em frente ao recetáculo esquecido e confirma
que dali sai um cheirete desgraçado que prejudica o seu negócio.
O DEGREDO DE FIGUEIREDO
José Figueiredo, antigo presidente da Junta de
Freguesia de Souselas, com o seu estabelecimento de comes e bebes, é quem está
mais lesado com toda a inércia da edilidade. Talvez por que durante muitos anos
foi autarca e conhece por dentro as dificuldades, o seu queixume é contido. “Este atraso nas obras do prédio está a prejudicar
muito o meu estabelecimento mas eu entendo a demora. Quanto julgo saber, a
revitalização do edifício vai ser englobada numa candidatura especial para o
Centro Histórico. Compreendo que Manuel Machado apanhou o “menino” nos braços.
O imóvel foi adquirido por Carlos Encarnação que se limitou a realojar os seus
inquilinos e nunca mais ligou a isto. Nada me move de pessoal, mas a falta de
limpeza e esta atmosfera de abandono dá uma imagem degradante. Este largo, que
tanto respeito deveria merecer, parece esquecido no tempo. Olhe aqui esta boca
de incêndio –e verifique a outra ali
mais à frente-, veja que está toda destruída. Foi a estudantada, há
cerca de um ano, na Queima das Fitas. Não é minha intenção aborrecer ninguém
mas tudo isto me deixa vulnerável. Você entende? O negócio já está muito mau!
Estou a trocar comida por dinheiro sem ter lucro e só para fazer para as
despesas –e nem sempre dá. Há meses que tenho prejuízo!”
A JESUS O QUE É DE JESUS
No cemitério de São Martinho do Bispo, na
passada segunda-feira 25 de agosto, foi a enterrar António Luís da Costa Jesus,
de 68 anos de idade. Era um instrumentista de guitarra e intérprete de fado de
excelência. Várias vezes o ouvi e vi no Café Santa Cruz. Enquanto vivo e nosso
companheiro nesta vida, creio, nunca falei com ele. O António nasceu na Baixa
logo, mesmo se não tivesse uma grande história de ator em prol do desenvolvimento
da canção coimbrã, só por isso teria lugar de relevo nesta página. À sua família
enlutada, em nome do Centro Histórico de Coimbra e se posso escrever assim, o
nosso sentido pesar. Como o conheci mal, vou dar a palavra a quem conviveu com
ele de perto. Vou retransmitir o depoimento de Paulo Gonçalves, sócio trabalhador
do Café Santa Cruz:
“Vou
para sempre guardar na memória a sua entrada, ao transpor a porta, aqui no
café, enquanto cliente, amigo e impagável dinamizador do fado, ou canção de
Coimbra, no nosso vetusto estabelecimento. Quando chegava, eu interrogava:
amigo Jesus, como está? Acompanhado de um sorriso contido, numa resposta
repetida desde há muitos anos atrás, enfatizava: “vai se indo! Vai-se indo!”.
Tocou no Café Santa Cruz até há cerca de um mês, e já bastante doente.
Certamente um pouco fragilizado pela falta de saúde, depois da atuação
comentava comigo: “Paulo, hoje custou-me um pouco. Até me doem os dedos!”
Para além de ter sido um bom executante de guitarra e viola, era muito
nosso amigo. Ajudou imenso a desenvolver o nosso fado, aqui no café. Durante
cerca de seis anos, quando vinha, com o seu grupo, atuar, eu sei, eu via e
pressentia, o senhor Jesus tocava com alma! Era um apaixonado pelo café Santa
Cruz! Ele gostava tanto da canção de Coimbra e da sua história que, mesmo não
falando línguas estrangeiras, mandou imprimir um panfleto em francês e inglês
e, lendo, explicava com uma ternura e pronúncia que ninguém diria que ele não
dominava o verbalizado. Foi uma pessoa que passou nesta casa e deixa uma marca
indelével que não desaparecerá tão cedo. O Café Santa Cruz está de luto! Onde
quer que esteja, um enorme bem-haja!”
UMA SEMANA DEPOIS AS CEBOLAS AINDA FAZEM CHORAR
A Feira das Cebolas terminou no domingo
passado, dia 24 de Agosto. Hoje, segunda-feira, primeiro de setembro, os
inestéticos barracões, como sentinelas a guardar um largo esquecido, lá
permanecem na Praça do Comércio. Para além do estafado argumento de que no
âmbito de reconhecimento de Coimbra Património Mundial é preciso haver um maior
cuidado com tudo o que nos rodeia na paisagística, este abandono raia o
incompreensível. Repare-se que, já por si mesmo, os ditos cujos barracões são
mais feiinhos que o raio que os parta. Já há muitos anos que
venho a escrever que esta Feira das Cebolas deveria ser pensada de outro modo e
com outra dinâmica e, sobretudo -por amor da Santa, da padroeira, por exemplo-
aqueles absurdos stands deveriam ser
substituídos. É certo que fazem “pendant”
com as estruturas dos vendedores “ambulantes”. Isto é verdade! Mas, se calhar,
modificava-se uns e outros e dava-se outra dignidade à ancestral praça
mercantil.
Fixando-me novamente nos casarões, pouco
importa se a propriedade é da Câmara Municipal de Coimbra ou do Grupo
Folclórico os Camponeses de Vila Nova, de Cernache –esta agremiação é a
promotora da antiga feira de São Bartolomeu. Sem ofensa para o responsável
agora, os nossos vereadores locais viajam pouco. As feiras que se realizam na
zona da Baixa são repetidas até á exaustão e há muito que precisam de
alterações substanciais. Até agora, só mudaram os dirigentes. O atual, e se
aceitar a sugestão, que saia da Praça 8 de Maio e, por exemplo, vá até Berna,
na Suíça, e verifique como se faz lá a Feira da Cebola. Naquela República
Federal composta por 26 estados, para além de estar dividida por todo o casco
histórico, é um espetáculo de criatividade e arte. Como gosto de participar na
cidadania e calculo que o edil responsável tão depressa não se poderá deslocar
ao país helvético, deixo aqui o endereço eletrónico para poder aceder, na
Internet, ao fantástico certame: http://www.nature-jardins.com/bellesimages/zibelem%E4rit_Bern_suisse.pdf.
REFLEXÃO: A BURROCRACIA
Ficámos a saber, nesta última terça-feira, pelos
diários da cidade, que o concurso de adjudicação do Café Cartola, na Praça da
República, foi anulado por vício processual. Até aqui, embora se lamente e
alguém deva ser responsabilizado por isto, penso eu, tudo mais ou menos normal.
Se eu transcrever a notícia publicada do facto deste espaço camarário ter sido
concessionado pela importância de 12 mil euros continuo a chover no molhado.
Até agora nada tem de importante que requeira dois olhares ou faça saltar os
olhos do leitor.
Imaginemos, eu escrevia que o penúltimo
concessionário deveria pagar, por contrato, cerca de 1500 euros mensais e,
alegadamente depois de ter cravado a autarquia com uma insolvência, não pagou
e, segundo a imprensa, foram-lhe perdoados vários milhares de euros. Imaginemos
ainda que continuava a escrever que, depois de novo concurso, ao último
adjudicado foi atribuído o negócio por cerca de 14 mil euros e também não
cumpriu. Ficaram em débito cerca de 100 mil euros e com uma caução de trinta
mil –ou seja setenta mil vai pagar o “Zé”. Perante estes desaires, não é
preciso ser empresário espertalhão para verificar que, perante os valores
incomportáveis a raiar o escândalo, estamos perante uma espécie de visão de
óptica e seguida de poço da morte. Ora o que fez novamente o executivo
camarário? Numa irresponsabilidade, voltou a abrir concurso e aceitou uma
oferta de 12 mil euros. As perguntas são simples e diretas. A primeira: quem é
o especulador e louco? O empresário ou a autarquia? A segunda: será que os
senhores vereadores e presidente incluído não teriam perdido o bom senso e
estarão a brincar com o nosso dinheiro?
O PCP PREOCUPADO COM O FUTURO DO COMÉRCIO LOCAL
Numa ação que é de relevar, o PCP, Partido
Comunista Português, encabeçado pelo vereador local Francisco Queirós andou na
Baixa, na quarta-feira passada, com um grupo de trabalho para ouvir os
comerciantes sobre o provável impacto da próxima abertura de uma nova
superfície do Modelo e Continente na área da Auto Industrial e já licenciada
pelo executivo municipal. Acrescento que, para vergonha de outras forças
políticas, não é de estranhar o PCP mostrar esta preocupação. Desde há muitos
anos que este partido de esquerda é o único a mostrar inquietação com a
tragédia anunciada, continuada desde há vários anos, e eminente. Desde
deputados a economistas, os comunistas, volta e meia, vêm saber o que passa na
zona histórica. Podem até nem conseguir tocar o Governo, mas a disponibilidade
manifestada toca o mais insensível. Não é isso que se espera de um partido
político de oposição?
Uma grande salva de palmas para o PCP e para
quem tem e conserva alguma sensibilidade social e tenta pelo menos erguer a voz
na defesa dos pequenos e pequeníssimos empresários.
UM PROCESSO KAFKIANO
“Vinda
do outro lado do mar, de Cabo Verde, decorria o ano de 2007 quando cheguei à
cidade dos estudantes para estudar na Faculdade de Direito. Tinha 20 anos e
trazia a bagagem carregada de sonhos. Quis o destino que me apaixonasse
perdidamente por um rapaz de uma cidade do interior e quase vizinha de Coimbra.
Com seria de prever, foi-se o curso e as imaginações passaram a incidir no
pequeno ser que crescia no meu ventre. Estava muito feliz. Para além de um
companheiro, ganhei também uma nova família já que, contrariando o meu temor de
ser repelida por ser negra, parecia ser muito querida pela minha futura sogra.
Amiúde me dizia que, pela minha forte personalidade, eu tinha sido um anjo bom
que apareceu nas suas vidas para salvar o filho do álcool e do tabaco. Nasceu a
minha pequenina e fomos morar para a terra do meu amor. Depressa me apercebi do
controlo cerrado da mãe do meu marido, sempre a querer meter a colher na nossa
intimidade, e que ele, frágil de condição, não se revelava para defender a
nossa relação. Depressa vi que o melhor seria retornarmos a Coimbra e aqui
arrendar uma casa. Mas nem assim a mulher, como espírito maligno de encosto,
descolava da nossa privacidade. Recorrendo algumas vezes a ofensas e ameaças à
minha pessoa, a relação foi esfriando e contagiando tudo à volta. Depressa o
amor lindo que nos ligava, a mim e ao filho, se derretia como gelo fustigado
pelo sol. E separamo-nos. Durante dois anos nem o pai da minha criança nem a sua
família quiseram saber se eu podia alimentá-la, nunca se preocuparam, ou se
estava bem de saúde, até porque sabiam que ela tinha nascido com problemas de
desenvolvimento neurológico e que precisava de cuidados continuados.
Como
tenho visto de residência, há dois anos pedi autorização para ir a Cabo Verde
acompanhada da minha filha. Foi então que o Tribunal de Menores convocou o
meu-ex-companheiro. Para minha surpresa, diante do juiz alegou querer ficar com
a nossa filha à sua guarda. Perante o manifesto descuido anterior de desamor
paternal, o magistrado negou a pretensão, estabeleceu visitas e impôs uma
pensão de alimentos. Como naturalmente procuro que a minha filha cresça com o
afeto de pai e mãe, cumpri sempre e até fui facilitando para que o meu bebé se
fosse adaptando ao pai. Há dois anos tive um pequeno sobressalto. Com o meu
consentimento, levou a nossa filha para férias e, durante uma semana, não me
atendeu o telemóvel. Depois de alegar que o tinha perdido, veio a segunda
inquietação: a minha ex-sogra propunha pagar-me para eu prescindir dos meus
direitos maternos. Por todos os meios e mais alguns, tentou convencer-me para que
a sua neta ficasse a morar de vez na sua casa. Logicamente que neguei tal
vontade. Só quem carrega carne da sua carne na barriga sabe o quanto isto pode
ser insultuoso. Mas deixei passar.
Com o acordo
do Tribunal, no ano transato a minha menina foi passar quinze dias de férias
com o pai e os avós. Quando regressou começou a ter incontinência urinária. Achei
normal. Quem sabe a mudança de ambiente pudesse ter implicação, pensei. Como se
prolongou, fui ao médico pediatra e este especialista confirmou de que nada de
anormal se verificava. Mesmo assim receitou uns comprimidos e recomendou que
desse menos líquidos à noite. Na continuação, ora desaparecia ora regressava a
intemperança. Por alturas do último Natal, mais uma vez, a avó voltou à carga
para eu deixar ir a neta viver com eles. Argumentava que a menina teria um
futuro melhor na sua companhia do que no meu. Invoquei que, à custa de muito
trabalho e esforço, tenho a minha casinha e, mesmo vivendo só, a menina está
muito bem acompanhada e frequenta o infantário na parte alta da cidade.
No
último dia 31 de Julho vieram recolher a minha filha para ir com eles para
férias. Ficou acordado que passada uma semana trariam a menina para eu poder
aguentar a separação. Como não cumpriram, comecei a ser confrontada com
desculpas esfarrapadas. Como sabia que a minha herdeira estava bem coloquei
alguma preocupação mais afoita de lado.
Na última
segunda-feira, dia 18, no estabelecimento da Baixa onde trabalho, recebi a
visita de dois agentes da PSP com uma notificação exarada pelo Ministério
Público (MP). Dizia que em virtude dos indícios de abusos sexuais, descontrolo
urinário, indicação de infeção urinária e comportamento de índole sexual, se
afastasse a criança da área de risco e que a sua guarda seria concedida
provisoriamente ao pai. Acrescentava ainda a intimação que a menor tinha
indícios de ter sido abusada pelo companheiro da mãe. Assim, sem mais nem
menos! Não procurou saber o MP que desde que me separei vivo sozinha. Não quis
saber o delegado de que a menina se encontra com os avós desde 31 de Julho. Com
a alegação jurídica da superior proteção da criança, como ficam os meus direitos
de mãe ao saber que, se houve algum mau trato, a minha filha foi devolvida,
presumivelmente, ao seio da agressão? Terá o delegado da Procuradoria da
República noção da maldade e injustiça que me está a infligir?”
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