LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA
Para além do texto "O DESCAMINHO DO CAMINHO DE SÃO TIAGO", deixo também as crónicas "C'EST MA VIE"; "OS ANOS DA JOANINHA"; "REFLEXÃO: A INVASORA E A CONVERSA SOLTA"; e "AS PRIMEIRAS TATUAGENS".
O DESCAMINHO DO CAMINHO DE SÃO TIAGO
No último mês foram colocadas em vários locais
da Baixa, no chão, uns quadrados em latão dourados com uns traços a representar
um relógio de Sol e com a palavra “Coimbra”.
Sabe-se, porque foi noticiado na imprensa local, estes marcos sinaléticos
pretendem sinalizar o “Caminho de
Santiago” –para quem não souber, o Centro Histórico possui um templo, a
Igreja de São Tiago, na Praça do Comércio, cujo início de construção foi em 957
e reedificada nas últimas décadas do século XII, e que era paragem obrigatória
para os romeiros com destino a Santiago de Compostela. Mostrar o caminho
histórico na cidade velha, até aqui, tudo normal. O que deixa de ser normal, a
meu ver, é, sabendo-se a procura de metais por parte dos polidores de esquinas
e guardadores da coisa alheia, o facto de o elemento identificador ter sido em
metal amarelo. Não poderia ter sido em pedra, por exemplo?
Ainda na semana passada, durante a noite, andaram
a furtar cabos de fibra ótica. Ora, não é preciso ser espertalhaço para
adivinhar o que vai acontecer às ditas placas aplicadas na calçada. É certo
que, presumivelmente estarão protegidas pelo Santo, São Tiago, mas, tendo em
conta o seu âmbito larguíssimo de proteção a tantos caminheiros que andam por
aqui, como eu, sempre a acender velinhas, lá pode o milagreiro estar vinte e
quatro horas sobre vinte e quatro horas a vigiar os quadrados? Se calhar, para
fazer corrente, o melhor mesmo era começarmos todos a rezar para que não
aconteça o pior.
“C’EST MA VIE”
Depois de tantos anos lado-a-lado com a venda
a retalho, inevitavelmente, fica-se preso à arte de comprar e vender. É um
vício que se entranha lentamente. Por mais sendas e veredas que se percorra, um
dia acorda-se a sonhar em querer ser comerciante e vender por sua própria conta
e risco. Sempre assim foi e, por mais crise que nos acompanhe, assim para
sempre será. Não haverá estudos sobre esta matéria mas, creio, a maioria de
novos investidores chegados ao comércio de rua, dito tradicional, será de
ex-empregados que, por acasos vários, acabam em patrões de si mesmo.
Há 16 anos a trabalhar na Rua Eduardo Coelho na
desaparecida Sapataria Paiva, com duas lojas e até há cerca de um ano, e depois
até ao último Agosto “Hush Puppies”,
Célia Neto tinha duas opções: ou escolhia o ficar sem emprego ou arriscava numa
aventura que não lhe era totalmente desconhecida. “Como o não trabalhar e receber estava fora de hipótese –diz-me-, tinha mesmo de enveredar por este caminho.
Tenho 54 anos e trabalho no comércio há 27. Por um lado, “c’est ma vie”, esta é
a minha vida, a minha existência, a minha identidade -o desemprego, pela inatividade
e sensação de inutilidade, seria o anúncio premente da minha morte física e
psíquica. Por outro, quem me ia dar trabalho com a minha idade? Estou muito
feliz pelo passo que dei. Quem nunca arriscou nem perdeu nem ganhou, não acha?
Para além de ser a minha alma projetada num sonho realizado, também batizei a
minha nova loja de “C’est ma vie” por serem as iniciais da minha filha, do meu
marido e a minha. Temos de contribuir para os desenvolvimentos da cidade e do
País, não é assim?”
OS ANOS DA JOANINHA
No largo da Rua Sargento-Mor, há uma semana,
na última sexta-feira e cerca das 18h00, em volta da mesa posta com bolos,
doces caseiros, sanduiches e bebidas diversas, Joaninha, ostentando no rosto
uma alegria contagiante, parecia esvoaçar em volta da banca montada para o
efeito e oferta dos comerciantes daquela artéria para comemorar o aniversário
da menina. Joana Cristina Gonçalves Pinto é uma miúda encantadora com
necessidades especiais de aprendizagem e comemorou 21 aninhos de felicidade.
Foi apadrinhada por Isabel Mendes,
proprietária do “Mini Mercado Mendes”,
naquela artéria junto à Igreja de São Bartolomeu. Isabel carrega o preto no
corpo e o luto na alma pela viuvez da partida recente do seu marido, o senhor
Mendes, um bom companheiro e excelente vizinho de todos que deixou a saudade
impressa em tudo o que por ali tocou. Talvez sem o sentir, Isabel, fez da
Joaninha o seu ancoradouro de solidão e projeção de existência terrena porque,
seja lá quem for que parta e mesmo até os nossos mais chegados, a vida tem de
continuar na rotina de todos os dias.
Muitos parabéns à Joana. Congratulação também
para os comerciantes da velha rua do militar que, com os seus exemplos de
partilha, continuam a dar lições a quem estiver disponível para as receber.
REFLEXÃO: A INVASORA E A CONVERSA SOLTA
Chegou durante a madrugada à Baixa da cidade.
Em boa verdade já se falava que viria. A maioria não gosta muita dela. Acham-na
aborrecida, melosa. Mal nos apanha a jeito, sem pedir licença, cola-se,
gruda-se de forma sentida. É certo que é um amplexo,
um abraço, e hoje, que apesar de tanto de falar dele, poucos o praticam com a
profundidade exigida na união de dois corpos enquanto símbolo da fraternidade e
do amor. Um abraço para ter efeito espiritual terá de ser retido, corpo contra
corpo, durante pelo menos um minuto. Vivemos na era da informação supersónica.
Não podemos perder muito tempo, seja lá com o que for. Quando nos debruçamos
sobre algo importante e pensamos saber um pouco sobre a matéria em análise já
não interessa porque já foi ultrapassada. Estamos na época dos ventos
ciclónicos da informação, em que, num cruzamento de contrários, um traz a boa nova e outro a sua negação. Sentimo-nos moléculas perdidas num
oceano de detritos de conhecimento. Por estranho que pareça, sabemos apenas que
é cada vez mais ínfimo o nosso saber. Sabemos cada vez mais que nada sabemos.
Estamos no meio de uma guerra em que a todo o momento rebentam morteiros ao
nosso lado com imagens mortíferas, com decapitações e fuzilamentos coletivos.
Numa manipulação intencional, em que tudo indica que temos de apanhar nas bentas a culpa, como se, por um lado,
fôssemos responsáveis diretos pela consequência dos atos que alguém praticou,
por outro, em apelo surdo mas imperativo, em injunção, ordem, a querer
dizer-nos que temos de intervir. Num cinismo compreensível ou talvez não, o
emissor não quer saber se estas mensagens estão a fazer mais vítimas e que,
aparentemente, transforma o nosso mundo num imenso hospital psiquiátrico. O que
parece é haver um complot para nos
enviar para o charco da tristeza, da depressão e do sofrimento. Exceto quando
dormimos, se bem que até este período necessário de descanso está a ser cada
vez mais invadido e metralhado o que será de supor que estaremos cada vez mais
a caminho do tresloucamento coletivo,
e do autómato individual conduzido sem pensamento próprio, como tolo, e por flashes apanhados pela mnemónica que,
incapaz de selecionar e distinguir o bem do mal, levará a um fim anunciado.
Voltando à invasora
que chegou pela noite dentro –por que foi por ela que comecei a escrever esta
crónica solta-, chegou pé-ante-pé, ou melhor, gota-a-gota. Sabe-se que os
vendedores, os comerciantes, a detestam. Consideram-na persona non grata. Gostam tanto dela como se gosta de um fiscal das
finanças. Apesar disso, deste relacionamento tenso, sabem que a resignação é o
único caminho possível.
Mal nos apanha na rua, sem
inibição de espécie alguma, esta invasora
prega-nos com um ósculo nos lábios. Mas, nestes beijos entediados de cola-cola e húmidos, não se fica por
aqui. Toca os cabelos, os olhos, as maçãs do rosto, o corpo todo. Pelo toque,
parece borrifar-nos de afeto esta filha da natureza. É boa amante, está de ver,
assim se possa aguentar o seu ímpeto libidinoso, obsessivo a raiar a luxúria.
Para nos livrarmos dela, a fazer lembrar certos velhos, como eu, que quando
engatam numa história é como o traçado da ferrovia, sempre cheia de desvios
para novas estações e apeadeiros, pedimos a todos os santinhos milagreiros com
provas dadas que faça qualquer coisa para fazer o corte e desligue a corrente,
ou nos mande para uma praia paradisíaca com um mar azul em fundo onde só o
ruído das ondas quebra o silêncio.
É certo que os poetas e as
mulheres solitárias adoram esta invasora.
Sempre que ela vem, os primeiros, os versejadores, correm para a folha em
branco em busca da primeira frase que os conduzirá a uma longa viagem pela
memória passada, pela constatação do presente e presciência do futuro. As
segundas, as mulheres sozinhas, colarão a face na vidraça e, olhando a rua,
esperam ansiosamente ver aparecer o seu príncipe montado num cavalo branco.
Esta chuva de verão é muito chata! Apesar
disso, de nos invadir este tempo quente, precisamos dela e, como alma colada em
nós, não a poderemos dispensar. Obrigatoriamente, teremos mesmo de gostar dela.
E se assim é, seja!
AS PRIMEIRAS TATUAGENS
Sobre orientação do artista tatuador
profissional Bruno Perdiz, a semana passada, no “SublimeVilla”, no Largo da Freiria, duas belas mulheres foram as
primeiras a serem tatuadas neste novo espaço nobre de arte e criação de
desenhos na pele. A Luíza Martins e a Catarina Baptista, para ficarem ainda
mais encantadoras do que já são, entregaram um pouco do seu corpo nas mãos
prestimosas do Bruno. E eu, como testemunha de um bom trabalho, atesto que
ficaram lindas. Acredito que este novo estabelecimento de venda de artigos e
prestação de serviços nesta área inovadora na Baixa vai ter sucesso garantido.
Para além desta agora nova representação na Baixa de Coimbra, a “Sublime Villa” está presente em vários
pontos do nosso País, como por exemplo, na Gafanha da Nazaré e em Aveiro. Os
seus serviços, levando mais longe a sua arte, estão também na Alemanha, em
Berlim.
Segundo o que repesquei ali e acolá, a
tatuagem é arte de pigmentar o corpo e, através da pintura, modificar as suas
formas. “Trata-se de uma aplicação
subcutânea obtida através da introdução de pigmentos por agulhas, um
procedimento que durante muitos séculos foi completamente irreversível”
–hoje já não é, embora a sua remoção da pele, em marcas, possa não ser
completamente possível. A tatuagem perde-se no tempo e teria começado há cerca
de quatro mil anos Antes de Cristo, no Egipto.
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