quinta-feira, 25 de setembro de 2014

A MORTE DO HIMENEU

(Imagem da Web)



Hoje, foi a enterrar em campa rasa uma parte de mim. Morreu o meu himeneu. Nas últimas décadas andou sempre comigo. De tal modo que se confundia completamente com a minha pessoa, parecia uma máscara de mim. De facto, este meu afectuoso era muito chegado. Por isso mesmo, de tal modo sinto a sua partida que me sinto tristonho, ensimesmado e sem brilho, como se ficasse sem alma. O estranho é que na minha rua, onde sempre conviveu, poucos irão sentir a sua falta. Sempre foi discreto, quase sem graça, enjoado e sorumbático. Era assim uma espécie de espírito sempre presente mas ao mesmo tempo ausente. Conhecia-o desde bebé. Nasceu ali para os lados de Santa Clara, numa rua estreita onde havia e continua a haver um clube recreativo. Decorria o ano de 1977 quando recebeu os sacramentos do baptismo na Igreja da Rainha Santa Isabel. A catedral estava toda iluminada e cheia de muitos amigos. Alguns vieram de longe e outros de muito perto. Uns ainda andam por cá, outros já partiram há muito e sem se despedirem. Nesse dia de alegria, todos vestiram o fato domingueiro e levaram oferendas. Desde uma simples caneta, até um serviço de jantar, um talher em inox, passando por uma misturadora, tudo servia para justificar a presença física. Dinheiro era coisa rara, havia pouco, e não deram muito. A festa foi no velho clube, da rua com o mesmo nome, e juntou cerca de oito dezenas de amigos e conhecidos.
O himeneu viu a luz pela primeira vez numa prole muito pobre mas, tal como Cristo nasceu numa manjedoura e veio ao mundo para ser modelo de união entre humanos, também naquela família, porquanto instituição, se pretendia dele paradigma e que desse origem à sua continuidade. Enquanto infante sem eira nem beira, era reguila, espertalhaço, sonhador e ambicioso. Com uma convicção vincada, dizia aos mais próximos que haveria de ter um castelo, uma quinta com cavalos e uma casa em cima da árvore para os seus filhos brincarem. Quem o ouvia, sem acreditar no mínimo, sorria de complacência. Mas o futuro veio provar que se tinha desvalorizado demasiado as possibilidades do querer é poder e alguns destes sonhos foram realizados.
O Himeneu tinha 37 anos. Feneceu desta doença da moda. Dizem que são ralações da alma que progressivamente vão mirrando todos os que estão à sua volta e, como metástases que alastram, contaminam a sua própria estrutura. Segundo os vários especialistas contactados, a maleita sempre esteve lá, desde o primeiro dia do seu nascimento. Mantinha-se viva mas adormecida e à espera de sair da sua própria incubação. Era como se fosse uma história que estivesse hermeticamente fechada, que, sem chave de acesso, nunca começava para nunca acabar.
A meio da manhã, desta quinta-feira de um dia acinzentado e perdido a meio de uma semana igual a tantas outras, numa sala pequena e rodeado de sete pessoas, com duas assinaturas, acordou-se que se deveria desligar a máquina para evitar a continuação do sofrimento. 
Apesar de há mais de um ano e meio esperar este final, tenho de confessar: chorei desalmadamente. Mas pode alguém estar preparado para ver partir um horizonte, um sonho idealizado em longas noites serenas e outras de carneirinhos à solta?
O meu himeneu, o meu casamento, morreu hoje nos meus braços. Sem falar, pressenti que me queria dizer: “valeu a pena! Valeu a pena, mesmo que o fim da história não termine aqui!”



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2 comentários:

JPG disse...

Não sendo o momento certo - mas quando é esse tal momento? - fica um abraço e uma sugestão, que não será para agora, ou talvez sim.

Fausto Bordalo Dias - "Atrás dos tempos vêm tempos e outros tempos hão-de vir"

LUIS FERNANDES disse...

Obrigado, João. Um grande abraço.