Depois de tantos anos lado-a-lado com a venda
a retalho, inevitavelmente, fica-se preso à arte de comprar e vender. É um vício
que se entranha lentamente. Por mais sendas e veredas que se percorra, um dia
acorda-se a sonhar em querer ser comerciante e vender por sua própria conta e
risco. Sempre assim foi e, por mais crise que nos acompanhe, assim para sempre
será. Não haverá estudos sobre esta matéria mas, creio, a maioria de novos
investidores chegados ao comércio de rua, dito tradicional, será de
ex-empregados que, por acasos vários, acabam em patrões de si mesmo.
Há 16 anos a trabalhar na Rua Eduardo Coelho na
desaparecida Sapataria Paiva, com duas lojas e até há cerca de um ano, e depois
até ao último Agosto “Hush Puppies”, Célia Neto tinha duas opções: ou escolhia
o desemprego ou arriscava numa aventura que não lhe era totalmente desconhecida.
“Como o não trabalhar e receber estava
fora de hipótese –diz-me-, tinha
mesmo de enveredar por este caminho. Tenho 54 anos e trabalho no comércio há
27. Por um lado, “c’est ma vie”, esta é a minha vida, a minha existência, a
minha identidade -o desemprego, pela inactividade e sensação de inutilidade,
seria o anúncio premente da minha morte física e psíquica. Por outro, quem me ia
dar emprego com a minha idade? Estou muito feliz pelo passo que dei. Quem nunca
arriscou nem perdeu nem ganhou, não acha? Para além de ser a minha alma
projectada num sonho realizado, também baptizei a minha nova loja de “C’est ma
vie” por serem as iniciais da minha filha, do meu marido e a minha. Temos de
contribuir para os desenvolvimentos da cidade e do País, não é assim?”
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