LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA
Para além do texto "ESCANDALEIRA NA PARVÓNIA", deixo também as crónicas "O ANIVERSÁRIO DO MELANDA"; "REFLEXÃO: MAIS TURISTAS NA CIDADE"; e "DESPERDÍCIO NÃO RIMA COM POBREZA".
ESCANDALEIRA NA PARVÓNIA E A SOCIEDADE FAZ DE CONTA
Que ninguém se ofenda pelo que vou escrever. Tal como o algodão, as capas dos jornais
da semana passada não enganavam: somos um País miúdo, vestido de roupagem cara
de modernidade. Enquanto cidadãos, não passamos de uns subdesenvolvidos, analfabetos,
rústicos, broncos e hipócritas –naturalmente que me junto a esta classificação.
A generalidade da imprensa, falada e escrita, nacional e local –e aqui excluo o
Diário as Beiras que tratou o assunto com subtileza- apresentou em caixa-alta o strip-tease, ou show
erótico, realizado por quatro jovens, “comediantes
que participam, em Coimbra, num curso de teatro” –in Diário as Beiras-, nos
jardins da Associação Académica de Coimbra (AAC). Como se tudo fosse comandado
por uma entidade superior, de vez em quando, lá salta para a ribalta a “coisinha”, a minudência, para nos
desviar atenção dos verdadeiros problemas que minam o retângulo.
Basta visionar o vídeo postado no
Youtube para verificar que foi uma
mera brincadeira –aliás, de pouquíssima qualidade. Se não fosse cá por coisas
pedia responsabilidade ao autor. As mamocas das raparigas não se veem como deve
ser e, por esse facto, sinto-me defraudado. Tenho direito a ver tudo e, com
tantas sombras, estamos perante um produto de baixíssima qualidade.
Acho muita graça, passados quarenta anos o
sexo, sobretudo em Portugal, continua a gerar polémica de sacristia. Durante o
Estado Novo era escondido dos olhares públicos e tudo se passava de baixo de
lençóis. A ignorância grassava nesta terra esconsa e atrasada. Aconteceu uma
revolução e, como seria de prever, o sexo libertou-se das amarras, saiu
espavorido, e ganhou carta de alforria. Entrou nas famílias portuguesas por
tudo o que era frincha, porta, janela ou telhado. Como se recebe um familiar
chegado, todos o acolheram com um abraço –afinal é parte intrínseca e a
expressão do desejo- mas poucos procuraram conhecê-lo para o poderem explorar
devidamente. Tratam-no como uma droga de mera ocasião espontânea. Ingere-se e,
enquanto dura, leva-se ao limite. Quando passa o efeito esquece-se e até há
algum pudor em falar sobre ele –não vá o outro pensar que está perante um
tarado. Uma grande maioria não fala com o seu par sobre o assunto.
Os últimos governos levaram a educação sexual
para as escolas. Os resultados científicos desse presumível levantar do véu foram
apresentados à comunidade? Alguém sabe se serviu para o desenvolvimento
intelectual dos alunos? Os professores, que dão a matéria, sentem-se
confortáveis na explicação psicossomática, sabendo-se que os miúdos, na
generalidade, têm acesso a filmes pornográficos na Internet e, provavelmente,
já levam uma ideia equivocada das relações sexuais entre humanos e, mais que
certo, e ainda que erroneamente, saberão mais que o mestre?
Vivemos numa sociedade “faz de conta”! O Governo faz
de conta que, através da educação, promulga a educação sexual; os
professores fazem de conta que
ensinam; os chefes de família fazem de
conta que dão gozo às suas mulheres; as esposas, num fingimento aviltante, fazem de conta que têm prazer. O
resultado disto tudo é mais grave do que parece: é o convivermos diariamente
com a infelicidade, com a frustração palpável e percetível nos rostos que
connosco se cruzam na rua.
Voltando à cidade como pano de fundo,
relembremos o caso do ex-comandante da Polícia Municipal (PM), Euclides Santos,
que por ter enviado, no Natal de 2011, uns cartões de boas-festas em que
apareciam umas garotas em trajes menores foi punido pela “Coligação por Coimbra”. Talvez poucos saibam os custos familiares e
pessoais que esta deliberação pacóvia e anacrónica teve para o meu amigo
Euclides. Eu sei! E esta gente, pela sua irresponsabilidade política, social e
lesiva dos interesses de terceiros, deveria ter sido sentada no tribunal.
Coimbra não é uma cidade cosmopolita é
simplesmente uma paróquia de falsos moralistas.
O ANIVERSÁRIO DO MELANDA
Escrito informalmente, conheço o António
Rodrigues Melanda há vários anos. É advogado, logo, por isso mesmo, numa cidade
onde o “DR” está sempre presente e não
seguindo a formalidade é quase sacrilégio. Mas este Melanda, causídico, que eu
conheço bem e aprecio demais pela simplicidade impressa no seu rosto, é o
oposto do levar o estatuto antes do nome como obrigação.
Há muito tempo que ando para contar aqui a sua
história porque, tal como eu e outros tantos milhares da nossa geração, é um
homem do povo que subiu a corda a pulso e não esquece cada nó que lhe causou
calosidades e fez dele o que é hoje. Para eu não falar da sua vida, foge de mim
como o diabo da cruz. Mas hoje não podia. Não lhe dei hipótese! Apontei-lhe o Código de Procedimento da Estima e Amizade e
ele, sem argumentos de fundamentação, rendeu-se. A trabalhar no seu escritório,
na Rua Figueira da Foz, o António comemorou esta semana 70 anos e, como tal,
não podia escapar à minha, à sua e à de tantos amigos que gostam dele a uma
grande salva de palmas de parabéns.
Sempre que me cruzo com ele, em metáfora,
comparo-o com um sobreiro no montado. Sempre ereto, antes quebrar que torcer,
senhor de uma sensibilidade à flor da pele, é o amigo certo, no lugar certo, na
profissão de sentença incerta para lutar contra as arbitrariedades que dividem
os humanos. Caiu no Direito por exclusão de partes, mas hoje sente que é o
curso da sua vida e que diariamente lhe permite intervir nas injustiças
societárias. Parabéns António Melanda, meu amigo, por ser quem é.
REFLEXÃO: MAIS TURISTAS NA CIDADE
É um facto. Depois do reconhecimento da cidade
como Património Mundial da Humanidade, pela Unesco, em Junho de 2013, as ruas
passaram a ser mais frequentadas e há muitas alturas que é um prazer, um
contentamento para os olhos, sentir o movimento que nos transporta para outros
tempos.
Há muito para fazer. Muito mesmo! É urgente um
plano-diretor municipal para a Baixa. Saber o que se quer fazer para o futuro
desta zona histórica. É preciso estudar as atividades em presença e saber o que
temos em excedente e o que faz falta. E se há carência de ramos comerciais que
desapareceram é necessário fomentar o seu regresso. Era tempo de tratar a Baixa
com dignidade, passando das promessas aos atos, e não se continuar a servir
dela apenas para ganhar eleições.
É certo que estamos perante a teoria do meio
copo. Para uns, sobretudo para quem cá está todos os dias, está área está cada
vez pior e nem descola nem avança. Para outros, para quem vem de novo, está
muito melhor e mais bonita. Uma ilação se extrai: na sua dinâmica natural,
Coimbra e este perímetro comercial está sempre em transformação. Porém, era bom
que esta mudança fosse orientada por estudos e por quem é eleito para o fazer e
não acontecer ao deus-dirá por quem
procura uma ocupação comercial para conseguir ganhar a vida. É preciso que a
Baixa tenha movimento após as 19h00 e para isso é necessário haver uma
discriminação positiva para que os estabelecimentos hoteleiros, sem grande
entrave e desde que constituam uma mais-valia, possam colocar umas mesas à
frente dos seus negócios. Exige-se sensibilidade para quem decide. Ou seja, que
no mínimo deixe correr o que está a contribuir para uma modificação essencial.
Já que pouco fazem para orientar, ao menos, não estraguem. Os exemplos estão à
mão de semear e à vista de todos. Desde a Praça 8 de Maio, passando pela Rua
Ferreira Borges, ao Largo da Portagem, à Praça do Comércio, ao largo da
Freiria, à Rua do Corvo e a Rua das Azeiteiras –esta artéria está transformada
num bonito postal-ilustrado da Baixa de Coimbra e a fazer lembrar o Bairro
Alto. É natural que, por vezes, possa haver insegurança mas esta questão deve
ser tratada localmente e sem que se ponha em causa a pequena revolução que está
a acontecer na noite do Centro Histórico. É preciso a todo o custo repovoar o isolamento
e quebrar o silêncio sepulcral que, há mais de uma década, por aqui se instalou
depois do pôr-do-sol. A questão que se coloca para os poucos moradores, a
maioria velhos, é escolherem um sossego exposto a assaltos, a estabelecimentos
e a particulares, ou, dando um pouco da sua tranquilidade e terem as ruelas e
becos cheios de gente, ganharem segurança e gosto por viver aqui. Claro que é
preciso haver harmonização de interesses e nenhum deles, empresários ou
residentes, esquecendo a boa convivência necessária, pode impor o seu direito
egoísta sobre o outro. Mesmo em confronto, para os dois há obrigações que os
colocam no mesmo lado, por que ambos procuram o mesmo: o progresso da cidade. É
como uma balança. Num dos pratos está o interesse comercial que leva ao
desenvolvimento, no outro está o legítimo direito ao descanso. Vamos todos
colaborar?
DESPERDÍCIO NÃO RIMA COM POBREZA
Dalila mora na Rua do Almoxarife e está
indignada. Veio ter comigo e, num misto de ordem e pedido de ajuda, retorque: “senhor Luís, o senhor tem de vir ver o que
está no chão da minha rua! Você tem de escrever sobre esta indecência! Você
conhece-me, sabe que já comi o pão que o diabo amassou e não posso presenciar
uma coisa daquelas!” – e leva-me com ela na direção da ruela que liga as
Ruas das Padeiras e Eduardo Coelho. Na estreita e curta artéria está um monte
de artigos, mais que certo, provindos de alguém que partiu de uma casa próxima
e, talvez em fuga de si mesmo, largou tudo, como se todos aqueles objetos
abandonados há muito tivessem perdido a razão que despertava a alma da sua dona.
Pelo chão da calçada eram visíveis uma mala de viagem, uns livros, um manequim
estropiado, calçado em relativo bom estado e uns bonecos de olhar triste como a
mostrar sofrimento por terem sido largados na pedra fria. Mas o que chamava
mais a atenção –e foi isto mesmo que provocou a revolta da moradora da Baixa de
Coimbra- eram vários bens alimentares, em bom estado, por ali espalhados:
massa, arroz, óleo, atum, salsichas e até bolachas. Vamos ouvir os queixumes de
Dalila: “já viu isto? Não há direito de
se fazer uma coisa destas! Tanta gente a passar fome e colocarem tanta comida
fora? Quem fez isto foi uma vizinha que era ajudada por uma instituição de
solidariedade! As organizações de bem-fazer têm de saber o destino que os bens
doados seguem. Casos como este não se podem repetir. Para quem dá valor às
coisas isto é demasiado doloroso. Faz doer o coração!”
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