LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA
Para além do texto "O SENSEI (O MESTRE)", deixo também as crónicas "A MORTE DA LEITURA EM PAPEL"; e "QUEDA DE BEIRAL DE UM PRÉDIO CAMARÁRIO".
O SENSEI (O MESTRE)
São 19h00, acabadinhas de bater na torre da
Universidade e mais conhecida pela Cabra. Várias pessoas de escalões etários
diferenciados, com um saco a tiracolo e em passo apressado, acorrem ao velho
pavilhão do Estádio Universitário, na Guarda Inglesa, que ostenta na parede a
inscrição “dojo” –que, em japonês, significa sítio do caminho, local onde
se treinam artes marciais. Mais do que uma simples área reservada, é um
lugar sagrado onde se entra descalço e o respeito, através de uma reverência,
impera entre todos os praticantes, independentemente do seu grau de escala
hierárquica. O termo milenar tem origem no Zen
Budista, significando lugar de iluminação e onde os monges praticavam a
meditação.
Lá dentro a azáfama é grande, vai começar o
treino de Karaté Shotokan – Shotokan -a casa de Shoto-, é um dos estilos desta arte de defesa pessoal que
surgiu dos ensinamentos ministrados pelo mestre Gichin Funakoshi (1868-1957), no arquipélago nipónico.
Ouve-se uma ordem disparada de
uma voz bem timbrada e firme: “vamos
formar!”. Quem ordena e fala assim é o Sensei –aquele que forma discípulos pelo saber acumulado na sua experiência-,
o Mestre, José Arlindo
Figueiredo Lemos. Quando pensamos num
praticante de Karaté imaginamos um indivíduo alto e de grande robustez física,
ora, paradoxalmente, José Arlindo é um “little
man”, um homem pequenino, o mais baixo de todos os seus alunos seniores.
Por que o conheço bem há mais de trinta anos, em contrapartida é uma pessoa de
coração enorme, senhor de uma calma contemplativa assente na meditação
espiritual, e de uma humildade e simplicidade impressionantes. As suas atuais sete
dezenas de aprendizes, entre adultos e crianças, e os cerca de sete milhares
que, ao longo dos últimos quarenta anos, receberam o seu saber, divididos já em
três gerações, que atestem se há exagero na minha apreciação.
E vai começar a aula de formação tendo por
base o desempenho corporal. No aquecimento prévio há homens e mulheres de todas
as idades e estão a correr ao longo do salão e a dar os primeiros passos de
combate (kumite) tendo em conta o
treinamento de competição. Segue a Kata,
conjunto de movimentos de ataque e defesa e realizados em conjunto. A ideia de
que o Karaté é elitista e não é para velhos é profundamente errónea e que se
deve repudiar. Basta fazer uma visita ao pavilhão. Aqui pode ver-se que nem a
profissão nem a idade são barreiras para a prática deste desporto. Basta ver o
Adriano Moura, comerciante, de 63 anos, passando pelo Pedro Monteiro,
funcionário público, de 53, o Fernando Gil, estudante, de 22, a Cristina Lopes,
estudante de música, de 30, o José Faustino, doutorando, e o Leonel Simões,
funcionário público e agricultor, de 56 primaveras contadas.
Mestre Lemos nasceu em Santo António do Alva,
Oliveira do Hospital, há 56 anos mas foi levado para Lisboa ainda
recém-nascido. Porque estava na moda a cultura oriental, em 1969, com 12 anos,
começou a praticar as técnicas vindas do país do Sol Nascente. Três anos depois
foi para Tóquio onde conheceu e recebeu aulas de Karaté do grande mestre Masatoshi Nakayama. Entretanto
regressado a Portugal foi contactado por um grupo de estudantes ligados ao CAC,
Clube Académico de Coimbra, para desenvolver a modalidade na Lusa Atenas, que
já existia. Nestes entrementes foi abordado pela direção da Associação
Académica de Coimbra (AAC) para dar continuidade à secção fundada em 1974 –faz este
anos 40 anos- no Estádio Universitário.
Mestre José Arlindo, durante muitos anos residente
na Real República do Prá-Kis-Tão, na Alta da cidade, é 6.º dan –a modalidade
inicia-se no nível prévio kiu, cinto
branco, e vai evoluindo até 3º kiu. A
partir daqui, tendo em conta as dimensões Prática
(execução corporal), Teórica
(interpretação mental), e Curricular,
o praticante entra no nível avançado de graduação, que vai do primeiro ao
décimo dan. Mestre Lemos não se vê a
fazer outra coisa. O Karaté é o seu universo onde desenvolve três vertentes: a
lúdica, a formativa e a competitiva –esta mais dirigida aos jovens, já que a
existência é uma constante competição. Esta arte marcial enquanto filosofia de
vida, cujo lema é “aprende a lutar para
nunca teres de lutar”, aumenta a autoconfiança, a ética, no respeito
intrínseco por quem está no chão, desenvolve a igualdade, no princípio de que
todos os praticantes são potencialmente iguais, e a noção de justiça, na busca
da retidão e correção do injusto para o justo.
Se está a pensar em incorporar esta grande
equipa ainda está muito a tempo. As aulas para adultos iniciados começam no
próximo 6 de Outubro e decorrerão às segundas, quartas e sextas-feiras, das 20
às 21h00. Para as crianças serão às terças e quintas-feiras às 17h45.
Parabéns, Mestre José Arlindo. Esta é uma
singela homenagem que se pretende pública. A cidade deve-lhe muito por tudo
quanto tem feito pelo desporto de Coimbra. Um grande abraço, meu amigo!
A MORTE DA LEITURA EM PAPEL
Utilizando como meio de transporte um
autocarro, neste fim-de-semana, último, desloquei-me a uma cidade do interior
do País, que dista cerca de 150 quilómetros de Coimbra. Embora navegue pouco, sempre
que faço uma jornada mais ou menos longa gosto de levar comigo um livro ou um
jornal para ler. Bem sei que, com este gosto, sou antiquado. Eu deveria ser um
tipo moderno e levar comigo um “Tablet”,
ou, sei lá, um “Smartphone”. Mas qual
quê? Sou um irascível resistente a estes meios de comunicação. Para além de
serem viciantes, considero-os totalmente invasores da minha privacidade, e
continuo com o meu velho telemóvel Nokia que, volta e meia e quem sabe para me
aborrecer, falha-me a rede mas nem assim me descolo dele.
Então no Sábado, quase ao pôr-do-Sol, como
habitualmente em cima da hora, coloquei os pés na direção da Rodoviária
Nacional, na Avenida Fernão de Magalhães, em Coimbra. A meio do caminho, entre
a minha casa e o centro rodoviário, dei pela falta do livro que deveria ser meu
companheiro de viagem. Porém, como estava literalmente em cima da partida, já
não pude voltar atrás. Dei por mim a pensar que não haveria problema já que,
recordei, existia um quiosque de jornais no terminal das camionetas. No “guichet” adquiri o bilhete –por acaso a
uma funcionária simpatiquíssima. Que bom é encontrar pessoas assim! Foi então
que me apercebi que a venda de jornais e revistas estava encerrada para férias.
Por segundos, senti que me faltava o chão e, como caminheiro perdido num
deserto, comecei a olhar para todo o lado, para ver se, no limite, vislumbrava
uma ponte, uma solução, para a carência do meu problema. Mas nada. Ali à volta
não havia qualquer negócio de jornais ou revistas. Para tentar saciar a minha
ansiedade, imaginei que dentro do autocarro haveria alguém que transportasse
consigo um jornal e, depois de o tresler, mo cederia. E entrei no meio de
transporte que três horas depois me deixaria na cidade do interior –a propósito
saliento a frota de veículos de elevada qualidade que fazem este trajeto
regular.
Às 18h30, conforme a hora indicada, o
mastodonte motorizado, de cor azul e praticamente cheio, fez-se à estrada.
Começando pelos fundos, iniciei então a minha busca com o olhar para encontrar
um passageiro que levasse consigo leitura em papel. Ocupados entre o seu
pequeno computador aberto, o “Tablet”
e o “Smartphone”, verifiquei in loco, nem um único lia um livro, uma
revista, ou um simples jornal de papel. Perante aquele cenário inimaginável,
rendi-me à evidência: teria de escolher entre dormir, pensar na minha cada vez
maior diferença entre estes tempos que teimo em não me englobar, ou apreciar a
paisagem. Como não dormi, entretive-me a pensar e a ver. Perante os meus olhos,
num contraste absoluto entre o progresso e o retrocesso, surgiam estradas novas
como nunca vi e um incontável universo de pequenos negócios encerrados. É um
apocalipse. Desde mercearias, a instalações de pneus, a fábricas de alumínios,
até pequenas oficinas de mecânica, é um doer de alma assistir a este extermínio
coletivo de criação de emprego nas localidades. No panorama, são esqueletos
vivos, perdidos, marcas de uma memória comercial e industrial que se finou. E
lá cheguei ao meu destino.
Regressei no Domingo à noite. Claro que,
inevitavelmente, acompanhado de um livro que tomei de empréstimo ao meu amigo:
“O Segredo”. Embora visse o filme,
não tinha lido a história escrita.
Por volta das 21h30, na viagem de
regresso, eu era comparte de um grupo de cerca de uma dúzia de passageiros com
destino à cidade dos estudantes. Sem surpresa, verifiquei que, mais uma vez,
quase todos estariam ligados à Internet e nenhum deles se ocupava a ler.
O autocarro arrancou e as luzes
ficaram num lusco-fusco. Como cego a apalpar uma parede, comecei a carregar em
todos botões por cima da minha cabeça mas nenhum parecia dar-me importância e a
luz necessária para eu poder ler. Numa ambiguidade, entre o aperto premente e
ao mesmo tempo sabendo que era só para mim, hesitei em levantar-me e indagar o
motorista acerca da falta de luminosidade. Vou, não vou? E fui! Fez-se luz no “machimbombo” e eu passei o percurso
quase sem sentir a diferença da distância.
Como questão final, deixo uma pergunta um
bocado estúpida: e se os autocarros levassem consigo uns jornais do dia e umas
revistas? Mesmo que aumentasse uns cêntimos nos bilhetes, será que não se estaria
a contribuir para que a leitura em papel não se perdesse na vacuidade? No fundo
estariam a dar continuação ao princípio do livro “O Segredo”, que é, como se sabe, a universal lei da atração: boas iniciativas trazem bons resultados.
QUEDA DE BEIRAL DE UM PRÉDIO CAMARÁRIO
Na semana passada caiu um beiral de um prédio
na Rua das Azeiteiras. O edifício, onde durante décadas funcionou a mercearia do Humberto, alegadamente, é propriedade da Câmara Municipal de
Coimbra. Salienta-se a grande quantidade de pluviosidade que tem caído nos
últimos dias e que, mais que certo, terá contribuído.
Segundo um vizinho que pediu o anonimato, esta
casa vazia, de dois andares e rés-do-chão, oferecendo perigo de derrocada, está
sinalizada há cerca de cinco anos pela Proteção Civil. Pegando nas suas
palavras, “olhe que foi uma sorte as
telhas e as pedras envolvidas em caliça, ao mergulharem no asfalto, não terem
caído em cima de um qualquer transeunte que fosse a passar. Esta área deveria
ser chamada de “zona vermelha de perigo eminente”. Olhe aqui este túnel em
madeira, no Beco das Canivetas! Está assim há quatro anos! Olhe à sua volta. Veja
o estado decrépito destes prédios. Olhe o beiral daquele! A qualquer momento
vem parar ao chão! Você conhece bem esta zona da Baixa e sabe que,
provavelmente, é uma das mais pitorescas deste casario de antanho. Este
desleixo não deveria ser sancionado? E se houver feridos ou mortes? A
negligência grave não é punível no ordenamento penal? Sabe o que lhe digo? Esta
declaração da Unesco, classificando Coimbra de Património Mundial, foi
apressada e em cima do joelho. Foi o que foi!”
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