De
costas para a porta, estabelecendo meças entre o passado e o
presente, eu estava embrenhado a arrumar os pensamentos. Na gaveta
das recordações, revendo toda a minha existência desde o berço,
lembrava as pessoas que passaram na minha vida e que, sem os esquecer
nunca, continuarão presentes até ao meu último suspiro. Na divisão
referente aos nossos dias, inventariando a amizade, cogitava na sua
extrema fragilidade. Nunca se falou tanto de afectos, quer seja pelas
redes sociais, quer pelo desempenho teatral do actual Presidente da
República. No entanto, se pararmos para raciocinar, facilmente se
chega à conclusão que a amizade, contrariando o seu étimo de
proteger e ser protegido, está transformada num sentimento egoísta
e unidireccional, ou seja, cada pessoa, individualmente, apenas está
interessado em receber e nada dar em troca. E mais: quanto maior for
a importância social do outro, num pedantismo descarado, mais
depressa a conveniência é desenvolvida. A obrigação de dar é
sempre do outro. Enquanto emoção imaculada, focada em alguém em
particular, a amizade só pode ser desenvolvida se sair da alma, com
pureza, e tiver acoplado um princípio humanista de justiça, equidade e amor, isto é, ser justo e gostar dos humanos em geral.
Seriam
para aí umas onze horas de hoje, ouvi uns passos rápidos a ecoar na
soleira da minha porta levemente conhecidos. O meu nome, em pronúncia
abrasileirada, soou forte: “Louis... Louis... Vamos beber um
café... Pago eu!”.
Pronto! Vi logo que, vindo de quem vinha, só podia ser mordidela ou canelada. Em toda a sua pujança e cagança, mais que certo para me cravar qualquer coisa, cá estava o “Chico Pintelho”. Sem dar nas vistas que tinha armado o meu canhão imunitário de defesa pessoal, numa voz entaremelada, respondi: Bom dia, “Pintelho”! Tão cedo por aqui? Sub-repticiamente, fazendo uma análise geral ao seu aspecto, verifiquei que a roupa que tinha vestida era a mesma de Sábado, quando o encontrei na Praça 8 de Maio, e, aparentemente, dera entrada na cidade nessa noite vindo do outro lado do Atlântico, do Brasil. E prossegui, Então já estás alojado? Interroguei. “Claro! Estou hospedado no Hotel Quinta das Lágrimas”, retorquiu. Só em cinco estrelas, remoí com ironia mordaz, mas ele pareceu não notar. Mas, antes que venha a hora da refeição e tenhas de me pagar o almoço, vamos lá ao cafezinho, repliquei. E acertámos os passos em direcção à Praça 8 de Maio.
Pronto! Vi logo que, vindo de quem vinha, só podia ser mordidela ou canelada. Em toda a sua pujança e cagança, mais que certo para me cravar qualquer coisa, cá estava o “Chico Pintelho”. Sem dar nas vistas que tinha armado o meu canhão imunitário de defesa pessoal, numa voz entaremelada, respondi: Bom dia, “Pintelho”! Tão cedo por aqui? Sub-repticiamente, fazendo uma análise geral ao seu aspecto, verifiquei que a roupa que tinha vestida era a mesma de Sábado, quando o encontrei na Praça 8 de Maio, e, aparentemente, dera entrada na cidade nessa noite vindo do outro lado do Atlântico, do Brasil. E prossegui, Então já estás alojado? Interroguei. “Claro! Estou hospedado no Hotel Quinta das Lágrimas”, retorquiu. Só em cinco estrelas, remoí com ironia mordaz, mas ele pareceu não notar. Mas, antes que venha a hora da refeição e tenhas de me pagar o almoço, vamos lá ao cafezinho, repliquei. E acertámos os passos em direcção à Praça 8 de Maio.
TOMANDO
BANHOS SECOS
Com
um frio incomodativo nas ruas estreitas, que se entranhava nos ossos,
acomodámo-nos na esplanada do café Conquistador, recentemente
aberto na praça do Panteão Nacional. Com um Sol revigorante como
testemunha, parecendo sublinhar que quando nasce não é mesmo para
todos, a grande estrela calórica mostrava ali que quem quisesse o
seu afago
teria de o procurar, pedimos dois cafés.
Fui
o primeiro a abrir. Então conta lá, o que precisas de mim?
Interroguei. Parecendo ficar ofendido, atirou: “Eu?!?
De ti só quero mesmo a tua amizade. Nada mais! Conheces-me, porra!”.
Com um mudismo acentuado de conluio, fiz de conta que acreditei.
Continuou o “Chico
Pintelho”:
- Preciso de um conselho teu para um grande empreendimento que, proximamente, vou tomar em mãos. Estou a pensar em escrever um livro sobre o comércio de rua. Um tratado, um estudo sobre o sector. Para começar, o que achas disso?
- Depois de alguma surpresa impossível de dissimular deixei escapar: Mas tu nem estás habituado a escrever?!?...
- Isso não interessa nada. Socorro-me do que tu escreves. E tens centenas de textos sobre o comércio tradicional. Para além disso sabes que, no Brasil, fui adjunto do Lula da Silva e Dina Rousseff para as questões de comércio interno.
- Sem dar crédito à minha cara de abananado, prosseguiu:E sabes que estou a pensar em fazer o lançamento do livro no Convento de São Francisco? E com a presença do Primeiro-ministro, de ministros, de deputados e do Presidente da República?
- Como?!? Interroguei sem conseguir dissimular.
- Então, se no Sábado foi assim, porque não há-de acontecer o mesmo comigo?
- Sem saber muito bem o que dizer, lá fui adiantando: Não te esqueças que estava em causa um livro sobre o “Salvar o SNS -uma nova Lei de Bases da Saúde para Defender a Democracia”. E para além disso os mentores do livro são notáveis...
- Ai é?!? Queres dizer que eu não sou notável? É isso?...Por não saber o que dizer, deixando-o sem resposta, adiantei: Desculpa ó “Pintelho”, mas tenho de ir trabalhar. E levantei-me da cadeira.Foi então que ele fez o que eu não previra:
- Ó pá, esqueci a carteira no hotel. Paga aí os cafés. E já agora, empresta aí cinco euros...
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