sexta-feira, 6 de novembro de 2015

UMA VIDA DE TRABALHO INGLÓRIO, SEGUNDO PAULO SIMÕES




“Decorria o ano de 1966 quando dei o primeiro grito num lar muito pobre, como era apanágio na época e para a maioria dos portugueses, em Taveiro, Coimbra. Mal terminei a escola primária, com 12 anos, assentei logo praça ao serviço da primeira ocupação que me apareceu. Um ano depois fui trabalhar para a tabacaria Lobo, na Praça do Comércio, e por lá estive uns anos até que o senhor Francisco, da Sapataria Clarinha, na Rua da Louça, me convidou para ser seu empregado. Para lá me transferi e fui muito bem acolhido. Entretanto, para choque de todos nós, o senhor Chico faleceu em 1994. Por conta dos herdeiros, continuei na loja como funcionário até 2008. Nesta altura a minha vida levou um grande tombo. Com dois filhos menores, divorciei-me. Como era preciso pegar a vida de frente, sem medo, tomei o estabelecimento e passei a trabalhar por conta-própria. Nos dois primeiros anos, apesar do despoletar da crise mundial com a falência do banco norte-americano Lehman Brothers, o negócio até correu bem. A partir de aí foi sempre a descer em declive. Em 2011, tentando diversificar e julgando encontrar uma tábua de salvação, arrendei um pequeno restaurante, na mesma rua, ao lado da sapataria. Trabalhava noite e dia para manter os dois estabelecimentos em actividade. Talvez por desconhecimento, não calculei bem o risco e, com uma renda elevada, acabei por piorar as coisas ainda mais. Em Abril de 2014, já bastante debilitado financeiramente, encerrei de vez a casa de pasto.
Depois de um ano a lutar contra imaginários balões de ensaio, neste último Sábado, e derradeiro de Outubro, fechei as portas da minha sapataria. Para além da minha alma em frangalhos, já nada restava para vender. Num silêncio envolvente e só meu, no espelho da velha montra de sapatos mirei-me e dei por mim a chorar desalmadamente. Estava completamente arruinado. Não tinha nada. Em casa o frigorífico estava vazio, a fé evaporara-se como nevoeiro em manhã de Agosto, e nos bolsos, gastos de tanto catar, já nem uma moeda restava para memória.
Agora com 49 anos, e depois de 37 anos a trabalhar, estou insolvente. Para além da falência da firma a particular também se seguiu. Perdi tudo, incluindo a minha casa de habitação. Nada me resta e até o sono, necessário para descansar a cabeça, me abandonou. Passo as noites em claro já há muito tempo.
Esta semana fui à Segurança Social pedir ajuda. O único apoio que me podem dar é o RSI, Rendimento Social de Inserção, no valor 178,00 euros –que me será concedido depois de aprovado e de aqui a mais de um mês. Tenho dois filhos menores, como vou viver? Será este tratamento um castigo alegadamente justo para o insucesso comercial? Eu nunca viajei nem andei metido em jogatinas. Falhei porque a economia não me ajudou. Admito que poderei ter alguma culpa mas, a ser assim, é porque tentei tudo para buscar no labor um rendimento que me permitisse viver com dignidade.
Não tenho nada! O que precisava mesmo era de um trabalho. Já estou inscrito no Instituto de Emprego. Um amigo deu-me esperança de talvez em Janeiro próximo me arranjar um afazer em Estarreja, o problema é que estou sem dinheiro para as viagens ou até arrendar um quarto por lá. Na prática, estou amarrado à minha indigência. Estou a fazer tudo para dar a volta à situação mas, confesso, está difícil. Muito difícil! Sinto-me injustiçado porque não tenho nada a que me agarrar. Sinto um vazio terrível dentro do peito. É muito deprimente. Estou a tentar agarrar-me à existência pelos meus filhos. O meu coração bate por eles. É por eles que tento aguentar-me e mantenho a esperança de que, depois de se fecharem tantas portas, uma janela para uma nova vida se abrirá."


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