quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

MEALHADA: CRÓNICA DE UMA SESSÃO ATRIBULADA

 




ALERTA: ESTE TEXTO,

POR SER LONGO, PODE

CRIAR INSÓNIAS A QUEM

CHEGAR AO FIM


1 - A Assembleia Municipal, marcada para ontem, 29, às 20h30, presencialmente no Cine-teatro Messias e transmitida via online, foi publicitada devidamente, como quem diz, nos chamados lugares de estilo e na página oficial do município, no Facebook, em tempo útil, de modo a que, sobretudo “internautas”, todos tomassem conhecimento. É certo que a ordem de trabalhos não fazia parte do pacote, mas, por já estarmos habituados a essa lacuna, dessa parte fraca não reza a história.

À hora estipulada, com algum público e os deputados bem acomodados, presentes no vetusto teatro, tudo parecia indicar que ia ser mais uma calma viagem de discussão cordata e sem entraves. É certo que ali havia uma família desavinda, outrora unida, cindida nas últimas eleições, mas nada de maior, pensava-se nesta altura. Os que estavam em cima passaram para baixo e vice-versa.

Nem que ali estivesse um presciente adivinharia que a calma reunião iria ser dominada por temas estranhos ao comum cidadão. Daqueles assuntos que, quando se avistam próximos, fugimos a sete-pés. Imagine-se assistir a uma discussão entre a Filosofia do Direito, a Teoria Jurídica e a Hermenêutica (interpretação). Tenho ou não razão? Pois tenho!

Porque aconteceu? Bom, não é fácil de explicar, mas com a minha bonomia e com ajuda de um já falecido comendador, devagar, devagarinho, lá iremos...


2 – Ninguém deu por ele, mas, em espírito, ele estava lá. E muito atento ao que se passava à sua volta.

Lá no alto do mausoléu dedicado à arte cénica, em fluídos residuais e invisíveis, como sentinela vigilante, a alma do velho Comendador Messias Baptista, outrora criador, obreiro e pragmático, com a sua omnipresença parecia antever que ia haver bronca nas questões de direito, essas premissas que tanto dizem tudo, como não dizem nada, bem como o seu contrário. Tudo depende do hermeneuta, aquele que interpreta.

Para um tão bom povo, como é o português, de coração enorme na tolerância e bem contentar todos, naturalmente que haverá sempre uma lei à medida do seu ponto de vista. Por outras palavras, há sempre uma regra objectiva e outra com seu contrário. São as chamadas “antinomias”. Ou seja, a existência de duas normas contraditórias que geram um impasse na escolha e aplicação de uma delas ao caso concreto.

Mas o que é que isso interessa para aqui? Não estamos a escrever sobre o que se passou na Assembleia Municipal? Pareceu-me ouvir alguém interrogar. Pois! Em boa verdade, até interessa para se perceber o que aconteceu ontem no velho animatógrafo. Mas vamos com calma. Não me pressione que o meu coração, sensível e cheio de amor, acelera.

Como ia dizendo, num num ambiente pré-fabricado de aparente paz entre oposição e governo local, em que os intervenientes oposicionistas do Partido Socialista (PS) davam uma nova vista de olhos aos papéis . Estes eleitos, mas não só, sabiam com exactidão o que ia acontecer dentro de momentos…


3 - Depois da frase solene de Carlos Cabral, presidente do hemiciclo, “está aberta a sessão! Quem se quer inscrever?”, tomou a palavra uma deputada da bancada do PS. Na sua voz melosa e tranquila, mais indicada para soletrar boas-novas, sem grandes formalidades, deixou cair a acusação: a sessão em curso, da Assembleia Municipal, estava eivada de vício de forma.

Carlos Cabral, já anteriormente alertado para o que iria acontecer, deixou cair o queixo com presumível estrondo visual.

Na sua marcha em busca da razão pura, prosseguiu a vogal socialista. Dizendo que as Grandes Opções do Plano e Orçamento e Plano de Actividades para 2022 não poderiam ser votados numa Assembleia Extraordinária, como era o caso. Ao abrigo da lei 75/2013, pelo âmbito do artigo 26º, ponto 2 do Regimento da Assembleia, era obrigatório serem escrutinados numa sessão ordinária. Pronto! Estava o caldo entornado…


4 – Carlos Cabral, como se demorasse a recuperar de um murro no estômago, com alguma dificuldade na respiração, lá conseguiu articular em resposta um olhe que não! Olhe que não! Nós até temos um parecer que prova o contrário.

Mas a vogal socialista, atribuindo pouca importância à contra-argumentação do presidente, em bloco, levando atrás de si os colegas mais ortodoxos na linha dura socialista, bateu com a porta na cara de Cabral, em metáfora, evidentemente. É claro que o chefe do parlamento não gostou nada. E apelidou-os de mal-educados.

Mas o Orçamento, sem necessidade de quórum, foi aprovado na mesma.

Sem me pronunciar, vou deixar para apreciação as premissa apresentadas, pelo dois grupos: de um lado, os parlamentares do PS e, do outro, a Assembleia Municipal e o executivo liderado por António Jorge Franco:


SOCIALISTAS:


Regimento da Assembleia Municipal

Artigo 26.

Sessões Ordinárias


2. A apreciação do inventário dos bens, direitos e obrigações patrimoniais, a respetiva avaliação e a apreciação e votação dos documentos de prestação de contas do ano anterior devem ter lugar na sessão ordinária de abril, e a aprovação das opções do plano e da proposta de orçamento para o ano seguinte na sessão de novembro.


Lei 75/2013



                                                                 Funcionamento

                                                                   Artigo 27.º
                                                                   Sessões ordinárias



2 - A apreciação do inventário dos bens, direitos e obrigações patrimoniais, a respetiva avaliação e a apreciação e votação dos documentos de prestação de contas do ano anterior devem ter lugar na sessão ordinária de abril, e a aprovação das opções do plano e da proposta de orçamento para o ano seguinte na sessão de novembro ou dezembro (...)



PARECER APRESENTADO COMO DEFESA PARA A LEGALIDADE DA SESSÃO

Lei n.º 73/2013, de 12 de Setembro

Artigo 45º

Calendário Orçamental


1 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, o órgão executivo apresenta ao órgão deliberativo, até 30 de novembro de cada ano, a proposta de orçamento municipal para o ano económico seguinte.
2 - Nos casos em que as eleições para o órgão executivo municipal ocorram entre 30 de julho e 15 de dezembro, a proposta de orçamento municipal para o ano económico seguinte é apresentada no prazo de três meses a contar da data da respetiva tomada de posse.



5 – Para terminar em beleza, sem me comprometer com a minha subjectividade, coloquei uma questão que se impõe ao espírito do velho Comendador Messias Baptista: o que achou Vossa Senhoria desta Assembleia?


- Olhe, meu caro amigo, no geral, não gostei.

Começando por Carlos Cabral, esteve mal, muito mal mesmo! O velho professor não se pode esquecer que ali, naquele espaço deliberativo e fiscalizador, é o presidente da Assembleia Municipal e não o eleito pelo Movimento Mais e Melhor. Ali, a sua posição deve e tem que ser imparcial, devendo apenas obediência ao conclave. Não foi o que pareceu ontem.

Por conseguinte, deve concorrer para a harmonia e colocar de lado velhos ressentimentos.


- No tocante à bancada do PS, uma lástima, meu caro senhor!

Se consideraram ter razão, votavam contra o Orçamento com declaração de voto e recorriam para o Plenário da Assembleia. Mas mantinham-se no seu lugar. Ao saírem esqueceram que foram eleitos para ocupar aquelas cadeiras em representação do povo. O que pareceu ali foi que o ressabiamento fala mais alto. E assim, tocados pela vingança, não vamos lá.


- No tocante ao executivo liderado por António Jorge Franco, este dissenso em formato de guerrilha contribui para cortar a esperança nele (executivo) depositada.

Deveria ter tido o cuidado de apresentar as Grandes Opções do Plano e Orçamento mais cedo, na última reunião ordinária. Se foi descuido de funcionário indague-se, e responsabilize-se. Mas evite-se estas cenas lamentáveis para futuro.

Relembrar os erros passados – como é o caso das actas em falta – não desonera de lapsos que vão ocorrendo.




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