domingo, 12 de dezembro de 2021

A BIPOLARIDADE DA (IN)JUSTIÇA QUE NOS ALIMENTA A ALMA

 

(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)




Sem confirmação, chegou-me aos ouvidos que amanhã começa a fase de Instrução que envolve Rui Marqueiro e os três vereadores que acompanharam o ex-presidente da Câmara Municipal da Mealhada no mandato de 2017-2021. (A denominada Instrução é um pré-julgamento facultativo do processo penal que tem por intenção verificar se há ou não matéria para levar um acusado de um crime a julgamento. No fundo, é como se funcionasse como uma triagem de absolvição ou reiteração entre as acusações do Ministério Público e o que, de facto, aconteceu)

Relembra-se que o ex-presidente da Câmara Municipal da Mealhada juntamente com três vereadores que o acompanharam no mandato de 2017-2021, por queixa anónima, estão acusados pelo Ministério Público, nomeadamente, de prevaricação e abuso de poder. (Prevaricação é um crime funcional praticado por funcionário público contra a Administração Pública. Tem um âmbito geral como, por exemplo, retardar, praticar indevidamente um acto adstrito ao seu ofício contra a lei para satisfazer interesse ou sentimento pessoal)

E peguei neste assunto para ilustrar um ressentimento agravado de condenação prévia que move a colectividade, sobretudo numa declarada manifestação de vingança contra os indiciados. De pouco vale invocar que entre a acusação e a condenação há um oceano a separar as duas margens. Em Direito existe uma frase lapidar que diz o seguinte: “Não há causa ganha nem demanda perdida antecipadamente”.

Somos capazes de conviver anos e anos com uma situação de conhecimento e nunca o denunciar – e muitos, se o fizerem, é através do anonimato. Um dia é descoberto o crime e e detido o malfeitor. Então é ver gente em magote junto ao tribunal a pedir a sua condenação aos gritos.

Entre a “justiça não funciona” e “mate-se o acusado”, constata-se uma bipolaridade notória por parte dos cidadãos. No centro deveria estar a virtude, mas o “meio”, como posição, não existe, nem sequer em abstracção. Por outras palavras, por um lado, deveria coexistir o bom-senso projectado numa dúvida metódica que nos deve atravessar sempre em face de uma qualquer notícia, leve ou grave, que nos afecte ou não: “Será que foi mesmo assim?”. Por outro, deixarmos o Tribunal desempenhar a sua função de escrutínio e só, então, depois passarmos à crítica. O problema é que, na maioria, deixámos de acreditar no longo braço da Lei. Por isso mesmo, com toda a insensibilidade, ódio e crueldade que se adivinha, as questões jurídicas, de absolvição ou condenação, caíram na praça pública.

É claro que a justiça também não dá o melhor exemplo e segue o mesmo comportamento bipolar, dois polos opostos entre o mutismo e o regozijo exagerado.

Basta lembrar o triste espectáculo de exibição pública que se está a passar com João Rendeiro, o banqueiro em fuga e detido na África do Sul. Por mais grave que seja o crime, é dever da Justiça, enquanto sustentáculo de um estado de Direito, manter alguma reserva quanto à sua actuação e preservar a dignidade do acusado. Ora, o que estamos a assistir nas televisões, na forma de ostentação de um presumível condenado, não é muito diferente de uma “justiça” praticada num qualquer país do Norte de África, ou da Ásia.

Embora Rui Rio, presidente do PSD, se excedesse na acusação que fez, de que o calendário eleitoral influenciou a prisão de João Rendeiro – um candidato a primeiro-ministro não pode acusar sem provas -, uma coisa é certa, esta badalação gratuita do Director Nacional da Polícia Judiciária não é mais do que mais um prego no caixão e mais uma politização da justiça.

Vale a pena pensar nisto?

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