quinta-feira, 9 de maio de 2019

UM COMENTÁRIO RECEBIDO SOBRE... E UMA RESPOSTA

(Imagem da Web)



A primeira, é agarrar neles e, friamente
e sem qualquer clemência, colocá-los no
meio do mar – o problema é se entre eles
estiver um membro da nossa família.”


Em resposta à minha crónica “Para Coimbra seguir o Porto são precisos três anos, pelo menos”, na Página da Câmara Municipal de Coimbra (Não Oficial), no Facebook, um membro escreveu o seguinte: Ridículo essa iniciativa. Tratem os viciados. Não alimentem o vício.
Começo com uma ressalva: respeito a sua opinião e o meu contraditório não vai no sentido de a fazer mudar. No entanto, como defendo o contrário, tenho o dever de explicar a minha posição. Contudo, alerto, a minha leitura é feita como cidadão atento aos fenómenos societários, mas sem grande conhecimento específico.
Em seguida, faço uma resenha do que se passa na Baixa de Coimbra com os toxicodependentes. Até há cerca de cinco anos, em grupo, injectavam-se em alguns becos pouco frequentados e fora de vistas. Por essa altura, algumas destas ruelas foram muradas para evitar o choque nestes “gulag’s” sociais. Com a emenda a ser pior que o soneto, em face dos encerramentos daqueles locais, os drogados, deslocalizando-se para as vias públicas propriamente ditas, com o tráfico à luz do dia, passaram a fazerem o caldinho perante todos os passantes que frequentam a Loja do cidadão e ruas estreitas adjacentes. 
O que se verifica actualmente, numa crueza impressionante, é estas pessoas morrerem sem dignidade. Como párias, aparecem mortos em qualquer esquina, são enterrados e ponto final. Raramente são merecedores de um anúncio necrológico numa parede da Baixa. O seu desaparecimento só é notado passados meses.
Aqui podemos formular uma questão: o que fazer com esta tragédia que é transversal ao país e ao mundo?
Numa espécie de exercício especulativo, podemos aventar três soluções:

A primeira, é agarrar neles e, friamente e sem qualquer clemência, colocá-los no meio do mar – o problema é se entre eles estiver um membro da nossa família.
A segunda, é, pela força física, pegar em cada um e forçar o seu tratamento – sabemos todos que este recurso não funciona. O tratamento para qualquer adição (é preciso não esquecer que é uma doença) tem obrigatoriamente de ser voluntário para se alcançar resultados satisfatórios.
A terceira, supondo que a maleita social não nos toca directamente, perante um viciado a espetar uma seringa num dos membros com sangue à mistura, fazendo de conta que nada se passa e nem é connosco, mudamos de passeio e vamos à nossa vida – como se imagina, esta postura não vai contribuir no que quer que seja para acabar com a adversidade.

E agora vou contraditar as suas afirmações:
Incidindo na sua última afirmação: “Não alimentem o vício”.
Começo por lhe dizer que qualquer regra, social ou normativa, tem sempre acoplada dois valores: maior e menor. Com os dois preceitos interligados e a agirem entre si em antagonismo, por vezes, é muito difícil fazer a separação. Como se tratasse de trigo e joio, só transcendendo a própria essência do problema. Vou dar dois exemplos muito comuns, tantas vezes criticáveis pela maioria (e até por mim): a atribuição do RSI, Rendimento Social de Inserção, e a distribuição de alimentos aos carenciados pelo Banco Alimentar. Aposto, muitos de nós já condenaram estas medidas como sendo contraproducentes e geradoras de uma desmotivação para a criação de riqueza, independência individual e auto-sustentabilidade. É verdade ou não que este dar o peixe sem necessidade do esforço de pescar está directamente ligado ao ócio, à malandragem? Claro que está! Mas, mesmo sabendo-se que há abusos, no confronto entre os dois princípios, é um valor menor. Se não existissem estas prerrogativas, sem margem para dúvidas, assistiríamos a quadros de miséria pungente ao virar de qualquer esquina. E é aqui que reside o valor maior. Mesmo tendo noção que estamos a errar em imensos casos, pelo sucesso da maioria, ficamos com a certeza que, Estado e cidadão, estamos a contribuir para uma sociedade mais distributiva, mais equilibrada e atenta aos que não possuem capacidade auto-administrativa.
E vou à segunda premissa que escreveu: “tratem os viciados”.
Penso que já respondi a esta problemática. Sem vontade própria do doente jamais será possível tratar quem quer que seja. Aniquilar um desejo, que é imanente ao ser humano, é o mais difícil de executar. E para o conseguir em pleno só com uma receita composta de vários instrumentos pessoais e extra-pessoais: vontade de mudança, sinalização, identificação, terapia por parte das entidades competentes através da despistagem e tratamento psicológico. Ora, como calcula, para isto acontecer, numa primeira fase, retirando-os da rua, com uma visão holística, colectiva, é preciso apanhar todos num abraço metafóricodando-lhes o que necessitam para a sua sobrevivêncianuma segunda fase, já mais restritiva e especializada, parte-se para a salvação de alguns. Estou em crer, por muito que se faça, só um número limitado se salvará.
Será que a instalação das Salas de Chuto será mesmo uma iniciativa ridícula?

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