(Imagem da Web)
“A
primeira, é agarrar neles e, friamente
e
sem qualquer clemência, colocá-los no
meio
do mar – o problema é se entre eles
estiver
um membro da nossa família.”
Em
resposta à minha crónica “Para Coimbra seguir o Porto são precisos três anos, pelo menos”, na
Página da Câmara Municipal de Coimbra (Não Oficial), no Facebook, um membro
escreveu o seguinte: ”Ridículo
essa iniciativa. Tratem os viciados. Não alimentem o vício.”
Começo
com uma ressalva: respeito a sua opinião e o meu contraditório não
vai no sentido de a fazer mudar. No entanto, como defendo o
contrário, tenho o dever de explicar a minha posição. Contudo,
alerto, a minha leitura é feita como cidadão atento aos fenómenos
societários, mas sem grande conhecimento específico.
Em
seguida, faço uma resenha do que se passa na Baixa de Coimbra com os
toxicodependentes. Até há cerca de cinco anos, em grupo,
injectavam-se em alguns becos pouco frequentados e fora de vistas.
Por essa altura, algumas destas ruelas foram muradas para evitar o
choque nestes “gulag’s” sociais. Com a emenda a ser pior
que o soneto, em face dos encerramentos daqueles locais, os drogados,
deslocalizando-se para as vias públicas propriamente ditas, com o
tráfico à luz do dia, passaram a fazerem o caldinho perante
todos os passantes que frequentam a Loja do cidadão e ruas
estreitas adjacentes.
O que se verifica actualmente, numa crueza impressionante, é estas pessoas morrerem sem dignidade. Como párias, aparecem mortos em qualquer esquina, são enterrados e ponto final. Raramente são merecedores de um anúncio necrológico numa parede da Baixa. O seu desaparecimento só é notado passados meses.
O que se verifica actualmente, numa crueza impressionante, é estas pessoas morrerem sem dignidade. Como párias, aparecem mortos em qualquer esquina, são enterrados e ponto final. Raramente são merecedores de um anúncio necrológico numa parede da Baixa. O seu desaparecimento só é notado passados meses.
Aqui
podemos formular uma questão: o que fazer com esta tragédia que é
transversal ao país e ao mundo?
Numa
espécie de exercício especulativo, podemos aventar três soluções:
A
primeira, é agarrar neles e, friamente e sem qualquer clemência,
colocá-los no meio do mar – o problema é se entre eles estiver um
membro da nossa família.
A
segunda, é, pela força física, pegar em cada um e forçar o seu
tratamento – sabemos todos que este recurso não funciona. O
tratamento para qualquer adição (é preciso não esquecer que é
uma doença) tem obrigatoriamente de ser voluntário para se alcançar
resultados satisfatórios.
A
terceira, supondo que a maleita social não nos toca directamente,
perante um viciado a espetar uma seringa num dos membros com sangue à
mistura, fazendo de conta que nada se passa e nem é connosco,
mudamos de passeio e vamos à nossa vida – como se imagina, esta
postura não vai contribuir no que quer que seja para acabar com a adversidade.
E
agora vou contraditar as suas afirmações:
Incidindo
na sua última afirmação: “Não alimentem o vício”.
Começo
por lhe dizer que qualquer regra, social ou normativa, tem sempre
acoplada dois valores: maior e menor.
Com os dois preceitos interligados e a agirem entre si em
antagonismo, por vezes, é muito difícil fazer a separação. Como
se tratasse de trigo e joio, só transcendendo a própria essência
do problema. Vou dar dois exemplos muito comuns, tantas vezes criticáveis pela maioria (e até por mim): a atribuição do RSI,
Rendimento Social de Inserção, e a distribuição de alimentos aos
carenciados pelo Banco Alimentar. Aposto, muitos de nós já condenaram estas medidas como sendo contraproducentes e geradoras de uma
desmotivação para a criação de riqueza, independência individual
e auto-sustentabilidade. É verdade ou não que este dar o peixe sem
necessidade do esforço de pescar está directamente ligado ao ócio,
à malandragem? Claro que está! Mas, mesmo sabendo-se que há
abusos, no confronto entre os dois princípios, é um valor menor.
Se não existissem estas prerrogativas, sem margem para dúvidas,
assistiríamos a quadros de miséria pungente ao virar de qualquer
esquina. E é aqui que reside o valor maior. Mesmo
tendo noção que estamos a errar em imensos casos, pelo
sucesso da maioria, ficamos com a certeza que, Estado e cidadão,
estamos a contribuir para uma sociedade mais distributiva, mais
equilibrada e atenta aos que não possuem capacidade
auto-administrativa.
E
vou à segunda premissa que escreveu: “tratem
os viciados”.
Penso
que já respondi a esta problemática. Sem vontade própria do doente
jamais será possível tratar quem quer que seja. Aniquilar
um desejo, que é imanente ao ser humano, é o mais difícil de
executar. E para o conseguir em pleno só com uma receita composta de
vários instrumentos pessoais e extra-pessoais: vontade de mudança,
sinalização, identificação, terapia por parte das entidades
competentes através da despistagem e tratamento psicológico. Ora,
como calcula, para isto acontecer, numa primeira fase, retirando-os
da rua, com uma visão holística, colectiva, é
preciso apanhar todos num
abraço metafórico
– dando-lhes o
que necessitam para a sua
sobrevivência – numa
segunda fase, já mais restritiva e especializada, parte-se para a
salvação de alguns. Estou em crer, por muito que se faça, só um
número limitado se salvará.
Será
que a instalação das Salas
de Chuto
será mesmo uma iniciativa ridícula?
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