IMAGEM E EDIÇÃO DO VÍDEO: ALEX RAMOS
LOCUÇÃO E REALIZAÇÃO: LUÍS FERNANDES
Encerrou
esta semana a Farmácia Nazareth, na Rua Ferreira Borges, o mais
antigo estabelecimento da Lusa Atenas. Esta vetusta botica, que
abriu portas em 1815, foi a primeira distribuidora para Portugal de
artigos para revelação de fotografia e material radiológico.
Estamos a falar dos primórdios do retrato, por volta de 1860, das
placas de vidro de gelatino-brometo. Nos clientes célebres da
farmácia de artigos radiológicos, entre muitos, contavam-se os
falecidos médicos Moura Relvas e Adolfo Rocha, o escritor Miguel
Torga. Embora o final já estivesse anunciado, pensa-se sempre que o destino, se houver vontade, pode ser alterado.
Sem
prantos de lamúria melosa e esparramada pelo seu desaparecimento,
sem que se conheçam esforços para manter em actividade este ícone
da cidade, em especulação inventiva, só vai restar uma espécie de
epitáfio silencioso na memória colectiva: “Durante mais de
dois séculos, aqui existiu um boticário que atravessou a Monarquia
e a República. Pelo desleixo e mal-agradecimento dos homens, que não
preservam a história de Portugal, morreu abandonado em Junho de
2017. Paz à sua alma comercial.”
Como
curiosidade, salienta-se que este bicentenário estabelecimento,
contrariando os habitantes da urbe, os guias turísticos da cidade e
as autoridades municipais ligadas à cultura que nunca lhe deram os
devidos valores utilitário e museológico e sempre passaram ao lado,
é referido no Guia Michelin com uma menção honrosa, apontando o
bom exemplo de conservação do património comercial, e a aconselhar
a sua visita como de interesse municipal.
Hoje,
nos vidros das montras pode ler-se: “Estamos nas novas
instalações Farmácia Nazareth Avenida Afonso Henriques n.º 42 (ao
lado do Café Avenida) OU AQUI AO LADO Farmácia Rodrigues da Silva
(em frente ao Café Nicola).
O
que quererá dizer este aviso? Será que o museu farmacológico, com
todo o acervo, e tectos pintados sobre gesso, se transferiu para
novas instalações? Nada disso. Pelas leis da física o imóvel não
poderia ser trasladado para outro local. Quanto aos ancestrais
móveis, que destino lhe será dado? Quanto ao uso futuro daquele
magnifico espaço de recordação que tanto enriquecia a Baixa, o que
vai acontecer? O que se sabe é que o alvará da Farmácia Nazareth
foi adquirido pela gerência da congénere Rodrigues da Silva, que
dista menos de uma centena de metros na mesma rua, e, na sua posse
exclusiva de autorização legal, abriu hoje uma nova farmácia na
Avenida Afonso Henriques. Como declaração de interesses, fica
escrito que nada opomos contra esta transacção comercial legítima
e de acordo com a lei.
Como
já é hábito, numa pergunta incómoda, interrogo: a Câmara
Municipal de Coimbra, pelo pelouro da cultura, fez alguma coisa? Isto
é, através de magistratura de influência junto do proprietário do
edifício, tentou pelo menos que aquelas instalações tenham um
futuro digno ligado à farmacopeia nacional e mundial?
UMA
RESSALVA E UMA DECLARAÇÃO DO “CORVO”
Como
ressalva, tentando adiantar-me a certos comentários jocosos, declaro
solenemente que, apesar de lidar bem com a morte, não tenho jeito
para cangalheiro. Quero dizer que, embora faça de anjo da desgraça
ao anunciar aqui os enterros de muitas superfícies comerciais tradicionais que
nos deixam sem um “ai que já foste”, a intenção é, por um
lado, para que a sua passagem entre nós não fique nas brumas do
silêncio, por outro, em vão, para tentar alertar para a hecatombe,
para o extermínio comercial que está acontecer na cidade. Consigo
alguma coisa com isso? Obviamente que, para além da sensibilização
de quem faz o favor de me ler, pouco ou nada.
Em palavra de honra, o
que posso afirmar é que sobre o que plasmo é com total honestidade
intelectual. Então sobre assuntos da cidade, que dizem respeito a
todos os munícipes, não escrevo por encomenda, nem para agradar a
esta agremiação política de esquerda ou aqueloutra de direita. O
meu partido é a Baixa -enquanto cá trabalhar e habitar. Sobre
assuntos de sociedade, já escrevo há mais de quatro décadas. Até
há cerca de três anos, entre a “Página do Leitor” e
colaborador semanal, escrevi para os jornais da cidade. Há dez anos
que criei este blogue Questões Nacionais. Aqui, até hoje, já
espreitaram 1.212.518 visitantes.
Se,
como escrevi em cima poucos ligam aos meus desabafos, pode
interrogar-se: porque persisto? Por factores vários, entre eles e
principais, por um lado, por ser comerciante e estar imbricado na
mesma massa da maioria, por outro, já que detenho esta facilidade em
me exprimir, exteriorizo o que sinto e divulgo, ampliando e dando
eco, às preocupações que apreendo em conversas cruzadas e que
algumas vezes, pela lacuna de “editoriais” ou “reportagens” da comunicação social local, seria impossível
analisar de fora através de uma crítica fundamentada. Por outro
lado ainda, tendo noção que estou no mesmo paralelo de aflições
dos meus colegas comerciantes, levo muito a sério a letra do poema
de Bertold Brecht (1898-1956):
“Quando os nazis
levaram os comunistas, eu calei-me, porque, afinal, eu não era
comunista.
Quando eles prenderam os sociais-democratas, eu calei-me, porque, afinal, eu não era social-democrata.
Quando eles levaram os sindicalistas, eu não protestei, porque, afinal, eu não era sindicalista.
Quando levaram os judeus, eu não protestei, porque, afinal, eu não era judeu.
Quando eles me levaram, não havia mais quem protestasse"
Quando eles prenderam os sociais-democratas, eu calei-me, porque, afinal, eu não era social-democrata.
Quando eles levaram os sindicalistas, eu não protestei, porque, afinal, eu não era sindicalista.
Quando levaram os judeus, eu não protestei, porque, afinal, eu não era judeu.
Quando eles me levaram, não havia mais quem protestasse"
Mas
há mais: em jeito de expiação confesso que
devo ser masoquista. Só pode! Se assim não fosse como
entender que, levando pancada a montante e a jusante, continue a
escrever?
A
montante pelos políticos que ocupam a cadeira do poder da Praça 8
de Maio, que, se por um lado, num alheamento intencional acabam a
respeitar o que faço pro bono, por outro, numa relação
complicada, não conseguem disfarçar o ostracismo a que sempre me
votaram -e isto já vem desde há décadas. A independência paga-se
cara, digo eu.
A
jusante vem a reacção negativa daqueles que mais teriam a ganhar
pelo conhecimento de certas situações: os operadores comerciais.
Muitos deles, num enterrar a cabeça na areia, ainda levam a mal ou
manifestam-se em surdina venenosa que se escreva sobre o Apocalipse,
em exposição e revelação, do que está acontecer às actividades
comerciais na cidade.
Para
os dois grupos vou deixar uma declaração: como comerciante com loja
aberta, se as coisas me correrem bem, conto andar por cá pouco
tempo. De modo que, pedindo mais alguma paciência, quando me for
embora e deixar de escrever sobre a Baixa, acredito, todos ficarão
melhor. Pelo menos faço votos para que assim seja.
4 comentários:
Podiam ter feito ao contrário, ficava a Nazareth na Baixa e ia a Rodrigues da Silva para a Avenida!
Eu, se encontrar a vereadora Carina a sair do Audi com motorista pergunto-lhe...
E até a convido para lá ir ver, que lhe faz bem andar a pé...
Tantas atrocidades se têm cometido nesta nossa cidade desvalida.
É uma grande perda a morte da farmacia Nazareth.
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