Na
última quarta-feira, com organização do Lions Clube de
Coimbra e com a colaboração dos Rotários de Coimbra, realizou-se
uma tertúlia no Café Santa Cruz para, em balanço,
debater os quatro anos da declaração de Património Mundial da
Alta/Sofia.
Na mesa de painel,
estiveram presentes as quatro entidades que, perante os cidadãos,
respondem inteiramente pelo turismo na cidade, respectivamente a
Direcção Geral da Cultura, representada por Celeste Amaro, a
Universidade de Coimbra, com Clara Almeida Santos, a Câmara
Municipal de Coimbra, com Carina Alves, vereadora do pelouro da
cultura, e o Turismo do Centro de Portugal, tendo ali o seu
presidente Pedro Machado.
Já o referi em duas
crónicas: esta iniciativa, que deveria ter sido e constituído uma
rara oportunidade de debater os quatro anos de classificação
mundial, nos seus efeitos, por ter sido mal conduzida, por ter sido
mal organizada, foi uma perda de tempo, um falhanço clamoroso. Até
porque, como se exigia, se pretendesse sair do seu círculo fechado
de auto-análise, antes do evento, teria sido feito um inquérito aos
operadores que trabalham na Alta e Baixa e o seu resultado,
conjuntamente com os presentes no debate, no final, deveria ter sido
objecto de uma conclusão. E foi o que aconteceu, ou algo idêntico?
Claro que não. E não foi assim porquê?
Apesar
da tertúlia ter sido mal conduzido, esta má condução não explica
tudo. Fica sempre no ar a ideia, a suspeição, de que, por parte das
entidades ali representadas, houve uma intenção notória e
deliberada de "vender" um bom desempenho para “inglês ver”.
E que estavam pouco interessados em alterar o “status quo”,
o situacionismo, viciante e viciado que se verifica, sobretudo, na
Baixa da cidade.
Já
que nem foi feito, nem foi apresentado um relatório no Café Santa
Cruz como se exigia, repito, com base num inquérito que realizei
nesse dia a vários comerciantes e industriais de hotelaria a
exercerem na Baixa e juntando algumas especulações minhas, tomo a
liberdade de apresentar algumas conclusões:
NO INQUÉRITO:
- Maioritariamente
afirma-se que nos dois primeiros anos tivemos um turismo mais forte
do ponto de vista económico e financeiro. Isto é, pela sua pujança
financeira, este turismo consumia e adquiria mais bens em relação
aos dois anos subsequentes
- Embora o número
de visitantes aumentasse, de uma forma geral, constata-se que no ano
passado já foi um turismo mais fraco e que gastou menos em relação
ao ano anterior de 2015.
- Seguindo a mesma
linha do ano passado, verifica-se que este ano, embora aumentasse o
número de visitantes em relação a 2016, temos um turismo “low
cost” que consome e adquire cada vez menos.
- Exceptuando a Rua
da Sofia -cujos operadores consideram que esta classificação da
UNESCO nada trouxe para os seus negócios-, a maioria considera que a
distinção universal para a cidade foi boa para transaccionar os
seus produtos.
- Dois operadores
consideram que temos um “turismo viciado” entre o Hotel Astória,
Arco de Almedina e Universidade de Coimbra e o inverso. Ou seja, com
rota previamente indicada pelos guias turísticos, para além de se
estar a ignorar a Baixa no seu todo, com este continuado
procedimento, está-se a prejudicar a denominada baixinha e a Rua da
Sofia
Outro operador
comercial considera que a Universidade, não estando interligada com
todos, parece que, de uma forma egoísta, concorre para fazer
capitalizar as receitas.
- De uma maneira
geral dá para apreender um certo desencanto com o presente e futuro
comercial.
AS
MINHAS EXPECULAÇÕES
Conforme já
escrevi, recorrendo a saca-rolhas, e fazendo um papel de muito parvo
graças a Deus, a muito custo, consegui dizer a cada membro das
entidades representativas o que pensava. Correndo o risco de ser
injusto, para reflexão, vou deixar aqui o que afirmei no Café Santa
Cruz e ao mesmo tempo algumas respostas sumárias que recebi nas
alegações finais:
Comecei por
dizer ao grupo, ao painel, que embora ali aquelas quatro “ilhas”,
Cultura governamental, Universidade, Câmara Municipal e Turismo
Centro, formassem um “arquipélago”, na prática, e pelo que se
vê, são ilhas isoladas, que não interagem e que, estando separadas
por barreiras invisíveis, parecem concorrer entre si. Embora não o referisse lá, Coimbra é também uma cidade de quintas.
A Celeste
Amaro (da Direcção Geral da Cultura Centro):
Apesar do
seu gabinete ser no edifício da 2.ª Esquadra, aqui na Baixa, poucos
operadores conhecem a representante regional do Governo Nacional para
a Cultura.
Respondeu a visada: que, estando o seu gabinete na Baixa
naturalmente que andava por cá. Até porque era funcionária da
Câmara Municipal de Coimbra (CMC) e conhecia muito bem toda a zona
envolvente. O que se passava é que, sendo uma pessoa modesta, não
andava a apregoar que era a Directora Geral da Cultura Centro.
A Clara
Almeida Santos (da Universidade de Coimbra):
Comecei por
dizer que a Universidade de Coimbra (UC), em relação à
classificação mundial e ao turismo, tem uma posição “unbiguista,
egocêntrica” e que, sem se preocupar com o que está mal e
fazer as devidas alterações, apenas defende os seus interesses. De
pouco lhe importa que o turismo em massa seja apenas canalizado em
fila indiana para a Biblioteca Joanina e o resto da cidade seja
apenas paisagem. Em exemplo do que eu afirmava, mostrei uma
entrevista concedida a Luís Menezes, vice-reitor, aquando dos 727
anos de existência da Universidade e noticiada em Abril pelo Diário
de Notícias na rubrica “País Positivo”. Em quatro
páginas, duas de perguntas e respostas, Menezes, responsável pelo
turismo da UC, nem uma única vez referiu o interesse transversal do
turismo para a cidade. Foi um fartote de citações da UC e de toda a
sua riqueza majestática. Nesta entrevista Coimbra é um mero
acessório da UC.
Complementei ainda com um debate recente, ocorrido no Teatro da Cerca, onde este senhor vice-reitor, fez a mesma coisa: ou seja, ser
juiz em causa própria elogiando o trabalho da UC até à exaustão.
Respondeu a visada: que não considerava haver qualquer
“umbiguismo” por parte da UC nesta questão do turismo. Não quer
dizer que estivesse tudo bem mas, pelo aumento continuado de
visitantes, parecia que sim.
A Carina Alves (vereadora da Cultura da CMC):
Olhos-nos-olhos,
disse a esta jovem senhora vereadora da cultura que não se consegue
perceber o silêncio da CMC no encerramentos de dois estabelecimentos
importantíssimos. Ou, por vezes, dizem qualquer coisa mas depois não agem. Há cerca de duas semanas tendo encerrado a
Farmácia Nazareth, com mais de duzentos anos de existência, e a
livraria Casa do Castelo, que já vinha da velha Alta demolida e por
volta de 1920, por que não se ouviu uma simples nota da autarquia em
defesa destes ícones comerciais e históricos? Disse eu ainda que,
como andam apenas preocupados com as eleições de Outubro, até se
entende mas, por mim, esta apatia custa a entender.
Respondeu a visada: Ou melhor: não respondeu. Esta jovem
senhora com a pasta da Cultura da edilidade, como já é habitual,
preferiu fazer de conta que não tinha entendido e, com indiferença,
não respondeu à questão formulada.
Pedro Machado (presidente do Turismo Centro de Portugal)
Comecei por
dizer a este senhor que, no dia anterior lhe tinha escrito uma carta aberta onde denunciava alguns problemas no posto de turismo do Largo
da Portagem e que lha tinha endereçado através da sua página do
Facebook.
Disse ainda que ali, naquele evento, para não ocupar muito mais
tempo, ia apenas debruçar-me sobre os mapas que são distribuídos
no posto de turismo. Depois de abrir um exemplar para todos verem,
mostrei que as cartas dadas aos visitantes têm na página principal,
de 45x33, apenas mencionados os monumentos mais importantes da
cidade, entre muitos a Universidade, o Botânico e o Portugal dos
Pequenitos, e algumas das ruas mais relevantes da cidade. As ruelas
estreitas não constam nesta página. No verso, num pequeno
rectângulo de 15x16, com recurso a lupa, podem ver-se então a
toponímica da baixinha. Acontece ainda que, por faltarem alguns
largos e ruas, está incompleta.
Completei a explanação com a seguinte consideração: estamos
perante uma vil discriminação de uma parte comercial da Baixa
-ressalvei que empreguei o adjectivo “vil” porque foi o que me
ocorreu. Acrescentei ainda que, conhecendo bem os seus pais -que
foram comerciantes na Baixa até há cerca de uma dezena de anos-,
certamente, se eles ainda por cá estivessem a trabalhar, não iam
gostar daquilo que o o posto de turismo está a fazer.
Respondeu o visado: vestindo a capa de político, fazendo-se
passar por vítima de ultraje e desviando a atenção para a
acusação, começou por dizer que não me admitia que a minha
argumentação fosse feita à custa dos seus pais. Acrescentou ainda
que se eu, enquanto homem de negócio, for assim na minha loja serei
um péssimo comerciante.
(Em
vez de lhe perguntar o que tinha a ver o cu com as calças,
respondi-lhe que lhe remetia a mesma argumentação. De salientar
que, por esta sua resposta, foi muito ovacionado pelo público
presente na sala. Como diria o meu avô Crispim: outra coisa não
seria de esperar, não é?)
2 comentários:
Não entendo a lógica disso tudo. A Universidade, que já traz dezenas de milhares de turistas à cidade, ainda por cima tem de ajudar os comerciantes da Baixa, levando lá os turistas a comprar? Que sentido é que isso faz? A Universidade trata bem do seu património, chama gente, e só isso é uma enorme mais valia para a cidade. Que tem a universidade a ver com os lojistas da baixa, ó senhor Luis? Que estava à espera que lhe respondessem? Eu ficaria de boca aberta :)... E vai meter ao barulho os pais do Pedro Machado? Ó valha-me Deus...
RESPOSTA DO EDITOR
Caro anónimo conhecido, não precisa de fazer nenhum desenho para mostrar que não entende. Acredite, nem me surpreende o facto de o caro anónimo não fazer nenhum esforço para compreender. Vivemos numa sociedade umbiguista, ou individualista se preferir, onde o que conta não é a transversalidade económica, a riqueza repartida, mas o caso de enriquecimento isolado. Por isso mesmo, em cultura crescente, se idolatra o sucesso individual e se despreza o insolvente.
É por pensamentos curtos, mesquinhos, como o seu, a lavrar num egoísmo atroz e demolidor, que o interior do país está como está -basta olhar para o que aconteceu em Pedrogão Grande. É pela falta de visão estratégica, é pela carência de política séria, é pela falta de equidade na relação entre cidadãos e instituições -tratando uns como “filhos” e outros como “enteados”- que a Baixa, vendo passar os turistas para a Universidade, está no estado cataclítico em que todos se apercebem mas poucos levantam o dedo acusador. Que os beneficiados façam o jogo do poder, recebendo subsídios públicos à descarada, até se aceita -que remédio?!? Agora vermos o que se está a passar em frente aos nossos olhos e não haver alguém que diga que o “Rei vai nu”, isto sim, custa deveras. O silêncio sepulcral que está instalado não vai dar a bom porto. Não é preciso ser bruxo para adivinhar o que se espera disto tudo: tragédia eminente. Só pode! Vou fazer tudo para não estar cá, mas se estiver, aguardemos para ver.
Quanto à sua forma de ver as coisas -ainda tenho uma réstia de esperança de que esteja a ser irónico e seja mais inteligente do que parece: valha-o Deus, Senhor!
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