Ontem,
pelas 18h00, no Café Santa Cruz, estava anunciada uma
tertúlia/debate para, em balanço, se analisar os efeitos para a
Alta e Baixa da classificação de Património Mundial da Humanidade.
Inserida no programa
“Sons da Cidade”, promovido pela Universidade de Coimbra e que
está a decorrer entre 17 e 24 de Junho, foi uma organização do
Lions Clube de Coimbra e com a colaboração dos Rotários de
Coimbra. Em vez de um debate de ideias saiu uma conversa vazia em
caixa fechada de auto-elogio. Um lamentável espectáculo
anti-democrático patrocinado pela Universidade de Coimbra que, em
modelo continuado que já vem de longe e que todos conhecemos bem, só
pode redundar em divórcio entre as instituições e a sociedade
civil. Foi um execrável exercício de cidadania. Uma vergonha, foi
assim que escrevi a crónica sobre esta tertúlia falhada.
Sendo
os operadores comerciais os mais beneficiados com esta distinção mundial, que
ocorreu em Junho de 2013, fui para a rua ouvir o que significou para
os seus negócios esta declaração pela UNESCO.
Foi boa? Foi assim assim?
Foi má?
A todos, com quem falei,
fiz as mesmas interrogações. Como é de calcular as respostas são
variadas. As perguntas foram:
-O que significou para
o seu negócio a declaração de Coimbra património Mundial da
Humanidade?
-Foi melhor nos dois
primeiros anos? Como foi no ano passado? E este ano?
Comecei
no LARGO DA FREIRIA
“Para o meu
negócio, e sobretudo para a hotelaria em geral, foi muito positivo.
As vendas têm vindo a subir. Antigamente o movimento era entre Julho
e Setembro. Agora, depois da classificação, começa na Páscoa.
Logo a partir desta quadra nota-se muito turismo sénior. Para além
disso, passou a ver-se por aqui muitos visitantes de leste.
Este ano, em jeito
de balanço, está igual ao ano passado. Para mim, o Maio deste ano
foi melhor, mas já o corrente Junho está a ser pior”.
RUA EDUARDO COELHO
Célia
Neto, responsável pela sapataria “Hush Puppies” declarou
o seguinte:
“Certamente
resultado da classificação, os dois primeiros anos foram muito
bons. No ano passado já foi fraco. Este ano está a ser péssimo. Os
turistas entram e vêem mas acham tudo caro. Este ano, desde Janeiro
para cá, o negócio tem vindo sempre a cair”.
Modas Veiga. Falou Francisco Veiga:
“Para o meu
estabelecimento, a classificação não trouxe nada de acrescento em
termos de vendas. Para a cidade, pelo grande aumento de visitantes,
foi muito bom sobretudo para a hotelaria. Na minha loja, ou no meu
ramo, não compram nada. Este ano o meu negócio está mais ou menos
igual ao ano passado. Embora, como disse, é feito com portugueses”.
Casa
das recordações. Elisabete Cravo disse o seguinte:
“O
turismo para a cidade, no geral, foi muito bom. Para o meu negócio
foi bom nos dois primeiros anos. No ano passado já foi pior. Este
ano está a ser fraquíssimo. Este ano está muito mau. Os turistas
oferecem metade do valor pedido. Eles não têm dinheiro para gastar
em recordações. Adquirem o mais barato possível”.
PRAÇA DO COMÉRCIO
Uma loja de artigos de
“souvenir”. Pediu o anonimato:
“A classificação
de Património Mundial foi boa para a cidade. No geral, trouxe mais
turismo. Os dois primeiros anos foram melhores. O negócio no ano
passado foi relativo. Este ano há muito turismo mas gastam muito
menos nesta zona da baixinha. Os guias turísticos não trazem os
visitantes para aqui. O maior volume de transacções são feitas
entre o Largo da Portagem, Arco de Almedina e Universidade. Sinto-me
muito prejudicada. Já assisti várias vezes aos grupos quererem
descer as Escadas de Santiago e a serem imediatamente desviados para
o Largo da Portagem”.
Restaurante Praça Velha.
Falou o Victor Silva:
“A classificação
foi boa para a cidade. Passámos a ter muito mais turismo na época
baixa, que não havia. Este ano, em relação ao ano transacto, está
mais fraco. As pessoas procuram o barato. E outras nem procuram. Se
calhar nem comem. Este ano está pior, embora, saliento, ainda é
cedo para fazer o balanço”.
LARGO DA PORTAGEM
Café Toledo. Manuel
Marques contou assim:
“A classificação
para a cidade foi boa, mas relativamente. Quero dizer que o turismo
que temos é muito pobre. É um turismo que gasta pouco. É um
turismo arrebanhado (de pastores) com a bandeira ao alto, mas sempre
a andar. Este ano está fraco. Mas já no ano passado foi igual.
Temos um turismo de meio-dia. Param o autocarro junto ao Hotel
Astória e desaparecem rumo à Universidade. Quase sem tempo, mal
páram para beber um café. É muita parra e pouca uva.
Há de facto muita gente mas não consomem nada ou pouca coisa. Não
é um turismo que interesse muito à Baixa.”
RUA FERREIRA BORGES
Casa Malabar. Fala Isabel
Silva:
“A declaração
universal feita pela UNESCO, para o meu negócio, não significou
nada. Há muita gente. É tudo com dinheiro contado. Gastam pouco. Em
minha opinião, eles nem sabem que Coimbra foi classificada como
património mundial. É um turismo fraco, e nem se esforçam para
falar português. Nós temos de falar várias línguas, eles não.
Este ano o meu
negócio está melhor do que no ano passado -também é certo que
tenho mais uma loja. Já são oito. Quero dizer que, naturalmente,
pelo maior número de estabelecimentos, tenho de vender mais. Digamos
que subiu um bocadinho. Mas podia ser bem melhor se a Câmara
Municipal não estivesse a fomentar o “saco azul”. Ou seja, ao
patrocinar cada vez mais feiras sem que os vendedores paguem alguma
coisa, está a prejudicar o meu negócio. Quer dizer, eu faço aqui
uma qualquer venda tenho de dar um talão de caixa e quem vende na
rua não dá uma prova de pagamento? Estará certo o que a autarquia
está a fazer?”
Ourivesaria Costa. Falou
José da Costa.
“Acho que esta
declaração universal foi muito boa para a cidade. O turismo subiu
brutalmente. Sinto nas ruas um estado de alegria constante. Vejo
passar muita gente com sacos com o logótipo da Universidade. Pode
nem haver muita diferença no meu negócio mas existe. Ao ver passar
gente na rua, sinto-me outro. O turismo tem vindo a decrescer nas
compras. Este ano sinto uma ligeira melhoria. Em relação ao ano
passado, a diferença é pequena. Talvez seja mais uma questão
psicológica, pela satisfação de estar aqui. Antes da
classificação, eu tinha dias em que, pelo pouco movimento de
pessoas, sentia muita tristeza. Agora sinto um certo estado de
excitação pelo facto de estar aqui. Do alto dos meus 85 anos, estou
muito satisfeito com esta distinção que a cidade recebeu. Há mais
gente a passar na Baixa, embora, tenho de dizer, não seja muito
expressivo nos números de caixa.”
Loja de recordações “Coimbra na bagagem”. Fala Tânia Pinto:
“Para a cidade, no geral, foi muito boa esta distinção. Nos
dois primeiros anos, após a classificação, não tivemos grande
variação nas vendas. Este ano está igual ao ano passado. Na
comparação com os dois primeiros achamos que temos vindo a
melhorar.
A Universidade
devia estar mais interligada connosco. Isto é, devia estar do lado
de todos os operadores e não está. Parece que nos quer fazer
concorrência.”
Papelaria Cristal. Fala José Reis:
“O negócio na
minha loja nos primeiros dois anos foram fracos. No ano passado foi
assim assim. Este ano está melhor.”
RUA
VISCONDE DA LUZ
Pronto-a-vestir Estrela Verde. Fala Américo Oliveira:
“Este ano, noto que há muitos estrangeiros. Alguns compram,
outros não. No que adquirem é essencialmente artigos em promoção.
Este ano, comercialmente, é o pior. É para esquecer. No ano passado
já foi fraco, mas este ano... é mesmo para esquecer!”
PRAÇA
8 DE MAIO
Pronto-a-vestir Sansão. Fala Horácio Mendes:
“No conjunto dos quatro anos, em termos de negócio, não foi
bom. Há muitas queixas de quem nos visita a lamentar as obras em
todos os sítios. E também que não há estacionamento gratuito.
Em termos de negócio, este ano está muito pior do que no ano
passado. Em 47 anos de actividade comercial nunca vi uma coisa assim.
E, parece-me, está para acentuar. Estou na Praça 8 de Maio há 65
anos. Tenho 80 anos. Tenho dois empregados que já estão reformados,
mas continuo a a pagar a sua Segurança Social. Não consigo ter
lucro. Não vale a pena continuar.”
RUA
DA SOFIA
Tabacaria Estrelinha da Sorte. Fala Luísa Braga:
“Com a classificação não notámos nada nas vendas. Muito
menos gente. Está cada vez a fazer-se pior negócio. Este ano,
então, está muito fraco. Agora, há certas partes do dia sem gente.
Nunca me aconteceu. Chego a estar duas horas sem ninguém. A Rua da
Sofia, por ter sido classificada ainda veio prejudicar mais. As
igrejas continuam fechadas. Sinto-me muito desanimada. Chego aqui às
06h00 e encerro às 20h00... Para quê?”
Café Sofia. Fala Aguinalda (Guida) Simões Amaro:
“Em termos de negócio para a Rua da Sofia, esta
classificação não trouxe nada. A Rua da Sofia continua vazia. Ao
longo destes quatro anos vi passar três ou quatro grupos de turistas
com guias, mas nunca páram.
Este ano o negócio está muito pior que no ano passado. Estou
muito desanimada com tudo isto. Esta rua tem um potencial bruto e
ninguém liga. Só tem uma igreja aberta. As políticas respeitantes
ao turismo estão a prejudicar a Rua da Sofia.”
Pronto-a-vestir Sofimoda. Fala Arménio Pratas:
“No ano de 2013 (ano da classificação pela UNESCO) o
negócio foi relativo. A partir daí foi sempre a cair. Este ano de
2017 é o pior de sempre. Estou a entrar numa curva que não sei onde
vou bater. O turismo não chega à Rua da Sofia. Após quatro anos de
classificação como Património Mundial da Humanidade os monumentos
continuam fechados. Os turistas isolados -como está tudo encerrado-
passam aqui como cão em vinha vindimada.”
E
encerra-se aqui este longo inquérito aos representantes de várias
actividades cujo turismo é nuclear para a sua sobrevivência. As
declarações, “ipsis verbis”, são as que foram
proferidas e ficam para quem lhe entender dar tratamento adequado. A
ideia foi, com estes depoimentos, poder contribuir de algum modo para
a análise de quatro anos de classificação. Aos comerciantes e
hoteleiros, que fizeram o favor de me aturar, o meu muito obrigado.
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