Na
última quarta-feira, com organização do Lions Clube de
Coimbra e com a colaboração dos Rotários de Coimbra, por volta das
18h00, realizou-se uma tertúlia no Café Santa Cruz para, em
balanço, debater os quatro anos da declaração de Património
Mundial da Alta/Sofia.
Na mesa de painel esteve
Celeste Amaro, a representar a Direcção Geral da Cultura, Clara
Almeida Santos, pela Universidade de Coimbra, Carina Alves, vereadora
da Câmara Municipal de Coimbra (CMC) com o pelouro da cultura, e
Pedro Machado, presidente do Turismo Centro de Portugal. Todos
doutores, obviamente e como manda a cartilha.
Com
a sala do vetusto café repleta por interessados cuja maioria era
constituída por membros do Lions e dos Rotários, o moderador,
Hélder Rodrigues, com um elogio aos oradores, convidados especiais e
à Universidade de Coimbra, dizendo que a palavra seria dada
primeiramente à mesa, aos convidados especiais e depois à
assistência, a quem quisesse falar, entre sorrisos de pivot
que tentava concentrar toda a atenção, deu início à cerimónia.
Como é normal em eventos
sérios deste género de debate, a primeira hora é dedicada ao
painel, em que cada um, depois de interpelado por um moderador, vai
discursando em defesa do lugar que ocupa e das medidas que tomou, e a
segunda hora é para o público assistente que, inscrevendo-se por
ordem, através de braço no ar, vai colocando as suas questões a
cada um dos representados ou a todos em conjunto.
Esta
primeira hora de explanação passou depressa com os ilustres
mandatários a exporem e a justificarem o seu trabalho à frente das
entidades a que eram adstritos e responsáveis máximos. Ainda que
envoltos num manto de largo espectro de divindade, aparentemente,
pela simplicidade como se apresentavam, o ambiente era leve como uma
pluma e prometia uma troca de ideias em família sem grandes
constrangimentos.
Veio
a segunda hora. O público atento, minado pela ansiedade à espera de
intervir, começou a agitar-se. Na sala começou a ver-se braços
no ar erguidos ao Céu. Aparentemente sem notar o que se estava a
passar, o moderador, como um jogador de futebol a driblar no
meio-campo, manobrava e prendia a conversa entre os membros da
painel. Vieram as 19h05 e, com um enaltecimento, o moderador entregou
o microfone ao médico Fernando Regateiro, presidente do Centro
Hospitalar de Coimbra, que se encontrava sentado na primeira fila da
assistência e que fazia parte dos quatro “convidados especiais”
a que aludira Hélder Rodrigues na apresentação inicial. Tudo
indicava que, finalmente, a palavra iria passar para quem assistia.
Regateiro, professor universitário mas que conhece bem os problemas
da cidade, fez uma boa intervenção, curta e concisa: “será
que Coimbra está a capitalizar a classificação com que foi
contemplada?”, interrogou. As pessoas que queriam intervir
suspiraram e mais uma vez ergueram o braço. “Será que é
desta que vamos tomar a palavra?”, pareciam perguntar em
silêncio. Como se o moderador tivesse percebido e estivesse ali para
contrariar, mais uma vez com teatralização e a demorar demasiado
tempo na explanação das perguntas, elencando os problemas de
Coimbra, passou a palavra a José Manuel Silva, ex-bastonário da
Ordem dos Médicos e candidato às eleições para a CMC em Outubro.
Silva, que não deixa créditos por mãos alheias, durante cerca de
quinze minutos, como se estivesse em campanha, espalhando ali a sua
carta de princípios, foi dizendo que há duas Coimbras com algum
conflito entre si, sendo uma cidade de tricas e que nem sempre
conviveu bem, e que faz com que, numa psicose maníaco-depressiva
ainda não aprendeu a conviver pacificamente. Ao meu lado, uma
velhinha comentou em surdina: “porque está cá este
candidato e não os outros?”.
Com
o relógio a marcar 19h35, já desesperadas e com pouca fé de
tomarem a palavra, uma ou outra pessoa, sem reclamar porque,
valha-nos Deus, parecia mal, lá levantava o braço para passados
minutos, cansada, o baixar. Comigo acontecia o mesmo: ora o
levantava, ora o baixava. Eu fora ali com o intuito de,
olhos-nos-olhos, interpelar o painel e sobretudo Pedro Machado, o dirigente do
Turismo do Centro de Portugal. Começou a germinar em mim uma enorme
revolta contra a o que estava a acontecer ali. Prometi a mim mesmo
erguer o braço e não mais o baixar até que me fosse dada a
palavra. Alheio ao meu teimoso gesto, mais uma vez com um “muito
obrigado senhor doutor”, agradecendo a José Manuel Silva,
pegando novamente no micro o moderador passou para Fernanda Cravidão,
professora universitária. Durante cerca de um quarto-de-hora esta
doutora, docente de letras, fez uma viagem pelos efeitos que o
turismo estava a causar na cidade. Disse, nomeadamente, que com a
distinção da UNESCO é preciso pensar a cidade. Que as viagens
organizadas começam na rua larga, vão à Universidade e duas horas
depois vão embora. Terminou com a frase: o turista é da
cidade mas a cidade também é do turista”.
Faltava
intervir a estrela polar da cidade: Miguel Júdice, advogado e dono
da Quinta das Lágrimas. Hélder Rodrigues, o moderador,
estendendo-lhe a passadeira vermelha de louvação, cheio de sorrisos
rasgados perante o causídico que, disse, é um cidadão do mundo,
que veio de Lisboa de propósito para estar ali. E entregou o micro a
Júdice. Contrariando o moderador, Júdice afirmou que não era um
cidadão do mundo mas sim um emigrante. E todos os emigrantes gostam da
sua pátria e o que é que fazem? Todo o dinheirinho que ganham
investem-no na terra onde nasceram. E que gostava mais da crítica
frontal do que do elogio. Enquanto micro-pequeno empresário teve
sempre uma excelente colaboração com as quatro entidades ali
representadas, Podia garantir que há muitos anos que isso acontecia,
disse. Este “convidado especial”, falou de Coimbra, falou,
falou e voltou a falar. E sem que o gestor dos tempos de antena
tivesse um gesto para lhe fazer encurtar o discurso. Disse ainda
Miguel que não sabia o que era o Centro. “O Centro? Que é isso de
Centro?” E terminou com a frase: “Desculpem eu ser
desmancha-prazeres: eu acho que se está a trabalhar bem. Desculpem
lá! É a minha forma provocatória de ver as coisas”. E o povo
presente bateu muitas palmas, tantas que até ali ao lado, na igreja,
Dom Afonso Henriques estremeceu com tanta lamechice. Apesar do tempo
escassear, ainda houve tempo para o moderador lhe atirar que andaram
os dois na mesma escola. E o dono da quinta das Lágrimas a dizer que
era mais velho do que Hélder.
E
eram praticamente 20h00, e sem que alguém da assistência desse uma
palavra. Indiferente ao meu braço no ar e ao desejo de outros se
exprimirem, o moderador, em acto de contrição, tentando mostrar a
sua mais humilde mea-culpa, atirou: “bem, meus
amigos, isto está a acabar! Eu tenho imensa pena!...”
Foi então que me insurgi
com que estava a acontecer ali. Seguindo o meu exemplo mais duas
pessoas pediram a palavra.
É PRECISO DIZER:
BASTA!
O
que se passou no Café Santa Cruz, no fundo, no fundo, para mim não
foi uma completa surpresa. Estes eventos começaram em Maio de 2012,
no restaurante “Be Fado”. A seguir no Café Santa Cruz. E repetiu. Depois no restaurante “A Brasileira”. Foi uma vaga de tertúlias patrocinadas pelo Lions
Clube de Coimbra e com Hélder Rodrigues como moderador. Surgiram
como cogumelos em terra fértil. Foram sempre em circuito fechado. Eram as tertúlias de Coimbra. Deu para ficar (en)tertulia(do).
Talvez porque foram sempre encontros dirigidos a uma elite, a
sociedade civil nunca aderiu as estas iniciativas Nessa altura, em
2012, escrevi assim: “a pretensa “tertúlia” de ontem,
sem pretender ofender alguém, foi algo de timorato. Foi uma feira de
vaidades já recorrente nestes encontros do Lions Clube de Coimbra,
onde a bajulice pindérica impera. De tertúlia teve pouco e muito
menos debate com o público assistente. Curioso verificar que se
esteve presente em face de um paradigma de uma “certa outra cidade
elitista” e separada dos “futricas”.
Chegou a recomeçar a iniciativa em 2013 mas foi sol de pouca dura.
Em
todos estes encontros a que assisti, foi um esparramar de melaço
onde o elogio fácil e barato aos “doutores”
foi uma constante. Era como se estas tertúlias fossem um modelo de
serventualismo
do regime, uma bajulação de egos, um certo espírito coimbrinha
que tanto se fala em exorcizar, mas que ali, num renascimento
incomodativo de lesa-cidadania, teimava em vir ao de cimo.
Tal
como aconteceu nesta tertúlia do Café Santa Cruz, em todos estes
eventos o moderador Hélder Rodrigues funcionou sempre ao sabor da
maré. Isto é, sem organização, sem gestão de uma parcela de
tempo destinada aos oradores e outra ao público presente. Houve
sempre complacência para o senhor doutor e muita exigência para o
futrica.
(Graças ao serviço público prestado por Fernando Moura, no site Notícias de Coimbra, pode visionar aqui tudo o que se passou no Café Santa Cruz. Clique aqui em cima)
(Graças ao serviço público prestado por Fernando Moura, no site Notícias de Coimbra, pode visionar aqui tudo o que se passou no Café Santa Cruz. Clique aqui em cima)
E
A UNIVERSIDADE PATROCINA ISTO?
O
que se lamenta é que a Universidade de Coimbra, num amadorismo que
não se entende, dê cobertura a um evento que deveria ser bem
organizado e decorrer, por exemplo, no Salão Nobre da Câmara
Municipal de Coimbra. O que assisti foi a uma coisa desqualificada,
sem jeito, comezinha.
Quem
mais saem prejudicadas são as entidades ali representadas. Não se
pense que o munícipe se importa com alguma coisa. Há muito tempo
que o cidadão foge destas palhaçadas como o diabo da cruz. Não
participa porque, por um lado, não percebe o que ali se diz e, por
outro, não quer ser humilhado.
Para
quem esteve no Café Santa Cruz, deu impressão que havia ali um
acordo tácito entre o painel e o moderador para que não houvesse
interpelação por parte da assistência -confesso que, no imediato,
foi esta a minha interpretação. Pensei que aqueles representantes
estavam ali para debitar opiniões sem quererem ser questionados e
contestados pelo cidadão-comum. Depois, tendo em conta o
antecedente, cheguei à conclusão de que a pretensa construção da
barreira invisível de protecção foi somente o resultado de um evento medíocre e
sem ordem organizativa. Mas, mesmo assim aos meus olhos, não deixou
de representar uma vergonha. A Universidade de Coimbra, mesmo por
omissão, enquanto centro de universalidade, não pode contribuir
ainda mais para o aumento de um divórcio litigioso entre a sociedade civil e
as instituições.
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