A
histórica Casa do Castelo - Editora, na Rua da Sofia, mais que certo fechou hoje.
Depois de ter encerrado a Livraria 115, na Praça 8 de Maio, em 2012,
vai agora o que resta da sociedade: o armazém na Palheira e a loja
na Rua da Moeda, esta dedicada a artigos mais virados para “o
faça você mesmo”, em bricolage, tintas e pincéis para artes
decorativas. Ou seja, dois estabelecimentos vão desaparecer na
Baixa e outro armazém na periferia. Falei na sexta-feira com um responsável ligado a esta antiga livraria de Coimbra que me disse que encerrariam por estes dias. Hoje, segunda-feira, estava encerrada. Conclui que o processo já está em curso. Mas pode acontecer não ser assim e ainda abrir temporariamente durante mais alguns dias próximos. O que sei, pelo que me foi dito, é que o fecho deste popular estabelecimento é irreversível.
Diz quem sabe, que esta
reconhecida empresa situada na Baixa da cidade chegou a ter 21
funcionários, e a facturar um milhão de euros por mês. O que
aconteceu? Poderá ser uma das interrogativas? Uma vez que são
vários os factores que contribuíram para o seu declínio, correndo
o risco de estar a ser injusto, apontava apenas alguns: a queda do
livro, enquanto instrumento de conhecimento através da leitura em
papel; a selva em que se transformou este mercado, por um lado, com
as grandes editoras a centralizarem a distribuição, por outro, com
o livro a ser vendido em qualquer lugar; e por outro ainda, a
desertificação do Centro Histórico, com uma procura muito
residual, e as políticas de abandono que se verificam por parte da
Câmara Municipal para com o comércio local, sobretudo a partir de
1995.
E
A FEIRA CULTURAL É UM ESTRONDOSO ÊXITO...
Entretanto
nos jornais locais e nacionais lemos que a edição deste ano da
Feira Cultural de Coimbra, sucessora da Feira do Livro, que encerrou
hoje depois de dez dias em actividade, foi um sucesso gigantesco.
Citando o Diário de Notícias, “do programa do
certame destaque também, designadamente, para o evento '24 horas
culturais', em 09 e 10 de junho, evento que leva ao Parque Verde
"manifestações culturais e recreativas ininterruptas",
durante o qual terá lugar a iniciativa 'Acampar com histórias',
organizada em colaboração com a Associação Portuguesa de Editores
e Livreiros (APEL). (…) "Projeto pluridisciplinar que a Câmara
Municipal de Coimbra criou para todos, reflexo de uma política
cultural integradora e diversificada, expressa no cruzamento de áreas
que vão desde a literatura, ao artesanato, à gastronomia, à
música, às artes plásticas, à cultura e criatividade e à
animação", a Feira Cultural de Coimbra conta, este ano, com
196 representações, equivalentes a mais 19 instituições do que no
ano passado e mais 38 do que em 2015, sublinha a autarquia.
(…)
A área do livro foi uma das
que mais cresceu" entre 2016 e este ano (aumentou de 51 para 57
representações), respondendo assim ao principal objetivo do evento
que é "valorizar o livro e a leitura", sublinhou Manuel
Machado, referindo que a gastronomia e o artesanato também
aumentam as suas representações. "Ainda há quem pense que
Coimbra não é uma cidade cosmopolita", afirmou o presidente da
Câmara, considerando que o modelo adotado pela autarquia, há três
anos, e a resposta de operadores, de agentes culturais e da população
em geral contraria aquela ideia, que é errada. (…) Para a edição
deste ano, a Câmara de Coimbra investe cerca de 170 mil euros, mais
perto de 40 mil euros que o ano passado.
MAS
A FEIRA É MESMO UM SUCESSO? PARA QUEM?
O
que os jornais não dizem é que esta alegoria, do ponto de vista
económico, é um desastre e não traz nada de bom para Baixa. Pelo
contrário ao apregoado aos sete ventos de andarilho, prejudica a
maioria dos operadores que por cá, durante o ano inteiro, lutam para
sobreviver. O que os meios de informação noticiosos não escrevem é
que este certame é o paradigma do tiro-no-pé. Que à custa do
erário público está-se a fazer a festa, a deitar os foguetes e a
deixar a apanha das canas para os contribuintes. É pura gestão
danosa -no sentido de que, uma vez que não há retorno no
investimento, tendo por objecto o festivaleiro vazio, provoca dano
nas públicas finanças locais. Ficou confuso? Vou explicar melhor:
Do
total de 196 expositores, uns do concelho e outros de várias partes
do país, nenhum deles pagou um cêntimo para vender os seus produtos
em Coimbra. E mais: quem se deslocou a mais de 60 quilómetros da
cidade para estar presente, alegadamente, pelos serviços camarários
foi-lhe pago alojamento.
Já está aperceber
melhor? Então vou continuar. Isto é, gastando 174 mil euros à
custa do dinheiro que é de todos, a Câmara Municipal de Coimbra
pagou a forasteiros para vir vender na nossa terra sem levar em conta
que há muitos comerciantes dos ramos ali representados que se fossem
convidados a preencher os lugares, mais que certo, estariam
presentes. Acontece que, tanto quanto julgo saber, os convites aos
locais foram poucos e direccionados apenas a alguns. Por conseguinte,
com uma lógica completamente virada para encher o olho da populaça,
sem olhar a custos, está-se a promover a concorrência desleal e
selvagem a todos quantos, estabelecidos com lojas ou “vendedores
ambulantes”, exercem a sua actividade comercial -e até
industrial.
O
QUE É DADO NÃO É AGRADECIDO
O
que é mais estranho, ou nem tanto, é que, sendo tudo gratuito, quem
esteve a vender deveria estar muito satisfeito. E ficaram? Claro que
não, por que, diz o povo, o que é oferecido sem esforço de
merecimento é sempre pouco e não é agradecido.
Quem
leu o Diário de Coimbra (DC) de ontem e o Diário as Beiras (DB) de
hoje recebe uma surpresa. No DC, referindo uma banca de Seia, que
“vende sandes de presunto entre outras iguarias para
confortar o estômago até ao almoço”, “foi um
pouco mais caldo do que no ano passado (…) dando a entender uma
menor afluência de visitantes à feira deste ano.”
Prosseguindo com o DC em
outras declarações de vendedores, “No que toca à
organização, elogia a distribuição de espaços de restauração
ao longo do parque e, numa próxima edição, sugere a criação de
sombras para os stands que não beneficiam da natural sombra das
árvores.”
Outro expositor vindo de
Castelo Branco desabafou o seguinte: “lamenta não ter
conseguido montar a sua esplanada e teve o azar de ver a sua
“barraquinha” escondida por outras. A fazer contas à vida,
dificilmente regressará para o ano.”
Passando
para a página 7 do DB, encimada com a declaração “Mais uma
vez uma edição de sucesso”, diz a vereadora”, entre
vários, podemos ler um comentário de um alfarrabista de Braga:
“Achei a feira fraquita e ficou aquém das expectativas.
Muito público, mas poucas vendas. Isto promete, estava bem
organizado, tirando o facto de a luz estar sempre a ir abaixo.”
Outra crítica de um
senhora vendedora de artesanato, vinda de Viana do Castelo, “Já
venho desde a primeira edição da feira. Este ano, acho que está
pior do que o ano passado. A feira foi um bocadinho adiantada no
tempo, o que terá afastado algumas pessoas. Noto que há menor poder
de compra, pelo menos entre os visitantes portugueses.“
TANTO,
TANTO SUCESSO, DIZ VEREADORA
Continuando
a citar o DB, “Para Carina Gomes, vereadora da Cultura da
Câmara Municipal de Coimbra, esta “é mais uma vez uma edição de
sucesso. Estamos na 4.ª edição da Feira Cultural e creio que a
satisfação de expositores e visitantes tem vindo a aumentar ao
longo das edições”. A responsável lembra que esta “foi uma
aposta que assumimos, de transformar a velha Feira do Livro, que
entendemos estava a definhar e não tinha condições para continuar.
Decidimos implementar este novo modelo, que é uma feira
pluridisciplinar, com vários atractivos”. Estamos perfeitamente
convictos que este é o modelo certo, que tem vindo a funcionar cada
vez melhor em Coimbra”, acrescenta.”
COIMBRA,
A PRIMEIRA CAPITAL
Já
escrevi muito sobre este assunto. Tenho para mim que há actividades
fixas e ambulantes, sobretudo ramos e profissões em desaparecimento,
que devem (com urgência) merecer uma atenção especial por parte do
Governo. São ícones de uma cidade. No caso de lojas antigas, deveria levar-se à prática uma
ideia do fim dos anos de 1980 que era a protecção do
“estabelecimento de tradição”. No caso de vendedores de
feiras, como é o caso de algum artesanato -não todo, não se pode
generalizar-, a mesma coisa. Mas há um detalhe importante: esta
classificação deve ser rigorosa e feita por uma independente
entidade pública sediada em Lisboa. Isto para evitar o habitual
olhar enviesado local. Às autarquias apenas deveria calhar o papel
de parceiro interessado, mediador na ajuda, e proporem a
classificação. Tomando a não discriminação, para os
contemplados, como direito, haveria subsídio através do IEFP,
Instituto de Emprego e Formação Profissional, como obrigação, no
caso dos criadores de artigos feitos à mão, deveriam estar
obrigados a representar um determinado número de certames no país,
no caso de estabelecimentos imóveis, para além de obrigatoriamente
se manterem abertos, deveriam ter acoplado a prestação pública ao
serviço da cidade, vila ou aldeia.
MAS
A CÂMARA DE COIMBRA NÃO ESTÁ A ANTECIPAR-SE?
Já
todos sabemos que, certamente pela vigília da Universidade, a Lusa
Atenas anda sempre à frente. Porém, sempre mal. Num certo
chico-espertismo, sem levar em conta que para beneficiar uma
minoria prejudica a maioria. Por exemplo, no caso de “estabelecimento
com tradição”, tanto quanto julgo saber, já há pelo menos
um contemplado -sublinho que, pelo bom trabalho, merece a distinção.
O mal até nem viria ao mundo se tudo fosse feito às claras. O
problema é que não é. É tudo feito no segredo dos deuses e por
simpatias políticas. E, é claro, para quem sabe de certas coisas e
pensa, dá um certo enjoo, uma certa repulsa. É certo também que há
outros que recebem às claras, mas destes, já que serão objecto de
fiscalização pela oposição no executivo, pouco há a dizer ou a
remediar. É o já que está (mesmo mal), e já que está, deixa
estar!
Portanto, voltando à Feira Cultural de Coimbra, se for levado como certo o que escrevi, a Câmara Municipal de
Coimbra (CMC), ao pagar alojamento a quem vem de longe, sobretudo no
artesanato, e dar-lhe espaço para vender os produtos gratuitamente
na cidade, no fundo, está antecipar-se ao Governo, isto é,
aparentemente, está a fazer o que deveria ser política
governamental. Certo? Não, errado. Uma edilidade é sempre de âmbito
concelhio, local, e não nacional. Uma autarquia, através de
políticas económicas ou sociais, não se pode nunca substituir ao
Governo. Por que se o fizer, como é o caso em análise, corre
facilmente o risco de discriminar negativamente os autóctones. Cada
macaco em seu galho. Repare-se que se fizesse uma feira direccionada aos
produtores e comerciantes do concelho ainda vá que não vá -embora,
repito, um espaço público onde se faz negócio não deve ser nunca
gratuito.
E
de tal maneira é assim que, por exemplo, os “vendedores
ambulantes” (fixos) estabelecidos na Praça do Comércio, com uma
licença provisória, pagam cerca de 12 euros por mês para ali
permanecerem a tentar vender alguma coisa -é também certo que, pelo
abandono a que estiveram votados nos últimos 16 anos, aos poucos vão
desaparecendo e, digo eu, muitos deles já nem pagarão. E a CMC, nas
gentes que a comanda, que nem serão maus de todo completamente, e
sabendo que dando a mão aos infelizes terão sempre um lugar no Céu,
sabem e sentem que cobrar àquelas pessoas a laborar em condições
miseráveis é uma tremenda injustiça, digo eu outra vez, vão
fazendo de conta que tudo está bem.
E a corroborar o meu argumento de que na Baixa, para estabelecimentos fixos, se procede de modo diferenciado, no ano passado os hoteleiros com espaço público ocupado com esplanadas, até ali gratuito, sem aviso prévio, foram intimados a pagar balúrdios.
E a corroborar o meu argumento de que na Baixa, para estabelecimentos fixos, se procede de modo diferenciado, no ano passado os hoteleiros com espaço público ocupado com esplanadas, até ali gratuito, sem aviso prévio, foram intimados a pagar balúrdios.
Já
com os lojistas comerciais -por que, seguindo a doutrina marxista-leninista,
representam o Grande Capital- o procedimento segue a mesma bitola da hotelaria. Estes, numa espécie de saco de boxe, sem levar em conta que a maioria está falida, têm de pagar tudo com língua de palmo -que é para poder
distribuir pelos outros. Alguém tem de ser sacrificado neste mundo
de loucos.
COIMBRA,
CAPITAL DO EXTERMÍNIO DO COMÉRCIO LOCAL
Certamente
que nenhum expositor que se queira instalar na Feira de Cantanhede
estará à espera de ser à borla. Quem vende em feiras de velharias
em todo o país, sabe muito bem que os espaços cedidos são pagos. E
bem pagos, por exemplo em Aveiro os preços, consoante a área
ocupada, podem ultrapassar os 200 euros.
Então,
seguindo este raciocínio, por que raio é que em Coimbra, com três
certames mensais, nada se paga?
Por
que é que, mensalmente, se realiza uma Feira de Artesanato Urbano
numa rua onde proliferam lojas deste ramo com rendas elevadíssimas
e os que vendem na via pública ninguém paga um cêntimo? Porquê? A
propósito, fez algum sentido ontem realizar esta feira com outra a
decorrer a escassa centena de metros, no parque da cidade? Claro que as respostas já as dei em
cima: a edilidade está a espalhar o bem... olhando a quem. Ou seja,
num egoísmo exacerbado, fazendo a festa aproveitando-se da
fragilidade dos operadores e à custa de dinheiros
públicos, procurando as palmas dos eleitores, sem pudor em humilhar
os que cá trabalham, sem escrúpulos nem mágoa, vai destruindo o
tecido económico da Baixa.
Escrevi tanto que até me
esqueci: o que tem tudo isto a ver com o encerramento da Casa do
Castelo - Editora?
1 comentário:
Infelizmente é mais um caso entre tantos em Coimbra. Enquanto noutros locais como Lisboa, Porto, Aveiro, etc., se aposta em revitalizar as zonas históricas em vista ao turismo, aqui em Coimbra é isto... uma lenta agonia. Será que a autarquia não terá noção que sobretudo para os turistas importa o pitoresco, pois Fóruns e Centros Comerciais também eles têm nos seus países e não é isso que eles buscam no turismo. Portugal pode-se orgulhar de ter muito para mostrar e Coimbra não é excepção, tem património, cultura e particularidades próprias, mas deixar a baixa morrer é uma asneira descomunal. Eu bem vejo a cara triste de alguns turistas ao verem os prédios devolutos e as lojas fechadas. E já troquei impressões com vários que se dizem espantados por verem assim locais históricos e sobretudo «património da humanidade»... enfim... depois é triste é ouvir-se dos turistas que nas suas terras apesar de haver casos idênticos, mas existe esforço real de manter esses locais para apelar ao turismo! Se existe esta mania em Portugal de que o que é de fora é que é bom, ó pá... imitem os camones nisso!!!
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