Depois
das profundas obras de requalificação, hoje fiz uma visita demorada
ao novo Terreiro da Erva. A intenção examinadora não era apenas
conseguir avaliar as modificações que o restauro
acrescentou a um espaço profundamente degradado no coração da
cidade. Era também tentar entrar no âmago do largo, apreender uma
hipotética leitura que sai de dentro do chão e do casario em redor,
penetrar no seu “espírito” da mesma forma que, pausadamente, se
olha uma pintura antiga sobre diversos ângulos e se adivinham
recortes que a maioria não vê, ou, com o mesmo sentimento, se
degusta um bom vinho, sentado, no silêncio de uma sala carregada com
história.
Como
bom cidadão coloquei de lado o facto de não ter sido convidado pelo
meu colega Manuel Machado, presidente da Câmara Municipal de
Coimbra, para o corte da fita -se é que já foi. Afinal, um bom
munícipe não deve guardar rancores avulsos ou ressabiamentos
prostáticos. Por isso mesmo, como ressalva, declaro já que não vou
escrever mal, gratuitamente, apenas só por dizer. Escreverei o que
penso.
Caminhei
pela Rua Direita. Erecta sobre o Céu e a mostrar que as forças
políticas estão atentas às próximas eleições autárquicas, como
“big sentinel” a vigiar os meus movimentos estava a enorme
grua que ontem foi inaugurada por um elemento governamental.
Entrei
no vetusto espaço agora com solas novas, como quem diz com o
chão todo bem-atapetado, e fiz analogia com um provável último
“lifting” de Lili Caneças, recentemente mandado realizar
no maior cirurgião plástico lisboeta. Isto é, a pele do rosto está
esticadinha mas as orelhas e o pescoço, pelas engelhas umas
em cima das outras, conservam o peso do tempo.
No moderno Terreiro da
Erva o chão está magnífico com a mistura geométrica entre a
calçada portuguesa e a pedra branca calcária. O problema é a
envolvente de degradação que nos invade ao pisar a primeira laje.
Bem sei que, sendo prédios de propriedade particular, pouco se poderá
fazer mas, mesmo assim, na pouquíssima manobra, alguma coisa terá
de se inventar para alterar a decrepitude que nos fere e toma de
assalto. Sei lá, nem que, com autorização dos donos dos edifícios,
se recorra a pinturas murais, vulgo grafites. Assim carregado de
escombros, a sensação que dá é a de um oásis no meio de um
deserto.
Por outro lado, o
magnífico espaço térreo conquistado aos outrora carros
estacionados, mesmo com bancos, surge-nos demasiado despido, vazio de
decoração figurativa, sem elementos de contorno paisagístico.
Naquela área central falta qualquer coisa que lhe dê mais vida.
Pode parecer ironia mas não é mesmo, poderia até ser uma fonte com
repuxo. Ou, na impossibilidade de alterar o projecto inicial, por
exemplo, poderia ser equipamento movível para as crianças se divertirem -lembro que a poucos metros funciona há cerca de quatro décadas o
Centro Social e Cultural 25 de Abril. Com cerca de 120 crianças,
este jardim de infância e tempos livres não detém instalações
devidas para o recreio dos miúdos. Ainda que pareça paradoxal,
aliás, nesta zona do Terreiro da Erva, socialmente degradada e
parcialmente abandonada, fará todo o sentido atrair crianças para
brincar, é uma forma subtil, sem grande esforço, de se afastar do
largo muitos dos toxicodependentes e outro pessoal que ninguém quer por perto.
É
também certo que as esplanadas dos estabelecimentos hoteleiros em
redor, o Reis, a Casa das Bifanas e outros, ainda não estão a
funcionar, e quando forem repostas darão outro colorido ao espaço.
Assim como as árvores ainda estão em fase de crescimento e, por
enquanto, pouco contribuem para embelezar o vazio terreiro.
Em
resumo, salvo os pormenores apontados, que facilmente serão
remediáveis, estão de parabéns o coordenador do projecto, salvo
erro, o engenheiro Sidónio Simões, do Gabinete para o Centro
Histórico, e o executivo da Câmara Municipal de Coimbra. Diga-se o
que se disser, saem com elevada nota positiva nesta requalificação. Ganhou
a Baixa, ganhou a cidade.
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