No
último Sábado, quarto do mês, realizou-se a tradicional Feira de
Velharias na Praça do Comércio.
As previsões do
Instituto Português do Mar e da Atmosfera eram devastadoras,
terríficas, para a Zona Centro: só faltava mesmo espalhar que iriam
chover picaretas e ocorreriam trovoadas, com relâmpagos à
mistura, entre Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República, e
António Costa, Primeiro-ministro. Fosse por este alarmismo todo ou
não, a verdade é que poucos vendedores de velharias ousaram romper
o pessimismo do instituto que mais parece uma associação de
economistas a tentar acertar em previsões económicas e que erra
mais do que acerta. Embora com Céu acinzentado a prometer água a
rodos, praticamente pouco choveu. Resultado disto tudo, apesar do
tempo meio-seco, cerca das 15h00 pouco mais havia do que uma dúzia
de vendedores num recinto consignado à feira com demasiados
automóveis estacionados. Se é certo que alguns deles pertenciam aos
profissionais da venda, muitos outros estavam puramente parados num local impróprio.
Um comerciante estabelecido com loja na antiga praça até se deu ao
desplante de entrar no seu bom carro e estacionar no meio dos
vendedores, provocando algum descontentamento, sobretudo por, àquela
hora do dia, naquele local frequentado por milhares de pessoas, não
haver um agente da PSP ou da Polícia Municipal, ou, como deveria ser
obrigatório até ao encerramento, um elemento responsável pelo
evento criado em 22 de Junho de 1991.
A
FEIRA A ENCOLHER A OLHOS VISTOS
Por
altura do virar do milénio, tinha a praça apenas uma esplanada,
seriam cerca de uma centena de vendedores que ali tinham assento.
Esta feira a par da de Aveiro eram as melhores da zona centro. Com
uma diferença abissal entre as duas cidades, enquanto Aveiro mudou
de um terreiro para o interior do centro histórico, dividindo os
expositores pelas ruas estreitas, praça do peixe e Rossio, e obrigando a um pagamento de
inscrição anual na ordem dos 100.00 euros -e espalhando publicidade
à sua realização nas estradas da cidade, com setas indicativas-, Coimbra continuou como sempre esteve. Isto é, como feira-franca, sem
pagamento de inscrição, sempre no mesmo local, e sem qualquer
publicidade ao evento.
Na altura, lembro-me
muito bem de falar com alguns vendedores do Porto que deixaram de vir
a Coimbra por o espaço ser muito disputado e ser demasiado exíguo
para a montagem dos seus expositores.
O tempo foi passando,
chegou a crise, sobretudo a de 2008, e naturalmente os candidatos a
vendedores foram escasseando, com muitos deles a desistirem da
actividade, e passaram a ser cada vez menos. Por outro lado, com a feira a pedir uma vassourada e remodelação, nos
últimos anos, as casas de hotelaria na Praça do Comércio foram
crescendo e passaram de uma para cinco (hoje). Ou seja, em frente aos
seus estabelecimentos passou a haver cinco esplanadas. Como é óbvio,
para aumentar o número de cadeiras e mesas, inevitavelmente,
diminuiu a área destinada a vendedores. Na actualidade, creio, serão
cerca de três dezenas com poiso garantido. Este ano a Câmara
Municipal de Coimbra passou a onerar brutalmente o espaço, até aqui
gratuito, para esplanadas. Por silogismo, poderemos pensar que a
edilidade está mais interessada em manter a ocupação dos cafés do
que os vendedores de antiguidades e velharias. Saliento que não
estou contra, aliás é legítimo e bom para o turismo, o que entendo
é que ambos devem ser apoiados e conviverem harmoniosamente nesta parte
baixa da cidade.
Ora, o que estamos a
constatar é que o certame está a minguar mês-após-mês. Se não
se fizer alguma coisa, o mais certo é desaparecer e ficar apenas a Feira sem Regras, em Santa Clara.
Soluções? Já ando há
anos a falar do mesmo e não vou agora repetir. Escrevo somente que é
preciso descentralizar e alargar, por exemplo, em elipse, pelas ruas
estreitas e abarcando as ruas largas até ao Largo da Portagem -ou,
para dar nova vida, se calhar, no Terreiro da Erva -conforme deu
ideia o Daniel, um leitor do blogue e em comentário. Já se sabe que, a haver troca
para este espaço, irá gerar forte contestação por parte dos
vendedores -pelo menos no princípio. A ideia de a transferir para o
Parque Manuel Braga, a meu ver, é uma má escolha.
O
QUE DIZEM OS VENDEDORES SOBRE O ACTUAL ESTADO DA FEIRA?
Por
que me foi chamada a atenção por dois vendedores, sobre o que está
acontecer, tratei de ouvir os seus queixumes. O primeiro, o Moreira,
um meu velho conhecido da cidade, disse o seguinte: “A feira,
devido ao aumento exponencial das explanadas, está a encolher a
olhos vistos. Por este andar, vai desaparecer. Tenho saudades de
outros tempos quando mal nos podíamos mexer neste espaço reduzido
quando, provavelmente, éramos mais de uma centena aqui a vender -e
todos fazíamos negócio. Hoje, mais que certo, não chegaremos a
trinta e vendemos pouco. É verdade que estamos em crise, mas este
facto não explica tudo. Vendo aqui há muitos anos. Se assim
continuar neste declarado abandono, deixo de vir. Até parece que,
intencionalmente, querem matar esta feira e fazer crescer a de Santa
Clara.“
Outro
vendedor, meu amigo também e que pediu o anonimato, natural de
Aveiro, e que conheço há décadas, desabafou assim: “Querem
arrumar a feira deste espaço para ir para o parque da cidade. Se o
fizerem, é para acabar de vez com isto. Lá não se vende nada. Se
isto acontecer nunca mais cá ponho os pés. Acaba-se de vez no Natal”.
TEXTOS RELACIONADOS
"Umas imagens fora de contexto"
"A Feira de Velharias precisa de uma mexida"
"Um comentário que veio mesmo a calhar"
"A Feira de Velharias"
"A Loja de Antiguidades"
"A sociedade da oferta"
"Vender a alma em tempo de crise"
"Assim vai a cultura em Portugal"
"O sono profundo do vendedor"
"Uma entrevista"
"Monsieur Velhustro"
"Miséria, um quadro recorrente"
TEXTOS RELACIONADOS
"Umas imagens fora de contexto"
"A Feira de Velharias precisa de uma mexida"
"Um comentário que veio mesmo a calhar"
"A Feira de Velharias"
"A Loja de Antiguidades"
"A sociedade da oferta"
"Vender a alma em tempo de crise"
"Assim vai a cultura em Portugal"
"O sono profundo do vendedor"
"Uma entrevista"
"Monsieur Velhustro"
"Miséria, um quadro recorrente"
1 comentário:
Antes de mais seria um erro monumental tirar a Feira de Velharias da Praça do Comércio, mesmo que fosse para o Terreiro da Erva. Fazer isto, seria o mesmo que alterar o percurso da Queima das Fitas, ou, por exemplo, das procissões da padroeira. É já uma tradição nesta cidade. Acho sim que devem ser feitos alguns reparos, que a meu ver mudariam por completo esta praça centenária.
O Terreiro da Erva devolveu à cidade um espaço que outrora era preenchido por estacionamento. Hoje quem lá vai vê apenas alguns carros de moradores parados em sítio identificado para o efeito. A delimitar o terreiro, até nas entradas, como na Sofia, há pilares que podem descer a fim de deixar passar uma ambulância.
Agora pergunto: com tantas obras a decorrer na cidade, não haverá uns tostões para colocar uns pilaretes de ferro junto da igreja de São Bartolomeu, a fim de evitar o estacionamento abusivo? Seria uma solução simples e fácil de realizar.
Outra questão, as esplanadas. Será que é mesmo preciso ocupar mais de metade da praça com mesas e cadeiras? Encurtar o espaço ocupado, sobretudo nos dias em que se realizem eventos, não seria mais sensato? E não são muitos, relembro a Feira das Cebolas, de Velharias, e da Passagem de Ano Novo. Não poderiam estes comerciantes serem alertados para colocarem apenas metade da explanada nestes dias? Assim a feira iria crescer um pouco. Bem sei que os hoteleiros pagam a área por si ocupada a peso de ouro, mas cabe à autarquia harmonizar os interesses das partes.
Como já disse no inicio não acho que a Feira das Velharias deva mudar de sítio. Primeiro, está num local central da cidade, onde passam muitas pessoas. Depois, dá um pouco de alegria ao coração da Baixa, e que, retirando o turismo, está muito desertificada, com poucos moradores. Depois, por que já está gravada na memória de muitos compradores. Não seria sensato mudar de local.
A meu ver, a câmara deveria investir nesta e noutras feiras, anunciando a sua realização nos jornais e rádios locais, nas redes sociais. Por outro lado, nem que começasse a cobrar, deveria dar às pessoas que vão lá fazer o seu comércio melhores condições. É verdade que às vezes o tempo não ajuda, mas terá de se fazer alguma coisa. Também não entendo a razão de não haver policia, quer fosse por causa do estacionamento, quer fosse para proteger os comerciantes e os visitantes.
Outra questão. Nas vastas feiras que se fazem nesta cidade noto uma coisa: são todas muito iguais e pouco se distinguem entre si. Realiza-se em Coimbra um certame que atrai milhares de pessoas e só se realiza uma vez por ano, a Feira Medieval, no Largo da Sé Velha. Por que não realizar, durante o ano, outros eventos parecidos e na linha do antigo. Este género de alegorias trazem consigo muita animação. E a propósito: por que não há a participação de grupos alegóricos? Ou até teatro de rua, gaiteiros, performers? Por exemplo.
Andam agora a requalificar certos pontos da cidade, como o parque de estacionamento junto ao Estádio Universitário. Pergunto, quando vai ser requalificada a Praça do Comércio, retirando de vez os automóveis? Quando é que este largo volta a recuperar o brilho de outros tempos? Ou será que há interesse em deixar ficar tudo como esta? A bem do interesse egoísta de alguns moradores e comerciantes acaba-se com a tradição e desfigura-se uma praça magnifica?
Enviar um comentário