sexta-feira, 28 de outubro de 2016

UMA TERTÚLIA NO CAFÉ SOFIA






Passavam uns minutos das 18h00, perante uma plateia pequena mas interessada, quando o Mário Jesus, o organizador, deu as boas-vindas aos clientes e amigos da Aguinalda -Guida, como gosta de ser tratada. Na sala do Café Sofia, na Rua da Sofia, o silêncio tomou de assalto aquele espaço histórico da cidade. O tema da tertúlia era “Encontro de antigos e actuais clientes do Café Sofia” .
E o Mário abriu o encontro com “histórias da minha vida” onde o Café Sofia foi parte preponderante. “O Café Sofia, nos anos de 1960 e início de 70 era vigiado pela PIDE”, atirou o Mário para prender a assistência. E prosseguiu, “há alguns trabalhadores da hotelaria, dessa altura, que ainda estão no activo. Às vezes encontro amigos que deixei de ver durante algumas décadas. Ainda há dias aconteceu. “Estás bom, pá?!? Não te lembras de mim? Sou o Adelino, que estudava Direito”. Num primeiro olhar foi de surpresa e em busca da memória. O Adelino, o Adelino... Ah pois, o Adelino. Claro, o Adelino! Então não me havia de lembrar do Adelino?! Mas ele estava tão diferente, pensei para mim. O tempo, para além da memória, arrasa tudo. Começámos a relembrar episódios dessa época e depressa já estávamos sintonizados. Fiquei a saber que é advogado e está em Anadia onde tem um escritório.
Houve outros que andaram aqui na tropa, neste quartel situado aqui na rua e que já desapareceu. É tão bom encontrar amigos da nossa geração!?!”. E o Mário pareceu suspirar e procurar apoio com os olhos em alguém da assistência.
Continuou, “a primeira música do “Zeca” Afonso que ouvi foi a “formiga no carreiro”. Lembro-me bem. Havia também o doutor Santos -era comunista-, e ficámos a saber a razão de ele frequentar o Café Sofia. Na altura, a sede do PCP, Partido Comunista Português, era aqui quase em frente e do outro lado da rua. Muitos militantes vinham aqui ao café por razões de proximidade. Nesta importante via dos colégios de finais da Idade Média, por volta dos anos de 1960, havia aqui dois importantes cafés: também com fabrico de pastelaria, a Sírius e o Café Sofia. Tenho dois amigos que arranjaram aqui namoradas e, por este conhecimento, casaram.
Por alturas de 1974, antes do 25 de Abril, eu era operador cripto no Quartel-general, na Rua Antero de Quental. Quando me juntava aqui, no café, eu vinha passar informações. Não estou arrependido. Algumas que dei ajudaram a resolver algumas situações. Algumas resultaram. Não me arrependo de nada.
Há cerca de 50 anos eu trabalhava aqui na rua, num consultório de um advogado, o Dr. César Abranches -estagiou lá o Dr. Lucas Pires. Quando era preciso ir chamar o Dr. Pires eu ia e ele dava-me sempre dinheiro para comprar um croissant. Ainda havia gente boa. Ninguém passava fome, mas havia muita gente a passar mal.
Todos os Domingos, de onde quer que estivesse, eu vinha sempre ao café Sofia. Era uma espécie de catedral onde os fiéis não podiam faltar à homilia. Se viesse alguém de fora, era aqui que nos encontrávamos. O café Sofia era o ponto de encontro. Tenho tanta saudade desse tempo!”
A seguir, outro assistente relatou partes da sua vida. Por vezes até pareceu que uma lágrima balouçava nos olhos do relator.
Parabéns, Guida, pela iniciativa de trazer histórias de antanho. Foi bonito de ver.

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