Conheço-o
deste o meu tempo de menino. O José António Ferreira da Costa, nos
seus quase dois metros de altura, rosto arredondado, voz meiga e
trato gentil, parece recordar-nos a imagem do bom gigante. Como navio
em busca de ancoradoiro, depois de uma tormenta que o mandou para o
desemprego, ancorou na margem esquerda, a arrumar carros, e por lá
se manteve durante mais de três décadas e até ao ano passado. Como
durante muito tempo estacionei no território à sua guarda,
estabeleceu-se entre nós uma amizade mútua. Como ele sabia que eu
escrevia, para além de plasmar a sua história de vida, volta e
meia lá vinha ele queixar-se de espinhos que perturbavam a sua
existência. Era um profissional encartado, com licença passada pela
autarquia para poder exercer, e, tanto quanto julgo saber, enquanto
permaneceu por lá o estacionamento foi sempre mais ordenado. Com o
anúncio na imprensa de que a área de acesso gratuito, pertença da
Universidade, iria ser requalificada e colocados parquímetros, o
José António começou a temer pelo seu futuro, e desse receio, em
conversa, me deu conta.
No
ano passado, por esta altura de Setembro, quando as folhas amarelecem
e se desprendem das árvores, numa das vezes que nos encontrámos,
contou-me que, através do Instituto de Emprego e Formação
Profissional (IEFP), se tinha candidatado a um concurso para técnico
de profundidade, vulgo coveiro, promovido pela Câmara Municipal
de Coimbra, que tinha sido seleccionado, e já estava a trabalhar no
Cemitério da Conchada. Parecia irradiar felicidade. Pensei para
comigo como, contrariando a precariedade e a insegurança do
rendimento, um trabalho garantido pode constituir o fermento para uma
boa cozedura no futuro de cada um de nós.
UMA NUVEM NEGRA
Esta
semana o Costa, de andar desengonçado, ar tristonho e cor deprimida
de Outono, entrou pela porta adentro e, de rompante, atirou: “Mais
uma vez venho pedir auxílio. Ajude-me, senhor Luís! Não sei o que
fazer da minha vida. Sinto-me vazio, como coisa sem utilidade, uma
folha seca calcada pelos pés de desconhecidos...”
Mas, o que é que se
passa, José António? Que raio de conversa é essa? Interrompi o
estender da manta retalhada a tristeza e mágoa sentidas no rosto de
um homem de 58 anos.
“Depois
de um ano a trabalhar no Cemitério da Conchada, por conta de um
contrato estabelecido entre os Recursos Humanos, da Câmara
Municipal, e o IEFP, sem que nada o fizesse prever, mandaram-me
embora. O meu vínculo contratual era através de um POC, Programa
Ocupacional, do desemprego. Anteriormente ouvi o engenheiro dizer ao
encarregado que o contrato era para revalidar se eu me portasse bem.
Como eu precisava deste trabalho como pão para a boca, é claro que
fiz tudo para cumprir. Estava convencido que era para continuar. Sem
uma palavra de despedida, no dia 31 de Agosto, no último dia do
contrato, o encarregado ordenou apenas que deixasse o fardamento, e
mais nada! À minha pergunta se o que estavam a fazer estava correcto,
o mestre respondeu que, embora não entendesse a medida do superior
hierárquico, estava a cumprir ordens. Tinham falta de pessoal. Este
despedimento não fazia sentido, disse-me o encarregado à laia de
despedida, sem abraços nem palavras de incentivo. Não lhe disse
mais nada. Valia de alguma coisa? Que lhe importava a ele ou ao
superior se eu, sem aquele ordenado de 508,00 euros, ficava
literalmente na miséria? Se eu lhes dissesse que sem a minha
mensalidade o único rendimento que passa a entrar no meu lar é o da
minha mulher, que ganha cerca de 450 euros, iriam perder o sono? Se
eu mostrasse o meu recibo da renda de 300,00 euros, quereriam eles
saber disso? Se eu contasse que agora não tenho direito a qualquer
subsídio e estou a passar mal?
Preciso de ajuda,
senhor Luís. Estou a ficar sem forças, desmoralizado e sem ânimo.
Tenho corrido tudo em busca de trabalho. Estou mal, senhor Luís!
Pode ajudar-me? Aceito qualquer coisa, desde que me permita viver
honestamente. Por favor...”
1 comentário:
Boa tarde;
Desculpe Sr. Luís mas o Senhor António não se candidatou aos concursos que estiveram abertos na autarquia à cerca de 1 a 2 meses? Havia para assistente operacional.
O encarregado estava a cumprir ordens, mas numa questão de ética a secretaria do cemitério tem os administrativos, que vinculam as situações com recursos humanos do Município.
O Sr. António quando se candidatou ao trabalho foi parceria com a CMC e a Seg Social devia ser um CEI, não lhe explicaram o tipo de vinculo?
Porque não o aconselha a ir aos recursos humanos ou ter com o DR Machado e falar pessoalmente com Ele...O homem pode por vezes ser por vezes um qui mas é humano... e a seg social ajudar de igual modo.
Desculpe eu me meter mas... dá pena certas situações de vida e todos temos umas melhores ou não.
Muita força para seu amigo.
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