Dando
uma volta pelos blogues aqui ao meu lado, fico um pouco constrangido.
Os conotados com a esquerda, homenageiam e elevam os homens que
fizeram o 25 de Abril, independentemente do que vieram a fazer a
seguir. Os simpatizantes da direita chamam a alguns destes heróis
da revolução dos cravos desde assassinos a cobardes.
Que
diabo, como não tenho simpatia nem para uns nem para outros, não
sei onde me colocar.
Talvez
o centro, como fiel de balança – e neste caso seria muito cómodo
para mim -, resolvia-me parcialmente a questão. O problema é que
nunca gostei de ambiguidades, e neste caso, o centro, para além de
ser ambíguo é também bipolar, tem um braço e uma perna na direita
e os outros membros na esquerda. Então como é que resolvo isto com
alguma racionalidade e objectividade?
Para mais, para suprema
ofensa da esquerda, presumo, estou a trabalhar hoje, quando a maioria
está a gritar loas à origem do feriado. Ontem, quando conversava
com um amigo e colega comunista, quando lhe disse que trabalhava
hoje, com grande grito de revolta, saído lá das profundezas,
exclamou: “o quê, trabalhas no dia da Revolução?! Fogo, a
mim, para trabalhar neste dia, nem que pagassem milhões!”
Engraçado
é que, para mim, o dia de hoje é apenas um marco assinalado na
história de Portugal. E nada mais. Tal como foram datas importantes
para o país, como por exemplo, o 1º de Dezembro de 1640 – com a
Restauração da Independência e expulsão do reinado dos Filipes de
Espanha - ou o 5 de Outubro de 1910 – com a queda da monarquia e
implantação da República.
É
verdade que em Abril de 1974 eu tinha apenas 17 anos e nenhuma
cultura política. Já trabalhava há quase 8 anos. Enquanto fui
infante, os meus ascendentes andavam tão preocupados com o pão para
a boca que sabiam lá eles que havia oposição a Salazar.
O dia
da Revolução de 25 de Abril veio apanhar-me a vender trapos numa
grande loja da Baixa de Coimbra e hoje encerrada. O patrão, que
subira a corda da vida a pulso, nesse dia, se ficou preocupado não o
demonstrou. No dia seguinte, quando começaram as manifestações de
rua, perante os seus cerca de 15 empregados, tratou de fazer sessões
colectivas de esclarecimento político e clarificar que ali, na sua
loja, era ele que mandava. Portanto, partido, a haver, teria de ser o PPD/PSD ou o CDS. Estas formações político-partididárias é que eram
boas. Eram as únicas que defendiam a iniciativa privada. Os outros,
e sobretudo os comunistas, “comiam meninos ao
pequeno-almoço”.
Fosse por isso ou por outra coisa
qualquer, a verdade é que até hoje nunca fui a nenhum comício
partidário. Dos 17 aos 25 anos que trabalhei naquela grande firma,
fui tentando fazer a minha destrinça entre o comportamento do patrão
de direita e outros que haviam na Baixa e que eram assumidamente
comunistas. Nunca cheguei a nenhuma conclusão clarificadora de qual
deles seria melhor. Aliás, sempre encontrei grandes similitudes na
sua forma de proceder. Nunca vi um comerciante comunista distribuir,
fosse o que fosse, da sua riqueza, por quem mais precisava. No da
direita, igualmente, o que via era que ambos tentavam enriquecer o
mais possível.
Ao
mesmo tempo, na firma onde trabalhava, apercebia-me, havia uma
“utilização” abusiva dos trabalhadores. Todos
trabalhávamos mais para além do horário, diariamente. Em vez de 30
dias de férias eram apenas gozados 15. É certo que no fim do ano
todos levávamos um “cheque-bónus” pela lealdade e bom
comportamento.
A única diferença que eu notava, quer no
comerciante de direita, quer no de esquerda, era o ódio que cada um
nutria ao outro. Um era apodado de fascista salazarento, o
outro de vermelho ao serviço de Moscovo.
Nesta loja onde
trabalhei 9 anos, fui continuando sem manifestar nenhum pendor
político-partidário. Mas há uma história engraçada que nunca me
esqueci. Em 1975, com 18 anos de idade, tinha as minhas férias
marcadas antecipadamente como era norma. Tinha tudo programado para
as iniciar na data acordada. Na véspera, o gerente da loja
comunicou-me o cancelamento das minhas férias previamente
anunciadas. Mandei-me aos “arames” e, no meio de uma
discussão, disse-lhe que nem pensar. Ia e ia mesmo. Quando chegou o
patrão, a mesma coisa. “Não senhor, que não podia ir e
pronto!”, verberou o velho comerciante. Então, irritado,
interroguei: o senhor pensa que nós somos carne para canhão?
O homem, espavorido, olhou-me fixamente, começou a andar à minha
volta e a soletrar como um disco riscado: “é comunista! Ele é
comunista! Eu tenho um comunista na minha casa!”
Na noite
anterior eu estivera a ler a 25.ª hora, de Virgil Gheorghiu, e não
dormira. Foi a noite toda em claro a ler o livro que até hoje mais
me entusiasmou sem conseguir descolar. Uma das frases que memorizara
foi exactamente “carne para canhão”.
Esse
acontecimento passou e, tenho a certeza, que apesar da minha
rebeldia, o velho comerciante, deixou passar. Despedi-me com 25 anos
de idade, por minha iniciativa. Bem que ele tentou que eu não o
fizesse - com toda a honestidade.
A partir daí, nunca me
interessei muito pela política partidária, embora, diga-se, sempre
tentei saber tudo o que se passava à minha volta. O mesmo se passa
com o futebol. Não gosto do desporto-rei, e não tenho qualquer
simpatia por este ou aquele clube, mas aqui, neste desporto, no
futebol, nem me interessa saber.
Como
se isto fosse pouco sou agnóstico. Já vêm, somando estas parcelas,
que sou muito pouco ortodoxo, pouco alinhado. Sou um desalinhado
totalmente do sistema social. Ah… mas esqueci-me de dizer que gosto
de fado, o que já não é de todo mau. Do aforismo Fátima, futebol
e fado, vá lá, sempre se aproveita o fado!
Ora, como vêem,
regressando ao início do texto, estou muito preocupado. Num país em
que toda a gente gosta de futebol e tem um partido político de
eleição, eu, sendo diferente para pior, está de ver, das duas uma:
ou sou um nacionalista de “carregar pela boca”, ou então
sou um comunista renegado da pior espécie. Ou seja, acabo por ser um
mal-amado por uns e por outros, perdido neste universo homogéneo e
unanimista que é a nossa sociedade de consumo
político-partidária.
Sou uma espécie de alma esvoaçante, que
numa equidistância intencional ou desligada do aparelho “religioso”
anda à procura do seu deus terreno.
O que hei-de fazer? Já
pensei em fazer terapia partidária, ou então, se esta não
resultar, hipnose por regressão. Há qualquer coisa que não bate
certo…
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