terça-feira, 26 de abril de 2022

MEALHADA: AS COMEMORAÇÕES DO DIA LIBERDADE

 

(Fotos desviadas da página no Facebook da Câmara Municipal da Mealhada)




Como a mostrar que a liberdade não é somente uma questão de vontade mas também de circunstância e oportunidade, o dia, solarengo e resplandecente, convidava a gozar o privilégio.

Nas árvores do velho jardim em frente ao paço municipal, pelo chilrear de alegria e alvoroço, a passarada parecia ter-se associado às comemorações do 48º 25 de Abril.

Acompanhados de um cravo na lapela, os fatos domingueiros nos homens, trajados com gravata predominante de cor “bordeaux”, e os conjuntos de saia e casaco de cerimónia nas mulheres indicavam ser uma festividade muito acima do normal dia-a-dia de uma cidade. Curiosamente, o cravo não era o elemento comum entre todos, sobretudo pela falta notada entre as senhoras; não se sabe se por não casar bem com o “pendant”, se esta renúncia seria uma forma insurgente de reclamar contra a discriminação de género.

No átrio da Câmara Municipal, os bombeiros da Mealhada e da Pampilhosa, perfilados a rigor, ao som da banda filarmónica, de peito-feito e perna elevada a marchar, desfilavam como força paramilitar em frente ao corpo político, eleito no último 26 de Setembro, e a largas dezenas de cidadãos assistentes.

De costas voltadas para a cerimónia, Costa Simões, o velho professor de medicina nascido na Vacariça, com assento diário no monumento em forma de obelisco no jardim, a adivinhar mais uma homenagem por falta de outros heróis locais, em sentido, sem mexer uma ruga do rosto, inerte, em sinal de respeito pela efeméride republicana, estava sem Borla na cabeça, mas com o Capelo académico sobre os ombros. Daí a pouco, pelas mãos de António Jorge Franco, presidente da autarquia, receberia uma coroa de cravos vermelhos.

Passados quinze minutos dispersaram os batalhões de bombeiros e os populares despediram-se da festa com um surdo “até para o ano”.

Mas as festividades ainda não tinham terminado. Dentro do edifício, no primeiro-andar, começou a ouvir-se um trinado de guitarra e o dedilhar de uma viola. Era o grupo “Fado ao Centro” que, vindo da cidade dos estudantes, iniciava um belo espectáculo da canção coimbrã, a servir de introdução à Assembleia Municipal Extraordinária que, daí a pouco, marcaria o dia político alegórico à data na terra do leitão.


E EIS O PALCO POLÍTICO


Sob a vigilância atenta e omnipotente de Marcelo Rebelo de Sousa, o Chefe da Nação, em traje institucional e emoldurado na parede em frente, paulatinamente todos tomaram o seu lugar protocolar.

Antes do início da sessão foi notado o virar de cabeças, para o lado e retaguarda, para verificar quem estava ou fez gazeta. Pelo olhar reprovador de Marcelo tudo indicava não estar satisfeito com algumas faltas de presença. Uns menos, como, eventualmente, uma representação do Bloco da Esquerda – que embora a isso não obrigasse, por não estar representado oficialmente na Assembleia Municipal, ter-lhe-ia ficado bem a comparência. Outros mais, como foi o caso do grupo parlamentar do PS - só os presidentes de junta estiveram - e o líder da oposição, Rui Marqueiro, que não puseram lá os pés. As más línguas viperinas, venenosas, dizem que ex-chefe de cerimónias da edilidade é alérgico a um velho “amigo” dos lados da Pampilhosa e, por isso mesmo, não contem com a presença do vereador em exercício em qualquer sessão, nem que a vaca tussa.


E VAMOS AOS DISCURSOS… (SOBRE A GUERRA NA UCRÂNIA)


Subiu ao pódio João Louceiro, deputado eleito pela CDU, que, sendo ali anti-sistema, fez por marcar a diferença no fardamento, nada de fato e gravata de capitalista, levando calça e blusão, como identificativo do operário resiliente aos fumos do grande capital. A sua mensagem foi sobretudo uma justificação sobre a tomada de posição do PCP sobre a “intervenção” da Rússia na Ucrânia. Condenamos a guerra, mas não a simplificamos, sobretudo baseado em falsos heróis. Condenamos a guerra onde Putin tenta impor a sua ditadura, mas também a da Síria, do Afeganistão, do Golfo. Não alinhamos com o consenso fabricado. O consenso fabricado é um presente totalitário, enfatizou o deputado comunista.

A seguir puxou do micro o representante da Coligação Juntos pelo Concelho da Mealhada, no caso, Pedro Semedo, filiado no PSD. Esclarecendo ser professor de história, alertou para as tentativas de manipulação da História, com a propaganda subjectiva dos autores a sobrepor-se ao conhecimento real de quem viveu os factos. Chamou à colação o escritor George Orwell e a sua distopia, ideia de uma sociedade imaginária em que tudo está organizado de forma opressiva.

Depois falou o representante do PS, Ricardo Ferreira, presidente da Junta de Freguesia da Vacariça. “Já sou filho da Liberdade. O poder é e sempre será do povo. Estamos solidários com a Ucrânia. Condenamos esta guerra que está a chacinar um povo. (…) Sejamos a porta aberta quando todas as outras se fecham (o poder local). Sejamos aquilo que as pessoas esperam de nós”.

Por sua vez falou André Melo, deputado eleito pelo Movimento Mais e Melhor. “Estamos aqui reunidos em sessão solene desta Assembleia Municipal para celebrar a Revolução (…).”

(…) No programa com que fomos eleitos estava claramente dito que seríamos promotores de um maior escrutínio da actividade do executivo (…) e verificamos que isso tem acontecido: mais munícipes participam nas assembleias (pessoal e remotamente). (…) E até os presidentes de junta expõem os seus problemas, necessidades e anseios, publicamente e de forma aberta. (…) Sem prosperidade, sem educação e cultura, sem igualdade de tratamento e oportunidade, realmente, não cumprimos Abril e não daremos a todos a verdadeira liberdade.”

Depois falou António Jorge Franco, presidente da Câmara Municipal. “Estamos a festejar o 25 de Abril numa altura em que grassa a loucura da guerra”. Estou aqui como presidente da Câmara Municipal da Mealhada, também graças ao 25 de Abril, uma revolução para todos, jovens e não jovens.

E por último, discorreu Carlos Cabral, presidente da Assembleia Municipal. “Só sabe o valor da paz quem passou por uma guerra”, referindo-se à guerra colonial onde, no concelho, perderam a vida 16 jovens. “Eu e mais dois ou três nesta sala sabemos o que sentimos quando vemos aquelas imagens na televisão”, fazendo analogia com a Ucrânia.


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