quinta-feira, 13 de junho de 2019

VENDA AMBULANTE: OS TOMBOS DE UMA VIDA DE UM HOMEM DE MEIA-IDADE




Como a vergonha nem o sentido de justiça
nunca foram qualidades intrínsecas dos políticos
que governaram, e continuam a governar, esta
terra, entre o compromisso vazio e o interesse
partidário, foram enganado os lojistas papalvos
e manipulando estas pessoas ao sabor da
indignidade e da mesquinhês.” 



Hoje, durante a manhã, mais uma vez, talvez pela enésima, metade dos vendedores de etnia cigana, ultimamente instalados no Largo da Maracha, foi empurrada uns metros mais para a frente. O motivo da separação do grupo foi o prédio onde funcionou a taberna do Manuel Vasques, abandonado há cerca de vinte anos, ter entrado em obras.
Tudo começou com o alojamento temporário (definitivo) destes comerciantes nos finais de 1970 no espaço hoje ocupado pela Loja do Cidadão. Em 1998, com Manuel Machado, o actual timoneiro do município, à frente da Câmara Municipal o terreno foi vendido em hasta pública à empresa Braga Parques por cerca de um milhão de contos.
Por volta de 2000, para início das obras pela firma de Braga, os vendedores de rua foram acomodados no Largo da Maracha.
Em 2001, Machado perdeu as eleições para Carlos Encarnação, com Pina Prata como vice-presidente da autarquia e "ex-aequo" presidente da desaparecida ACIC, Associação Comercial e Industrial de Coimbra.
Fazendo parte do caderno eleitoral a promessa de disciplinar a venda desregulada, para agradar aos comerciantes tradicionais instalados, o primeiro passo foi abrir a discussão pública para um novo Regulamento da Venda ambulante. Através da deliberação número 1819, entraria em vigor em 10 de Fevereiro de 2003. Esta nova postura, em relação ao anterior, era completamente vanguardista. Por exemplo, doutrinava que nenhum vendedor ambulante poderia estar a vender a menos de 50 metros de um estabelecimento comercial e a 100 de uma igreja. Ora, tal requisito só existia no meio do Rio Mondego. Como tal, como o propósito era desonesto e a intenção era simplesmente tentar extinguir um modo de vida e um quadro cénico a todos os níveis deprimente para uma cidade que, nesta época, aspirava a ser Património da Humanidade, fácil foi antever que tudo continuou igual. Mas falharam num pormenor: desvalorizaram a resiliência do povo cigano.
Mas, na altura, a coligação PSD/CDS, com o vereador Pina Prata a arrebanhar as massas ignorantes, não desistiu. Com a desculpa de se reclassificar o empedrado do Largo da Maracha, os ambulantes-fixos, deslocando-os meia centena de metros, foram jogados para a frente do extinto Armazéns Amizade. Com a promessa de atribuição de quiosques, chegaram a ser marcados os espaços no chão do Largo da Maracha, onde estiveram antes, mas, sabe-se lá por quê, com investidas regulares da ASAE, continuaram a resistir e a oferecer os seus artigos junto ao falido Armazéns Amizade. Entre “ó freguês leve por apenas cinco euros” e um carisma que ninguém lhes pode negar, passaram a fazer parte integrante da Baixa da cidade.


NOSSA SENHORA DAS ELEIÇÕES AJUDE QUEM PRECISA


Esquecidos e sem qualquer consideração por parte da Câmara, em 2008, próximo de eleições, e novamente para agradar aos comerciantes da Baixa, os jornais da cidade anunciavam em parangonas “PSP (e autarquia) põe ordem na venda ambulante do Bota Abaixo”.
Clarinho como a água, como nunca houve vontade de resolver o problema, por lá continuaram mais uns anos. A contrariar os políticos, que pensavam vencer pela fadiga, os vendedores transformaram um recanto sujo numa pequena feira participada por público. É que há um fenómeno que ninguém pode escamotear: estejam onde estiverem, mesmo que seja no meio do mar, revitalizando o seu meio por pregão e outras formas de publicidade, os ciganos resistem sempre.
O tempo, na sua modorra habitual, transformando o injusto em justo, naturalmente, foi fazendo a inclusão dos vendedores ciganos. Se no princípio, eram olhados de soslaio pelos confinantes lojistas -fazendo com que o espaço ocupado para o seu negócio fosse encarado como uma ilha -, à medida que o declínio e a crise comercial se tornava transversal, porque juntam muita gente à sua volta, começaram a ser olhados pelos vizinhos com simpatia. A natureza das coisas, sem recorrer a discursos políticos ocos de ocasião, encarregou-se de dirimir uma tensão de muitas décadas.
Como a vergonha nem o sentido de justiça nunca foram qualidades intrínsecas dos políticos que governaram, e continuam a governar, esta terra, entre o compromisso vazio e o interesse partidário, foram enganando os lojistas papalvos e manipulando estas pessoas ao sabor da indignidade e da mesquinhês.


NOSSA SENHORA DAS ELEIÇÕES NOS VALHA, MAIS UMA VEZ


Um ano das eleições, em Outubro de 2012, pelo executivo liderado por Barbosa de Melo, da Coligação por Coimbra, foi anunciado que iriam ser instalados novos quiosques para a venda ambulante, na Praça do Comércio e no Bota Abaixo. Escusado será dizer que este comprometimento nunca foi levado a sério. Mas teve um resultado: os vendedores instalados na Praça do Comércio, fartos de ser destratados por pessoas que não valem um caracol e que sempre brincaram com a sua humildade, progressivamente foram desistindo de vender na medieval praça. Hoje, nem um serve para amostra. A autarquia conseguiu pelo cansaço o que não logrou alcançar com medidas regulamentares. E isto é digno? (Não precisa responder!)
Claro que os vendedores do Bota Abaixo, goste-se ou não deles, como são diferentes, pela teimosia, não se deixando calcar, lá foram continuando.


E, REPETINDO UM VELHO FILME, VIERAM OS SOCIALISTAS


Em 2013, apeando os sociais-democratas do poder, os socialistas ganharam as eleições autárquicas. Como é óbvio, sendo as diferenças de procedimentos diminutas entre os dois partidos, não é preciso ser bruxo para adivinhar que estes novos vencedores, senão piores, serão iguais. O futuro, que é hoje, veio mostrar que vindo de um regime socialista nem bons lojistas nem bons comunistas.
Em 22 de Junho de 2015, no executivo camarário, foi analisado um novo Regulamento Municipal das Feiras, Venda Ambulante e da Restauração ou Bebidas Não Sedentárias. Muito inovador e radical, com vestes modernaças, como se calcula, foi feito para “inglês ver”, como quem diz, para os turistas que nos visitam. Quase a fazer cinco anos e, para não variar, tudo continua igualzinho.
Há cerca de um ano, invocando a nova Avenida Central, foram mudados novamente para o Largo da Maracha.
A semi-transferência de hoje dos vendedores vai no mesmo sentido. Mas, calma que ainda não vai ficar assim. Vamos ter eleições para a Câmara Municipal em 2021, não é? Tenhamos fé! Desta próxima vez é que vai ser!

Sem comentários: