sábado, 1 de junho de 2019

FALECEU UMA PÉROLA DA NOSSA RUA





As ruas da cidade sem pessoas, em metáfora, seriam jardins sem flores, terrenos áridos com o vazio da desertificação a marcar o tempo. Não há nostalgia num lugar sem história, onde a energia emana do seu âmago através da vida que já teve. A saudade, enquanto rede de sentimentos cruzados, só nos atormenta pela recordação do passado.
Através do seu cunho personalizado, os vizinhos são o espírito vivo, materializado, que concorrem para a felicidade de quem os rodeia. Pela sua vivência alegre, espírito positivo -se solidário tanto melhor – e simpatia, são o perfume que religa toda uma rua, um bairro, um lugar onde vive e convive gente. Há pessoas, cujo rasto existencial foi uma bênção, que perdurará para sempre e até ao nosso último suspiro.
Julieta Pinto Ferreira, de 91 anos, viúva, foi a enterrar hoje. Até há cerca de quatro anos, já velhinha, habitou na nossa rua. Outrora, até ao princípio da década de 1980, juntamente com o marido António Gomes Correia, conhecido entre nós por “Tonecas”, foram donos da Casa Lanil, na Rua Eduardo Coelho, onde, no seu espaço comercial, se vendia tudo, desde camisas, malhas, até ao pijama. Julieta foi bem o paradigma do bom vizinho: respeitoso, sério, humilde e cultivando uma personalidade muito sua, sabia guardar um segredo de um seu confinante sempre que lhe fosse pedido. Sabemos que era outra época, em que tudo parecia ser mais estável e duradouro. Hoje, em que na velha artéria dos sapateiros tudo mudou, já nem uma única sapataria existe para amostra, os negócios são precários, os poucos moradores que cá residem são flutuantes, pessoas como Julieta são um candeeiro que, por ser insubstituível, se funde e não acende mais.
À família enlutada, se posso escrever assim, em homenagem da nossa rua, em em nome da Baixa, os nossos sentidos pêsames. Até qualquer dia, dona Julieta.

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