As
ruas da cidade sem pessoas, em metáfora, seriam jardins sem flores,
terrenos áridos com o vazio da desertificação a marcar o tempo.
Não há nostalgia num lugar sem história, onde a energia emana do
seu âmago através da vida que já teve. A saudade, enquanto rede de
sentimentos cruzados, só nos atormenta pela recordação do passado.
Através
do seu cunho personalizado, os vizinhos são o espírito vivo,
materializado, que concorrem para a felicidade de quem os rodeia.
Pela sua vivência alegre, espírito positivo -se solidário tanto
melhor – e simpatia, são o perfume que religa toda uma rua, um
bairro, um lugar onde vive e convive gente. Há pessoas, cujo rasto
existencial foi uma bênção, que perdurará para sempre e até ao
nosso último suspiro.
Julieta
Pinto Ferreira, de 91 anos, viúva, foi a enterrar hoje. Até há
cerca de quatro anos, já velhinha, habitou na nossa rua. Outrora, até ao princípio da década de 1980, juntamente com o marido
António Gomes Correia, conhecido entre nós por “Tonecas”,
foram donos da Casa Lanil, na Rua Eduardo Coelho, onde, no seu espaço comercial, se vendia
tudo, desde camisas, malhas, até ao pijama. Julieta foi bem o paradigma do
bom vizinho: respeitoso, sério, humilde e cultivando uma
personalidade muito sua, sabia guardar um segredo de um seu
confinante sempre que lhe fosse pedido. Sabemos que era outra época,
em que tudo parecia ser mais estável e duradouro. Hoje, em que na
velha artéria dos sapateiros tudo mudou, já nem uma única
sapataria existe para amostra, os negócios são precários, os
poucos moradores que cá residem são flutuantes, pessoas como
Julieta são um candeeiro que, por ser insubstituível, se funde e
não acende mais.
À
família enlutada, se posso escrever assim, em homenagem da nossa
rua, em em nome da Baixa, os nossos sentidos pêsames. Até qualquer
dia, dona Julieta.
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