(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)
(RECEBIDO POR E-MAIL, SEM INDICAÇÃO DE AUTOR)
I
Os
meninos não podem sair da nossa beira porque os meninos não podem
estar sozinhos.
Os
meninos não podem ficar no recreio a brincar quando os professores
faltam -são levados para a biblioteca ou para alguma aula de
pseudo-apoio. Se os meninos ficassem no recreio a jogar à bola e se
por acaso se magoassem, o que seria dessa escola! Os pais poderiam
até processar a instituição de ensino!
Os
meninos não podem ir a pé ou de autocarro para a escola porque isso
pode ser perigoso.
Os
meninos não se podem sujar ou magoar -os pais nunca se perdoariam (e
fá-los-ia perder tempo que não têm).
Os
meninos andam a saltar dos pais para os avós e para a escola e para
o atl e para a piscina e para o inglês e para a música e para o
karaté e para o futebol e para a patinagem e... Porque os meninos
têm de estar sempre ocupados e nunca sozinhos; não saberiam o que
fazer com o tempo livre. E os pais têm de ganhar dinheiro para os
meninos andarem sempre bonitos e com roupa de marca - caso contrário,
os colegas poderiam até gozá-los. E se o colega tem uma coisa, o
menino também tem de ter (senão faz birra e com toda a razão). E
os meninos têm de ter festas de aniversário espectaculares -e não
pode ser em casa só com a família, que isso não se usa. Tem de ser
com a turma toda e os amigos e os primos e tem de se alugar (e pagar)
um sítio onde tenha muitos brinquedos e escorregas e palhaços e
malabaristas e baby-sitters. Algum sítio onde alguém se
responsabilize pelos filhos dos outros, de preferência.
Os
meninos, coitadinhos, são muito novos para pensar -mais vale nós
planearmos a vida deles e dizer-lhes o que fazer. Mas só se eles
concordarem, claro. Porque os meninos não têm culpa de nada; se se
portam mal, a culpa é da educação que recebem na escola (que é o
sítio onde eles devem ser educados).
Os
meninos não comem sopa e verduras porque não gostam. Os meninos
saem da mesa quando lhes apetece e passam o (pouco) tempo livre entre
smartphones, tablets e computadores. Mesmo enquanto comem,
coitadinhos, tem de haver alguma coisa para os entreter -e não se
fala com a boca cheia. Alguns até comem com auscultadores colocados
nos ouvidos -e ainda bem, para não incomodar a conversa dos adultos.
Os
meninos só vêem desenhos animados (e a televisão é deles quando
eles estão em casa). Porque os meninos querem, os meninos têm. O
que não vale é chorar -não gostamos de os ver tristes. Chora chora
que a mamã dá mais brinquedos para brincares duas vezes e arrumar a
um canto -a casa fica cheia deles; depois compram-se outros
diferentes porque os meninos têm de ter sempre mais e mais coisas e
mais experiências novas.
Os
meninos não ajudam em casa porque são meninos.
Os
meninos começam a sair cedo e os papás vão buscá-los onde e à
hora que for necessário. Não há meninos burros, arruaceiros, nem
medricas, nem preguiçosos, nem tímidos, nem distraídos, nem mal
educados, nem maus, nem... Nada disso. Os meninos são todos bons (os
melhores) e muito inteligentes. Todos. E todos os anos há meninos
finalistas e festas de finalistas e viagens de finalistas e até
praxes, do primeiro ao último ano da escola, porque eles são muito
inteligentes e importantes, agora que acabaram mais um ano. Que bem,
já tens a quarta classe -que orgulho, meu filho. Ah, parece que foi
ontem a tua festa de finalistas do terceiro ano...
Os
meninos não se podem (nem sabem) defender sozinhos; para isso é que
existem os pais e os psicólogos e os professores e até os
tribunais. Os meninos têm explicações desde a escola primária
porque precisam de toda a ajuda possível para ser os melhores. Se
não estão atentos nas aulas a culpa é do professor. Os meninos não
levam palmadas -ai se isso acontecer. Podiam ficar traumatizados,
coitadinhos. Se os meninos estragam, os papás pagam. Os meninos têm
direitos -mais concretamente, têm o direito a fazer o que lhes
apetece porque são meninos e não têm de entender as preocupações
dos crescidos. Por isso desarrumam a casa e todos os sítios por onde
passam; partiu? virou? desapareceu? morreu? Não sei, eu sou apenas
um menino.
II
Até que um belo dia os meninos se vêem subitamente fora de casa e da escola e longe de todas as pessoas e coisas que costumam controlar todos os seus movimentos (e até pensamentos). Longe daqueles que lhes disseram sempre que os meninos não são responsáveis nem culpados daquilo que fazem.
E só aí, longe pela primeira vez, começam a aprender a ser pessoas, a respeitar a liberdade e o espaço dos outros (os outros que afinal também existem! Descobrem os meninos nesta altura). Só aí entendem que cada acto tem uma consequência. E torna-se difícil -que a pegada dos meninos agora é grande e os erros notam-se como patas de elefante em cima de nenúfares. Destroem tudo porque têm de aprender e agora é muito mais complicado.
Até que um belo dia os meninos se vêem subitamente fora de casa e da escola e longe de todas as pessoas e coisas que costumam controlar todos os seus movimentos (e até pensamentos). Longe daqueles que lhes disseram sempre que os meninos não são responsáveis nem culpados daquilo que fazem.
E só aí, longe pela primeira vez, começam a aprender a ser pessoas, a respeitar a liberdade e o espaço dos outros (os outros que afinal também existem! Descobrem os meninos nesta altura). Só aí entendem que cada acto tem uma consequência. E torna-se difícil -que a pegada dos meninos agora é grande e os erros notam-se como patas de elefante em cima de nenúfares. Destroem tudo porque têm de aprender e agora é muito mais complicado.
Pensavam que podiam
fazer tudo o que lhes apetecesse, mas afinal parece que não. Ninguém
lhes tinha dito.
E de repente aparecem ratos que assustam os elefantes. Todo aquele tamanho mas no fundo continuam apenas meninos que agora vivem em corpos de adultos. Ficam muito assustados (pudera) e não entendem.
E de repente aparecem ratos que assustam os elefantes. Todo aquele tamanho mas no fundo continuam apenas meninos que agora vivem em corpos de adultos. Ficam muito assustados (pudera) e não entendem.
Voltam para casa
e perguntam aos pais: “o mundo é mesmo assim, papás? Não posso
atirar colchões pela janela dos hotéis? Não posso ligar extintores
e estragar as paredes e camas? Porque não avisaram antes?”
E nessa altura, levam um estalo -a primeira palmada das suas vidas. Deixaram finalmente de ser (e da pior forma) meninos.
E nessa altura, levam um estalo -a primeira palmada das suas vidas. Deixaram finalmente de ser (e da pior forma) meninos.
1 comentário:
E se me permite, depois os meninos batem nos pais, mas esses, os pais, acham normal, porque serão sempre os seus meninos.
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