(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)
Há
muitos séculos que se consta que Coimbra está endemoninhada. Ao longo do
tempo, quer os eclesiásticos, quer os bruxos, quer os estudiosos da
matéria todos sempre coincidiram num ponto: o diabo anda por aí,
está por cá instalado, pode encarnar em várias personagens ou
entidades que conhecemos e nos são próximas, mas o problema
propriamente dito não recai na entidade maléfica mas sim nas muitas
forças negativas que andam por ai à solta.
Pelo menos, ao longo dos
últimos cinquenta anos, estando os fenómenos publicamente
elencados, mas nunca totalmente explicados à luz de uma
racionalidade crítica e científica, todos nos habituámos a
conviver com eles harmoniosamente e, apesar do desassossego, nunca,
como até agora, aconteceu realizar um congresso sobre parapsicologia
que verdadeiramente se debruçasse sobre a matéria paranormal que
assombra a cidade.
Graças a alguns cardeais
exorcistas já venerados nas capelinhas e outros recentemente
convertidos à causa parapsicológica que se fizeram anunciar, em
Outubro, próximo, vamos ter um simpósio que se espera ser o mais
comparticipado.
Apesar
de ainda faltarem quatro meses, os ex-comungados andam por aí a
levantar o oculto, alegadamente à vista de toda a gente, e a pregar
a expulsão do demónio. Ainda não aconteceu a dobra de garfos e
colheres – na linha de Uri Geller- pela força da mente, mas a
cada dia que passa ficamos a saber mais dos segredos obscuros que,
apesar de conhecidos, reconhecidos e recalcados no inconsciente
colectivo, supostamente estariam enterrados no seu âmago -assim como
as talhas romanas recentemente descobertas.
Num
misto de renegados, em ironia, descrédito e superstição,
fazendo-nos sorrir pela falta de convicção retratada, levantam o
dedo acusatório ao demo causador de todos os males: o pretor urbano
instalado na Praça 8 de Maio.
O
encosto-maior, consequência de uma dominação absolutista de
subserviência secular, está também identificado praticamente por
todos -menos um por razões familiares que se entendem: a
Universidade. Em boato de ruela estreita, aventa-se que desde que
este grande colégio de estudos superiores perdeu o seu prelado
estatutário, por volta dos anos de 1940, nunca mais deixou de estar
malignamente acompanhado em espírito satânico. Talvez por isso se
entenda, ao longo das últimas décadas, a indecente repetição de
apelidos no seu corpo docente.
A
“demoniomania” está inventariada e todos censuram as
manifestações perniciosas de Satanás que condena Coimbra ao
obscurantismo das trevas de Belzebu. Diz-se em surdina, como mandam
os cânones, que a diocese local, por ordem superior da Santa Sé e
através da Congregação para a Doutrina da Fé, proclama e apoia o
reforço contra as forças do mal notadas na visível e acentuada
discriminação da urbe por esta não ser contemplada nos grandes
investimentos do Orçamento Geral do Estado. Por outro lado, e tão
grave como tudo mais, por não sentir e não partilhar do crescimento
económico nacional noticiado aos quatro ventos. Diz-se ainda que
Francisco, o chefe-mor da igreja Católica, recomenda o uso e o abuso
do apostolado pelos exorcistas, mesmo que sejam comunistas, é a
favor da libertação dos possessos e considera ser uma tarefa
fundamental da Igreja. Ao que parece o Papa não se deixou convencer
pelas últimas políticas municipais de sinalização e reabilitação
dos Caminhos de Santiago e de Fátima, incluindo a criação de um
centro para peregrinos.
MAS,
AFINAL, O QUE DIZEM OS EXORCISTAS?
Um
diz que é preciso libertar a polis do jugo demoníaco que os
governos centrais exercem maleficamente e, com esta iniquidade e
desrespeito, provocam um desequilíbrio em todo o centro do país.
Outro,
sem esquecer a sua matriz vermelha, está muito preocupado com as
elites coimbrãs -e de facto, como a dar-lhe razão, hoje um jornal
local, numa feira de vaidades, dedica 8 páginas com fotografias dos
mais bem-quistos na cidade do Mondego.
Outro,
ainda, diz que “devemos fazer uma análise SWAT (Armas
e Táticas Especiais) e, de uma vez por todas, encontrar
soluções para o futuro e uma dessas soluções passa por deixar de
dizer que somos os melhores”.
Outro,
mais, em quatro anos de feliz convivência entre as cores rosa e
vermelho, só agora, neste tempo de exorcismos, descobriu que os mais
de mil funcionários da edilidade cultivam um clima de medo.
Outro,
mais ainda, defende a prossecução e realização do projecto metro
ligeiro de superfície na cidade, sabendo que vários estudos de
viabilidade feitos no anterior governo de Passos Coelho indicam que
se for levado avante estaremos a hipotecar o futuro dos nossos netos.
Pugna ainda pela recuperação da Baixa comercial... mas é a favor
da instalação do IKEA no Planalto de Santa Clara.
E
QUANTOS (POBRES) DIABOS EXISTEM NA CIDADE?
Segundo
uma leitura recente que fiz numa revista do Século Ilustrado de 07
de Março de1986 -e onde fui buscar a inspiração para este texto-,
desde Lucifer, Belsebu até Astarot, haverá cerca de 1758 milhões
de nomes para a mesma entidade satânica que apelidamos vulgarmente
como Diabo. Citando o Vaticano, diz ainda a popular revista já
desaparecida do mundo das publicações vivas que o problema não
reside unicamente na entidade mas, “sobretudo, porque muitos
grupos e seitas carismáticas se dedicam à prática do exorcismo,
caindo na rede de insidias do demónio. Há que ter em conta que em
cinco mil casos de alegadas possessões demoníacas, só duas ou três
são verdadeiras. As outras são fruto de neuroses e de demoniomanias
-uma doença difundida por certos movimentos de falsa
espiritualidade.”
Continuando a citar o
Século Ilustrado, “É preciso não esquecer que o diabo lê
o pensamento e fala línguas desconhecidas. Sobretudo conhece e
explora as debilidades de cada pessoa, manifesta-se não só através
de vómitos de substâncias horríveis (…) mas também através de
coisas belas e graciosas, como músicas deliciosas, mulheres
esplêndidas, pinturas extraordinárias, revelações de coisas
desconhecidas ou acrobacias fantásticas.”
Claramente
Coimbra não tem só um encosto espiritual que suga as energias de
quem cá vive, traz desequilíbrio emocional e gera conflitos com a
sua personalidade e com as pessoas ao seu redor. Depois do exposto,
ficamos a saber que, apesar de já terem um bom encosto, anda muita
gente a tentar encostar-se à cidade.
Não
é necessário escrever mais nada, pois não?
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