Durante
cerca de meio-século a Ginita foi a rainha da Rua da Fornalhinha. Na
estreita e curta viela de pouco mais de vinte metros da Baixa de
Coimbra, com o seu ar ladino e trigueiro, foi no calçar bem que a
Ginita sempre se distinguiu. O seu calçado sempre foi de boa
qualidade e a preços competitivos.
A Ginita foi criada
com muito amor pelo senhor Carlos Abreu, um comerciante falecido em
2011. Nos passados anos de 1980 e princípio de 1990, a Ginita chegou
a albergar no seu seio três pessoas a trabalhar. Eram tempos áureos,
já se sabe. Nesse tempo qualquer comerciante estava fadado ao
sucesso. Nessa época, pela intensa procura e muito dinheiro a
circular, era fácil ser-se mercador. Em terra de abastança ninguém
passa fome, diz o povo em aforismo.
A Ginita morreu? Se faleceu é porque tinha de ser assim. Tal como outras à sua volta, durante os
últimos vinte anos, fenecendo e a balouçar num limbo como a
maioria, foi tentando aguentar-se até um dia, esta semana, que
alegadamente não deu mais e, como epitáfio sem frases organizadas,
os papeis ocupam toda a área de vidraça e, como cruz abstracta e
silenciosa, passa a mostrar que naquele pequeno espaço algumas
pessoas foram muito felizes. Ali ficam enterrados retalhos de algumas
vidas. A resposta à pergunta porque encerrou todos sabem. Todos têm
uma palavra a dizer. Basta ler este comentário recebido hoje:
“A crise do comércio tradicional na baixa de Coimbra não tem
a ver com a saúde da economia ou falta dela, ou do poder económico
dos consumidores. Tem a ver, somente, com a falta de atractividade do
comércio da baixa”. Ou seja, a culpa reside nos
operadores. Claro que ninguém diz, ninguém está disposto a
discutir que esta falta de atractividade foi intencionalmente
provocada pelo desbragado licenciamento de grandes áreas
comerciais e que, pelo excesso de oferta na cidade, desencadeou a
desregulação e a queda a pique da Baixa comercial. Como sempre, a
culpa e a consequência recaem sempre na parte mais frágil. A
mensagem do aparente crescimento económico, do PIB,
Produto Interno Bruto, passa muito bem para o social que acredita no
que que lhe dá mais jeito. Mas quem está no terreno, com as mãos a
chafurdar na micro-economia, é que sabe quanto lhe custa começar e
fechar o dia.
É triste um
estabelecimento comercial quando desaparece merecer tão pouca
consideração pelos clientes e pelas pessoas em geral. Quem o
frequentou depressa esquece a sua história e raramente há uma
palavra de conforto para quem, sem forças físicas e anímicas, se
vai também. Pouco importa se quem fica sem trabalho, apesar de ser
de meia-idade, entra num mar de dificuldades e angústias. O que é
preciso é haver outra loja para a substituir, outra vítima que se
segue no longo corredor da morte previsível e anunciada. O que é
necessário é que a consumidora máquina fria, egoísta e sem
sentimentos, continue a ser alimentada. “As empresas são como os
animais, nascem, crescem e morrem”, apregoa-se para lavar a
alma. Está tudo dito!
Um abraço de
solidariedade para a Guida Santos, a última companheira da sapataria
Ginita e que lhe fechou a porta nesta morada...
AFINAL,
FELIZMENTE, VAI HAVER TRANSFERÊNCIA DE INSTALAÇÕES
Por
erro grosseiro de informação, dando credibilidade ao que várias
pessoas me disseram, tomei as notícias da vizinhança como certas.
Afinal, e ainda bem, o que se passa é que vai haver transferência
de instalações. Isto é, segundo Guida Santos, “a sapataria
Ginita vai continuar entre nós. O que se passa é que as actuais
instalações estão muito degradadas e, dentro em breve, vou passar
para uma loja restaurada e em estado novo na mesma Rua da
Fornalhinha.”
Licitamente, pode
perguntar-se a razão de eu ter dado uma notícia incompleta e a
sofrer de inverdade? Pode. Será que pretendi ser intencionalmente alarmista? Por que não fui obter a informação à fonte segura? Em jeito de justificação, a razão é
que raramente um comerciante que encerra um estabelecimento me
confessa claramente o facto. Fechando-se numa espécie de concha, num completo mutismo, talvez por vergonha do falhanço, raramente está disposto a falar. Os
mais simpáticos dizem que vão encerrar para férias ou que vão
entrar em obras. Os menos cordiais, com rosto façanhudo, alegam que
é um problema particular e nada tenho a ver com isso. Como se
calcula, não é fácil escrever sobre um encerramento.
Pode ainda interrogar-se
a razão de, levando “pancada”, continuar a escrever? Pode. Sem
que ninguém me encomendasse o serviço, entendo que, como missão,
em memória dos que partem e, sobretudo, pela história comercial da
cidade, devo continuar a fazer este “serviço” social que, na
maioria das vezes, não é entendido como tal.
Como no melhor pano cai a nódoa, e errar humano é, cabe-me pedir desculpa à Guida Santos pela incompletude da notícia. Cabe-me também desejar-lhe as maiores felicidades e o maior sucesso para o novo estabelecimento que a breve prazo irá surgir com o mesmo nome de sapataria Ginita, situado na mesma artéria e a poucos metros deste que encerrou agora.
Como no melhor pano cai a nódoa, e errar humano é, cabe-me pedir desculpa à Guida Santos pela incompletude da notícia. Cabe-me também desejar-lhe as maiores felicidades e o maior sucesso para o novo estabelecimento que a breve prazo irá surgir com o mesmo nome de sapataria Ginita, situado na mesma artéria e a poucos metros deste que encerrou agora.
1 comentário:
Acho que não me fiz entender e vou explicar de outra maneira. O problema não é de crise económica do país. O crescimento económico não é aparente, é real. As pessoas simplesmente escolhem ir gastar o seu dinheiro a outro lado. Acusar os consumidores de insensíveis, porque preferem ir a outros lugares fazer compras, não tem sentido nenhum. O senhor Luis é comerciante e sabe bem que ninguém faz compras por solidariedade para com o vendedor. A não ser nos casos em que se compram coisas, como bonecos de peluche, para instituições de solidariedade social, o que não é o caso, não é?
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