Perante
um colectivo de três juízes -obrigatório para processos
respeitantes a crimes mais graves, isto é, com moldura penal
superior a cinco anos-, realizou-se hoje no Tribunal Judicial da
Comarca de Coimbra o julgamento de Carlos Leonel Cardoso Gonçalves,
que, em 11 de Agosto do ano passado, esfaqueou quase mortalmente um
vizinho no Largo da Freiria.
Começo
com duas ressalvas. A primeira, por ter sido arrolado como testemunha
pelo tribunal -o que quer dizer que, como não presenciei os factos
de per si, fui chamado para, com o meu depoimento do que
observei e participei a seguir, ajudar a chegar a um quadro de
verdade não visto por ninguém. A segunda, não percebo nada de
direito, o que quer dizer que o que alego a seguir é na qualidade de
cidadão imparcial que pugna por uma justiça mais justa e precisa
enquanto instrumento social necessário para dirimir conflitos em
total ou parcial satisfação das partes em confronto, no caso em
apreço, Estado, representado pelo Ministério Público, e defesa de
interesses do ofendido e agressor.
Para
melhor se entender os factos, lembra-se que em 11 de Agosto de 2016,
por volta das 14h00, o Carlos Gonçalves esfaqueou um vizinho,
Ricardo Alves, junto à carótida por este, reiteradamente, provocar
barulhos no edifício onde moravam os dois na altura. Como não houve
testemunhas, não se sabe o que aconteceu em concreto.
O
Carlos Gonçalves alegou em tribunal que foi o Ricardo que lhe teria
batido à porta e lhe teria dado um murro e, em instinto de defesa, teria
puxado da navalha para se resguardar fisicamente.
O
Ricardo Alves, pelo contrário, alegou que ouvindo vários pontapés
na porta da casa de sua mãe, onde se encontrava a almoçar com a
progenitora, veio à entrada e logo que abriu recebeu uma navalhada
do lado esquerdo do pescoço, originando uma sua reacção de defesa
materializado no murro subsequente.
Porém,
há questões de relevo que urge compreender. A primeira, é a
manifestação verbal de Carlos Gonçalves ao chegar junto a mim:
“senhor Luís, chame o 112 porque eu dei uma navalhada no
rapaz do primeiro andar. Não sei se o matei! Estava a fazer muito
barulho -é todos os dias a mesma coisa-, fui pedir-lhe explicações
e “passei-me”.
A
segunda questão, a meu ver de interesse maior, é que o Carlos
Gonçalves sofre desde a adolescência de Esquizofrenia e, para “além
de se alimentar mal, há muito tempo que não tomava os necessários
medicamentos”. Se por um lado, pelo arguido, a doença
foi-me confessada em 2014 quando escrevi a sua história e a
publiquei no jornal O Despertar, por outro, a assistente social que o
acompanhava disse-me isto mesmo textualmente: que ele não tomava a
medicação há muito tempo. Quando alertado para o facto pela
técnica argumentava que “já estava bom e não precisava de
ingerir medicamentos que lhe davam cabo do estômago”.
Esta inquirição, que a
meu ver lhe poderia conferir inimputabilidade ou, pelo menos atenuar
a sua culpa na agressão, só foi por mim referida no meu testemunho
mas sem que lhe fosse dada a menor importância. Estranho? Talvez
não...
QUEM
NASCEU PRIMEIRO? O OVO OU A GALINHA?
Alegadamente,
com uma acusação de “Ofensa à Integridade Física
Qualificada” -com pena de prisão entre dois e dez anos- a
balouçar sobre o arguido Carlos Gonçalves, o julgamento, ao longo
de toda a manhã, decorreu morno e sem chama. Sem tomar em conta o
“debilitado” estado de saúde psíquica do acusado à hora do
crime e que poderia, ou não, ter alterado a sua noção de
interpretação, o tribunal passou a manhã toda em busca de saber se
primeiro surgiu a navalhada por parte do agressor ao ofendido ou um
murro por parte da vítima e que teria dado origem à navalhada.
A
pergunta que emerge é a razão de, deixando cair a inimputabilidade
pela esquizofrenia, os advogados de Carlos Gonçalves terem optado
por tentar provar o excesso de legítima defesa? Pode interrogar-se
sim, mas não se entende -digo eu na minha santa ignorância. Pode
até tentar compreender-se que a escolha poderia ser uma alternativa
para tornar a pena mais leve, mas continuo a teimar que foi uma má
escolha estratégica e o resultado é que o arguido, em face de
alegações não relevadas por uma defesa ineficaz, ficou muito
fragilizado.
O
representante do Ministério Público pediu entre 6 a 7 anos de
prisão efectiva. A seu ver, perante a argumentação da defesa de
invocar excesso de legítima defesa, a agressão, embora a lei
protegesse o arguido, entrava dentro do homicídio tentado -com uma
moldura penal ainda mais severa.
Sem
querer parecer um anjo da desgraça, até por que não temos conhecimento do processo, é de prever que Carlos
Gonçalves vá sofrer, pelo menos, uma condenação de prisão entre quatro a
cinco anos.
É
de prever que não irá haver recurso do acórdão que será lido no
próximo 09 de junho, pelas 14h00.
Poderá
falar-se de erro judiciário? Se calhar não. A justiça nunca erra,
sobretudo se os meios de defesa do arguido forem escassos.
Quando
um homem é pobre, diz-se, até os cães alçam a perna e lhe mijam
nos pés.
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