Em
Abril de 2007 início da grande crise económica mundial, escrevi
sobre a indigência em marcha que se avizinhava para o comércio de
rua.
Um
ano depois, em 2008, na Rua Eduardo Coelho, que já fora grande nas
lides comerciais, encerrou a Topal. Eu dei conta do drama. E até chamei a atenção para o extermínio que se avistava. Todos assobiaram para o lado.
Neste
mesmo ano, em Novembro, encerrou a meca do comércio tradicional.
Escrevi. Se alguém leu, não ligou. Ainda hoje sou tomado de saudade.
Em
Janeiro de 2009 encerrou o Jaime. Voltei a lamentar a ida de mais um
e alertei para o que se seguiria. Pouco impacto teve.
Em
Dezembro de 2010, com dois estabelecimentos ao mesmo tempo, encerrou
a Loja da Marta e a sapataria Satélite. Continuando a pregar no
deserto, ninguém se insurgiu para o que estava a acontecer.
Em
Maio de 2011, com um enorme peso na história da cidade, encerrou a
sapataria Reis. Era a vida de comerciante que estava em cheque. Escrevi, reescrevi e voltei a dar o alerta para a
razia que estava a acontecer, ninguém deu nada para o peditório. De
pouco valeu acusar o rombo que iríamos todos sofrer nos sons da
cidade. Escrevi sobre as nuvens negras que pairavam no Céu. Ninguém quis saber. Era o Sol do meio-dia. Embora me sentisse perdido, tudo parecia claro. Os novos otários estavam ao virar da esquina. Havia um drama social em perspectiva.
Em
Abril de 2014, depois de quatro décadas a fazer parte de nós,
encerrou a sapataria Trinitá. O que eu escrevi para que se tomassem
providências… mas ninguém se preocupou.
Em
Junho do mesmo ano, de 2014, depois, de três décadas a servir
pessoas, encerrou a perfumaria Balvera. Escrevi que a minha Rua
Eduardo Coelho, ficando sem perfume, não voltaria a ser a mesma. Nem
um dedo em riste se ergueu em minha defesa.
Em
Dezembro de 2015, passadas muitas décadas, encerram os dois
estabelecimentos das sapatarias Paiva. Escrevi sobre a perda de tão
grande património comercial para a nossa rua. Nem uma lágrima vi
vertida no rosto de quem quer que fosse.
Em
Março de 2017, decorridos cerca de vinte anos a fazer-nos companhia
diária, encerrou a loja do “Virgílio, Lingerie”. Alguém se
importou?
Em
Junho de 2017, após décadas de convivência, encerrou a sapataria Teresinha. De pouco valeu alertar para o esvaziamento comercial que
estava em curso.
Em
Junho de 2018, após mais de duas décadas na minha rua, encerrou a
loja denominada Modas Veiga.
Ao
longo dos últimos vinte anos os poucos residentes idosos que aqui
habitavam foram desaparecendo e com eles, a mostrar que as ruas também morrem, ficou o silêncio, aquele silêncio que, por ser tão
puro e duro, se transforma em ruído ensurdecedor.
Há
cerca de uma semana morreu o Eduardo Ventura. Cego de nascença,
durante largas décadas a sua lamúria, como de pregão se tratasse e
que ficou gravado a fogo na nossa memória, ecoou na rua e becos em
redor.
Com
este sumiço de pessoas e coisas, pela falta que os sons nos fazem,
pela carência dos odores, pela falta de movimento, pela falta de
amigos que se foram e não voltam mais - por que quem parte obrigado
pelas circunstâncias raramente volta ao local onde foi muito feliz –
eu vou ficando mais sozinho e a minha rua vai perdendo vida. O
estranho é que, contrariamente ao que se diz, estas pessoas não são
substituíveis. No seu lugar ocupado noutro tempo, para sempre,
ficará um buraco negro de saudade. Por exemplo, quem não recorda o "Aspirante"?
Quando leio
declarações políticas, proferidas por políticos locais, a
afirmarem que a Baixa está em franca regeneração, das duas uma: ou
nunca conheceram a Baixa de Coimbra ou querem enganar-nos como se
fôssemos tolos.
Que
saudade do bulício da minha rua!
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