terça-feira, 17 de setembro de 2019

QUE SAUDADE DO BULÍCIO DA RUA EDUARDO COELHO DE OUTROS TEMPOS






Em Abril de 2007 início da grande crise económica mundial, escrevi sobre a indigência em marcha que se avizinhava para o comércio de rua.
Um ano depois, em 2008, na Rua Eduardo Coelho, que já fora grande nas lides comerciais, encerrou a Topal. Eu dei conta do drama. E até chamei a atenção para o extermínio que se avistava. Todos assobiaram para o lado.
Neste mesmo ano, em Novembro, encerrou a meca do comércio tradicional. Escrevi. Se alguém leu, não ligou. Ainda hoje sou tomado de saudade.
Em Janeiro de 2009 encerrou o Jaime. Voltei a lamentar a ida de mais um e alertei para o que se seguiria. Pouco impacto teve.
Em Dezembro de 2010, com dois estabelecimentos ao mesmo tempo, encerrou a Loja da Marta e a sapataria Satélite. Continuando a pregar no deserto, ninguém se insurgiu para o que estava a acontecer.
Em Maio de 2011, com um enorme peso na história da cidade, encerrou a sapataria Reis. Era a vida de comerciante que estava em cheque. Escrevi, reescrevi e voltei a dar o alerta para a razia que estava a acontecer, ninguém deu nada para o peditório. De pouco valeu acusar o rombo que iríamos todos sofrer nos sons da cidade. Escrevi sobre as nuvens negras que pairavam no Céu. Ninguém quis saber. Era o Sol do meio-dia. Embora me sentisse perdido, tudo parecia claro. Os novos otários estavam ao virar da esquina. Havia um drama social em perspectiva.
Em Abril de 2014, depois de quatro décadas a fazer parte de nós, encerrou a sapataria Trinitá. O que eu escrevi para que se tomassem providências… mas ninguém se preocupou.
Em Junho do mesmo ano, de 2014, depois, de três décadas a servir pessoas, encerrou a perfumaria Balvera. Escrevi que a minha Rua Eduardo Coelho, ficando sem perfume, não voltaria a ser a mesma. Nem um dedo em riste se ergueu em minha defesa.
Em Dezembro de 2015, passadas muitas décadas, encerram os dois estabelecimentos das sapatarias Paiva. Escrevi sobre a perda de tão grande património comercial para a nossa rua. Nem uma lágrima vi vertida no rosto de quem quer que fosse.
Em Março de 2017, decorridos cerca de vinte anos a fazer-nos companhia diária, encerrou a loja do “Virgílio, Lingerie”. Alguém se importou?
Em Junho de 2017, após décadas de convivência, encerrou a sapataria Teresinha. De pouco valeu alertar para o esvaziamento comercial que estava em curso.
Em Junho de 2018, após mais de duas décadas na minha rua, encerrou a loja denominada Modas Veiga.
Ao longo dos últimos vinte anos os poucos residentes idosos que aqui habitavam foram desaparecendo e com eles, a mostrar que as ruas também morrem, ficou o silêncio, aquele silêncio que, por ser tão puro e duro, se transforma em ruído ensurdecedor.
Há cerca de uma semana morreu o Eduardo Ventura. Cego de nascença, durante largas décadas a sua lamúria, como de pregão se tratasse e que ficou gravado a fogo na nossa memória, ecoou na rua e becos em redor.
Com este sumiço de pessoas e coisas, pela falta que os sons nos fazem, pela carência dos odores, pela falta de movimento, pela falta de amigos que se foram e não voltam mais - por que quem parte obrigado pelas circunstâncias raramente volta ao local onde foi muito feliz – eu vou ficando mais sozinho e a minha rua vai perdendo vida. O estranho é que, contrariamente ao que se diz, estas pessoas não são substituíveis. No seu lugar ocupado noutro tempo, para sempre, ficará um buraco negro de saudade. Por exemplo, quem não recorda o "Aspirante"?
Quando leio declarações políticas, proferidas por políticos locais, a afirmarem que a Baixa está em franca regeneração, das duas uma: ou nunca conheceram a Baixa de Coimbra ou querem enganar-nos como se fôssemos tolos.
Que saudade do bulício da minha rua!

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