(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)
1.
O Cidadão transpõe as portas arcadas do palácio do governador, na
Praça 8 de Maio. Entra na Divisão de Atendimento, à entrada, com o
indicador carrega na tecla de Atendimento Geral, referente à senha
A. O pequeno quadrado de papel informa que são 11h17 do dia
02-09-2019, e que estão 18 pessoas em espera.
Naquela
lindíssima sala de tectos pintados provavelmente no século XIX o
tempo, talvez pela canícula excepcional em Setembro, é lento e
corre devagar. As muitas pessoas sentadas em poltronas almofadadas
dividem o olhar entre o plasma, visor da vez, as pinturas por cima
das suas cabeças e num ou outro munícipe que entra e tenta
acomodar-se até o seu número chegar.
Nos
compartimentos de atendimento público, com dois vazios, certamente
por férias, cinco funcionários tentam dar provimento ao desejo de
cada um.
2.
O Cidadão, por tantas vezes frequentar o local camarário, sabe que
os detentores da senha A, em média, demorarão uma hora a serem
atendidos. Sabe também que os munícipes que escolherem a senha E,
para pequenos pagamentos, serão acolhidos em dez minutos, em média.
Há
cerca de um mês, o Cidadão tentou sensibilizar a até então
directora de departamento para a discriminação que se verifica ali.
Como estava demissionária do lugar, só muito forçadamente o
recebeu, mas despachou imediatamente para a coordenadora do serviço
de atendimento. Simpaticamente a gestora ouviu o Cidadão e disse
compreender que não estava certo alguns munícipes serem recebidos
em dez minutos e outros, por vezes, mais de uma hora. Prometeu tomar
atenção e sensibilizar a chefia (que ainda não sabia quem seria)
para o que se passava ali.
3.
Finalmente chegou a vez da senha número 41. O relógio marcava
12h34. Ou seja, uma hora e dezassete minutos depois, o Cidadão iria
ser atendido nos dois assuntos que levava, o primeiro, tratando-se de
uma inscrição para a reunião de Câmara, foi rápido e não causou
qualquer reacção à funcionária. Um problema iria surgir no segundo
tópico. Tratava-se de uma certidão sobre o exercício de
preferência na transmissão de imóveis que, devendo a pronúncia
ser exarada no prazo de dez dias -o não cumprimento da obrigação
no limite definido implica a prescrição – não foi exercida.
Aliás, já perfazia 38 dias. Tudo estaria bem se a escritura pública
se pudesse realizar sem a dita declaração. Acontece que sem o
apregoado papelinho algum conservador ousa escriturar seja o que for.
Portanto, como se adivinha um incumprimento da administração pode
facilmente tornar a vida em suspenso de qualquer sujeito.
Tentando
fazer compreender a funcionária do que estava em causa, o Cidadão
pediu que fosse apresentado uma previsão para a emissão do
documento, dois, três, quatro, cinco dias. Mas a funcionária,
limitando-se a ler o despacho, com data de 25 de Julho, que constava
no computador “Não havia chefia, nem director do seu
conhecimento” a quem fazer a tramitação.
O
Cidadão, já farto de ser tratado com algum favor paternalista,
começou a irritar-se e a levantar a voz. Exigia falar com a
responsável hierárquica acima. Vendo que o Cidadão não estava ali
para brincadeiras burocráticas, a empregada pública remeteu a
chamada para a funcionária que assinava o despacho. Transmitindo à
colega que o Cidadão pretendia somente uma previsão para a emissão
da certidão, do outro lado do éter a senhora pouco se importou com
a ilegalidade formal de que era comparte e, alegadamente, informou
que o documento se encontrava pendente no Gabinete da Presidência e
não avançava prazo para a sua emissão.
O
Cidadão pediu o Livro de Reclamações.
4.
Antes de prosseguir, convém salientar que já em Fevereiro, último,
aconteceu uma situação exactamente com os mesmos contornos. Uma
outra funcionária fez quase o mesmo, com uma diferença ínfima,
isto é, prometendo uma data de entrega, não quis saber e esteve a
marimbar-se para a sua responsabilidade na prossecução do interesse
público. Foram necessários 44 dias para tomar posse do certificado.
O
Cidadão, em Março, levou o caso a reunião da Câmara Municipal. Se
passados cerca de seis meses tudo continua como dantes, é de inferir
que, por um lado, o executivo, enquanto órgão político, não quer
saber dos queixumes dos munícipes, por outro, é lícito admitir que
algum pessoal contratado pela autarquia de Coimbra, em exemplo vindo
de cima, segue os mesmos passos.
5.
Como já passava das 13h00, depois de entregar o Livro de
Reclamações, a funcionária, sem uma palavra de despedida, foi
almoçar.
6.
O Cidadão, procurando ser claro, conciso e justo nas declarações,
começou a escreveu o que se passou no denominado livro amarelo. Foi
então que, tendo necessidade de passar para outra folha, reparou que
era a última do livro. Mais uma complicação a fazer prolongar o
tempo de espera: não havia outro livro, nem disponível, nem à
vista. Passados largos minutos lá veio um novo exemplar. E o Cidadão
foi concluir a sua exposição.
7.
Acabada a escrita no livro do desespero, seriam nesta altura umas
13h45, havia um novo obstáculo a transpor: não havia rede nos dois
computadores ao serviço.
Em
face da lacuna cibernética, as duas funcionárias começaram a
atender munícipes que não implicassem obrigatoriamente a consulta
de processos.
Já
passava das 14h00, quando um dos computadores apanhou linha. O visor
marcava a senha número 61. A funcionária nunca mais se lembrou que
o Cidadão, como padroeira da cidade, se mantinha com dois Livros de
Reclamações abertos no regaço e, portanto, nada de o chamar. Foi
preciso o Cidadão levantar novamente a voz e interrogar se seria
preciso mandar vir o almoço por lancheira.
Foi
concluído o seu atendimento às 14h15. Como quem diz, cerca de três
horas depois.
8.
Mesmo levando em conta as várias queixas exaradas no livro de todos
os queixumes pelo Cidadão – sem, até ao momento, uma única
resposta do órgão regulador -, será que a imprensa local, a
comunicação social, se estivesse mesmo ao serviço do dever de
informar o colectivo, não deveria inteirar-se do que se passa com os
serviços camarários? Não deveria, por exemplo, saber quantas
reclamações foram realizadas nos últimos seis meses?
Por
último, o Cidadão deseja boa sorte, e sobretudo que consiga controlar o barco à deriva, à
responsável pela Divisão de Atendimento, vereadora Regina Bento.
Pela cidade, por todos nós, é bom que tenha sucesso.
(Texto
enviado, por e-mail, para conhecimento à Câmara Municipal de
Coimbra)
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