segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

4 – HISTÓRIAS AO VIRAR DA ESQUINA: A RAINHA DOS OLHOS NEGROS

(Fotos de arquivo)



Num descarado assédio, quase a desembocar em paixão assolapada, durante anos andei atrás dela para escrever a sua história. Desde o cumprimento meloso com vénia e beijinho no dorso da mão até ao convite para um café, nos vários encontros que ocorreram nas ruas da Baixa, tentei tudo para que a Teresinha me desse um pouco de atenção, uma réstia do seu tempo, para eu poder escrever alguma coisa sobre a sua encantadora figura e a sua história de vida. Mas qual quê? Do alto dos seus olhos negros, fixando-me, parecia dizer: “faz-te jornalista, homem, e depois vem falar comigo! Não passo cartão a genéricos!”. É certo que educadamente, quase em despacho sumário, lá saía a proclamação: “hoje não, que não tenho tempo! Quem sabe outro dia?!”. E eu desesperava para conquistar a confiança da Teresinha Pena.
A sua figura carregada de mistério, carismática e singular, em cruzamento de bela debutante de um baile de gala dos primeiros anos de 1900 e Mata-hari, dançarina exótica onde os olhares masculinos ficavam presos como melaço, fazia parar o trânsito de peões na Baixa da cidade.
O seu caminhar, leve e deslizante mas bem marcado e assente em longos saltos-altos, de musa encantada, que parecia resvalar sobre nuvens, acompanhado com sombra escura em redor dos seus olhos negros, conferia-lhe uma aura mística de personagem densa de energia espiritual.
Para um aspirante a jornalista que, detestando a vulgaridade, se debruça sobre tudo o que seja original e peça de arte viva que toca os sentidos, chegar à “menina” Teresa Pena era o paradigma, o modelo, o tiro de sorte, para uma crónica há muito sonhada.
Se muito esperei, nunca desesperei. Dizia-me o meu sexto-sentido que a minha oportunidade haveria de chegar e realizar o meu intento. Foi então que, num daqueles dias de sol a espreitar pelas frinchas da chuva, a encontrei em esmerada cavaqueira na Loja da Lena, na Rua de Sargento-mor. E rapidamente, num silogismo prático e interesseiro, dei por mim a pensar com os meus botões: Eureka! Estou salvo! É hoje! Vou pedir à Lena que mova a sua influência perante a minha diva e personagem desta crónica. E foi o que aconteceu. A Lena falou e a Teresinha imediatamente confiou. E contou. Obviamente que não vamos falar de quantas primaveras já passaram na sua vida –porque os anjos são eternos. Tem os anos desde que nasceu até hoje. E desde que trintou nunca mais lembrou.
Como se ansiasse por “despejar” o saco das memórias a um simpático desconhecido, a “menina” Teresinha, sempre na primeira pessoa do verbo, desenrolou o longo manto de efabulação que, por ventura, teria sido a sua vida. Senhora de um alter-ego construído em longas noites de insónia, desde o seu casamento com um médico militar até ser a mulher mais linda de Macau, não se sabia onde terminava a realidade e começava a imaginação.
Sem deixar substituta, subitamente, há cerca de quatro anos, desapareceu do nosso meio. As ruas estreitas, os becos e outra ruelas, pela sombra constante de luto, nunca mais foram as mesmas. Mais tarde, sem vislumbrar a morada, conseguimos saber que, pela sua longa idade nunca confessada e fragilidade física notória, por indicação de sua filha, teria recolhido a um lar, em direcção do norte do país. Correu o boato, nunca desmentido, que, por necessidade de ícones no além, Deus a teria chamado para dar uma certa ordem no Céu.
Depois de muito desbravar nas ondas da contra-informação, ficámos a saber que a nossa celebridade e fonte de inspiração está muito perto de nós. Agora com 90 anos, Teresinha, embora com alguns períodos obscuros de tempos-a-tempos, está com bom discernimento mental. Pela parte física, as pernas já mostram o cansaço de muitos dias e desloca-se em cadeira de rodas. A nossa estrela, que tanto iluminou os nossos dias e noites, encontra-se no Solar Billa Donnes, em Figueira de Lorvão, Penacova. Se quiser saber algo mais ou dar uma palavra de apreço a uma mulher que não podemos esquecer, porque marcou um tempo na Baixa de Coimbra e faz parte, por mérito próprio, da nossa galeria “Rostos Nossos(Des)conhecidos”, pode ligar para o número 23947002. Sem lhe perguntar, tenho a certeza que a “menina” Teresinha Pena muito grata ficará.

1 comentário:

Anónimo disse...

obrigado pela atualização. Folgo em saber que a D.Teresa, passado um ano, ainda se encontra entre nós.
Na altura cheguei a levar para lá uma copia dos seus escritos sobre ela.
Todos concordaram que o cognome a rainha lhe assentava na perfeição.