(Fotos de arquivo)
Num
descarado assédio, quase a desembocar em paixão assolapada,
durante anos andei atrás dela para escrever a sua história. Desde o
cumprimento meloso com vénia e beijinho no dorso da mão até ao convite para
um café, nos vários encontros que ocorreram nas ruas da Baixa,
tentei tudo para que a Teresinha me desse um pouco de atenção, uma
réstia do seu tempo, para eu poder escrever alguma coisa sobre a sua
encantadora figura e a sua história de vida. Mas qual quê? Do alto
dos seus olhos negros, fixando-me, parecia dizer: “faz-te
jornalista, homem, e depois vem falar comigo! Não passo cartão a
genéricos!”.
É certo que educadamente, quase em despacho sumário, lá saía a
proclamação: “hoje
não, que não tenho tempo! Quem sabe outro dia?!”. E eu
desesperava para conquistar a confiança da Teresinha Pena.
A
sua figura carregada de mistério, carismática e singular, em
cruzamento de bela debutante de um baile de gala dos primeiros anos
de 1900 e Mata-hari, dançarina exótica onde os olhares masculinos
ficavam presos como melaço, fazia parar o trânsito de peões na
Baixa da cidade.
O
seu caminhar, leve e deslizante mas bem marcado e assente em longos
saltos-altos, de musa encantada, que parecia resvalar sobre nuvens,
acompanhado com sombra escura em redor dos seus olhos negros,
conferia-lhe uma aura mística de personagem densa de energia
espiritual.
Para
um aspirante a jornalista que, detestando a vulgaridade, se debruça
sobre tudo o que seja original e peça de arte viva que toca os
sentidos, chegar à “menina” Teresa Pena era o paradigma, o modelo, o tiro de sorte, para uma crónica há muito sonhada.
Se
muito esperei, nunca desesperei. Dizia-me o meu sexto-sentido que a
minha oportunidade haveria de chegar e realizar o meu intento. Foi
então que, num daqueles
dias
de sol a espreitar pelas frinchas da chuva, a encontrei em
esmerada cavaqueira
na
Loja da Lena, na Rua de Sargento-mor. E rapidamente, num silogismo prático
e interesseiro, dei por mim a pensar com os meus botões: Eureka!
Estou salvo! É hoje! Vou pedir à Lena que mova a sua influência
perante a minha diva e personagem desta crónica.
E foi o que aconteceu. A Lena falou e a Teresinha
imediatamente confiou. E contou. Obviamente que não vamos falar de
quantas primaveras já passaram na sua vida –porque os anjos são
eternos. Tem os anos desde que nasceu até hoje. E desde que trintou
nunca mais lembrou.
Como
se ansiasse por “despejar”
o saco das memórias a um simpático desconhecido, a “menina”
Teresinha, sempre
na primeira
pessoa do verbo, desenrolou o
longo manto de efabulação que, por ventura, teria sido a sua vida.
Senhora
de um alter-ego construído em longas noites de insónia, desde
o seu casamento com um médico militar até ser a mulher mais linda
de Macau, não se sabia onde terminava a realidade e começava a
imaginação.
Sem
deixar substituta, subitamente, há
cerca de quatro anos, desapareceu
do nosso meio. As ruas estreitas, os becos e outra ruelas, pela
sombra constante de luto,
nunca mais foram as mesmas. Mais
tarde, sem vislumbrar a morada, conseguimos saber que,
pela sua longa idade nunca confessada e fragilidade física notória,
por indicação de sua filha, teria
recolhido
a um lar, em direcção do norte do país. Correu
o boato, nunca desmentido, que, por necessidade de ícones no além,
Deus a teria chamado para dar uma certa ordem no Céu.
Depois
de muito desbravar nas ondas da contra-informação, ficámos a saber
que a nossa celebridade e fonte de inspiração está muito perto de
nós. Agora
com 90 anos, Teresinha,
embora com alguns períodos obscuros de tempos-a-tempos, está com
bom discernimento mental. Pela parte física, as pernas já mostram o
cansaço de muitos dias e desloca-se em cadeira de rodas. A
nossa estrela, que tanto iluminou os nossos dias e noites,
encontra-se no Solar Billa Donnes, em Figueira de Lorvão, Penacova. Se
quiser saber algo mais ou dar uma palavra de apreço a uma mulher que
não podemos esquecer, porque marcou um tempo na Baixa de Coimbra e
faz parte, por mérito próprio, da nossa galeria “Rostos Nossos(Des)conhecidos”, pode ligar para o número 23947002. Sem lhe
perguntar, tenho a certeza que a “menina”
Teresinha Pena muito grata ficará.
1 comentário:
obrigado pela atualização. Folgo em saber que a D.Teresa, passado um ano, ainda se encontra entre nós.
Na altura cheguei a levar para lá uma copia dos seus escritos sobre ela.
Todos concordaram que o cognome a rainha lhe assentava na perfeição.
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