Ontem,
a TVI, num trabalho de responsabilidade da jornalista Alexandra
Borges, presenteou-nos com uma reportagem sobre abuso sexual de
menores.
Sob
duas frases interrogativas - “Pode um professor condenado por
abuso sexual continuar a dar aulas? Pode uma educadora de infância
condenada por lenocínio ter uma escola?” -, a peça
consubstanciava a resposta em dois factos: um, o de um professor
condenado a três anos com quatro de pena suspensa estar a dar aulas
numa escola de Avanca, Aveiro, e, outro, o caso de uma senhora
condenada a três anos de prisão efectiva, por se ter envolvido
sexualmente, juntamente com o amante, com crianças.
Já
que apareciam com tarja no rosto, se na identificação dos
envolvidos nada há a apontar ao canal de Queluz de Baixo, já ao
serem mostrados os locais de trabalho dos condenados,
e numa das situações, ter dado aso a uma entrevista ao director do
agrupamento, a
meu ver, deixa
muito a desejar e
é deveras criticável
no que toca ao sentimento de justiça - antes de prosseguir vou
clarificar o que entendo por “sentimento
de justiça”.
Dividindo em duas partes, “sentimento”
e “justiça”,
vamos começar pelo primeiro. De grosso modo, sentimento
é a emoção que todos os seres biológicos sentem na sua vivência
quotidiana, a dormir ou acordados. “Todos
os seres humanos nascem com um senso inato de valores positivos e
negativos”.
Os
positivos,
como exemplo, entre
outros, podem ser a
justiça, honestidade, verdade, beleza, humor, vigor. Os
negativos,
como exemplo, podem
ser o contrário da lista de positivos, ou seja, a injustiça, a
desonestidade, a mentira, a falsidade, a feiura, a
sisudez, a languidez.
Mas
há uma questão que marca toda a diferença: embora todos nasçamos
com um senso inato, nem todos o aferimos da mesma maneira. Isto é, o
que é positivo (justo) para uns pode perfeitamente ser negativo
(injusto) para outros.
Por
outro lado, Justiça, embora
reacção (sentimento) que os humanos expressam, é também um
conceito abstracto, um estado ideal de inter-acção social, juízo
ou opinião, onde predomina o equilíbrio imparcial
entre os interesses
das partes em confronto. Por ser um intuito automático em cada um de
nós, daí ser considerado por Cícero a maior virtude das virtudes.
SEM
ESQUECER O FIO CONDUTOR
Voltando
à reportagem da TVI,
vamos
por partes. Se o canal privado, na
peça,
tinha
por objecto alertar os telespectadores em geral para o abuso sexual
de menores e a forma como o Ministério da Educação encara a guarda
das crianças em escolas deveria fazê-lo sem particularizar, não
mostrando pessoas ou instituições. Isto sim seria serviço público.
Uma
coisa é exigir que o Estado, através de colocação de psicólogos
nas escolas, cumpra a parte que lhe cabe na prevenção
e guarda
das crianças, outra é criar fantasmas em cada recanto dos centros
de convivência escolares.
Pelo
contrário, como fez, ao distinguir os actores -mesmo com sombreado
no
rosto
– e precisar os estabelecimentos de ensino, isto foi provocar
alarme social. Por
conseguinte, em nome de um aparente bem maior que
é a defesa das crianças, a televisão, envolvendo todos no mesmo
saco e sem respeitar regras de ética e moral, perseguindo apenas uma
intenção de manipulação, transforma a sua própria desregulação
como justa e as normas da justiça e princípios da tutela da
educação como injustas. Não podemos esquecer que este meio de
informação, embora privado mas
de carácter público, é formador de opinião, por isso mesmo deve
ser isento. Ora, como se calcula, ao apresentar o programa embrulhado
em laivos de sensacionalismo e já vinculado a um pensamento único
elaborado pela jornalista ou redacção, não deixa
espaço para a conjectura social. E este contraditório, com hiato
para isso acontecer, é imperioso, exige-se
que exista.
PROVAVELMENTE
SÓ EU VEJO ASSIM
Bem
sei que a maioria não vai concordar que o que estou a plasmar, mas
tratar alguma casuística como geral é um caminho perigoso, aliás,
perturbador da ordem social.
Por
outro lado -e já bati na mesma tecla no caso da reportagem da
TVI
sobre Manuel Maria Carrilho -,
a jornalista, como princípio do seu Código Deontológico, mesmo
após o transitado em julgado, pelo humanismo inerente à função
profissional, deve salvaguardar a presunção de inocência dos
sancionados
para casos futuros. Aliás, na peça informativa é dito que foram
condenados por abuso sexual de menores 5758 pessoas e só 436
reincidiram. Ou seja, menos de 10 por cento voltou a cair no mesmo
erro. Afirmar-se
que
estas pessoas, depois de pagarem na justiça pelas suas falhas, não
estão aptas, ou não têm capacidade para trabalharem com crianças
é um juízo abusivo.
Em
tese, na generalidade, com
as coisas vistas desta maneira, qualquer
sentenciado em trânsito em julgado não poderia trabalhar mais na
sua área profissional. Não é assim, porque cada caso é um caso.
Não se
deve
julgar todos pela mesma bitola narcisista.
Claro
que não será despiciente duas premissas importantes: a primeira, é
que, enquanto mensagem, o abuso sexual de crianças, pelo temor e
pânico que gera na comunidade, passa imediatamente sem obrigar a uma
reflexão. A segunda, creio, é o facto de a castração química
para predadores sexuais estar a entrar nas nossa casas por via do
“Chega”,
com estatutos entregues no Tribunal Constitucional e partido a formar
ainda por André Ventura.
Para
terminar, esta forma de tratar a excepção como regra é perversa. É
certo que não vivemos numa sociedade perfeita, onde a
contra-ordenação surge ao virar da esquina, mas não podemos
esquecer a integração de quem prevaricou.
ARTIGO RELACCIONADO
"Jornal Público: Violência Sexual sobre crianças"
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