quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

A TVI E A TENTATIVA DE RESVALAR A SOCIEDADE PARA A FOSSA

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Ontem, a TVI, num trabalho de responsabilidade da jornalista Alexandra Borges, presenteou-nos com uma reportagem sobre abuso sexual de menores.
Sob duas frases interrogativas - “Pode um professor condenado por abuso sexual continuar a dar aulas? Pode uma educadora de infância condenada por lenocínio ter uma escola?” -, a peça consubstanciava a resposta em dois factos: um, o de um professor condenado a três anos com quatro de pena suspensa estar a dar aulas numa escola de Avanca, Aveiro, e, outro, o caso de uma senhora condenada a três anos de prisão efectiva, por se ter envolvido sexualmente, juntamente com o amante, com crianças.
Já que apareciam com tarja no rosto, se na identificação dos envolvidos nada há a apontar ao canal de Queluz de Baixo, já ao serem mostrados os locais de trabalho dos condenados, e numa das situações, ter dado aso a uma entrevista ao director do agrupamento, a meu ver, deixa muito a desejar e é deveras criticável no que toca ao sentimento de justiça - antes de prosseguir vou clarificar o que entendo por “sentimento de justiça”. Dividindo em duas partes, “sentimento” e “justiça”, vamos começar pelo primeiro. De grosso modo, sentimento é a emoção que todos os seres biológicos sentem na sua vivência quotidiana, a dormir ou acordados. “Todos os seres humanos nascem com um senso inato de valores positivos e negativos”.
Os positivos, como exemplo, entre outros, podem ser a justiça, honestidade, verdade, beleza, humor, vigor. Os negativos, como exemplo, podem ser o contrário da lista de positivos, ou seja, a injustiça, a desonestidade, a mentira, a falsidade, a feiura, a sisudez, a languidez.
Mas há uma questão que marca toda a diferença: embora todos nasçamos com um senso inato, nem todos o aferimos da mesma maneira. Isto é, o que é positivo (justo) para uns pode perfeitamente ser negativo (injusto) para outros.
Por outro lado, Justiça, embora reacção (sentimento) que os humanos expressam, é também um conceito abstracto, um estado ideal de inter-acção social, juízo ou opinião, onde predomina o equilíbrio imparcial entre os interesses das partes em confronto. Por ser um intuito automático em cada um de nós, daí ser considerado por Cícero a maior virtude das virtudes.


SEM ESQUECER O FIO CONDUTOR

Voltando à reportagem da TVI, vamos por partes. Se o canal privado, na peça, tinha por objecto alertar os telespectadores em geral para o abuso sexual de menores e a forma como o Ministério da Educação encara a guarda das crianças em escolas deveria fazê-lo sem particularizar, não mostrando pessoas ou instituições. Isto sim seria serviço público. Uma coisa é exigir que o Estado, através de colocação de psicólogos nas escolas, cumpra a parte que lhe cabe na prevenção e guarda das crianças, outra é criar fantasmas em cada recanto dos centros de convivência escolares.
Pelo contrário, como fez, ao distinguir os actores -mesmo com sombreado no rosto – e precisar os estabelecimentos de ensino, isto foi provocar alarme social. Por conseguinte, em nome de um aparente bem maior que é a defesa das crianças, a televisão, envolvendo todos no mesmo saco e sem respeitar regras de ética e moral, perseguindo apenas uma intenção de manipulação, transforma a sua própria desregulação como justa e as normas da justiça e princípios da tutela da educação como injustas. Não podemos esquecer que este meio de informação, embora privado mas de carácter público, é formador de opinião, por isso mesmo deve ser isento. Ora, como se calcula, ao apresentar o programa embrulhado em laivos de sensacionalismo e já vinculado a um pensamento único elaborado pela jornalista ou redacção, não deixa espaço para a conjectura social. E este contraditório, com hiato para isso acontecer, é imperioso, exige-se que exista.


PROVAVELMENTE SÓ EU VEJO ASSIM


Bem sei que a maioria não vai concordar que o que estou a plasmar, mas tratar alguma casuística como geral é um caminho perigoso, aliás, perturbador da ordem social.
Por outro lado -e já bati na mesma tecla no caso da reportagem da TVI sobre Manuel Maria Carrilho -, a jornalista, como princípio do seu Código Deontológico, mesmo após o transitado em julgado, pelo humanismo inerente à função profissional, deve salvaguardar a presunção de inocência dos sancionados para casos futuros. Aliás, na peça informativa é dito que foram condenados por abuso sexual de menores 5758 pessoas e só 436 reincidiram. Ou seja, menos de 10 por cento voltou a cair no mesmo erro. Afirmar-se que estas pessoas, depois de pagarem na justiça pelas suas falhas, não estão aptas, ou não têm capacidade para trabalharem com crianças é um juízo abusivo.
Em tese, na generalidade, com as coisas vistas desta maneira, qualquer sentenciado em trânsito em julgado não poderia trabalhar mais na sua área profissional. Não é assim, porque cada caso é um caso. Não se deve julgar todos pela mesma bitola narcisista.
Claro que não será despiciente duas premissas importantes: a primeira, é que, enquanto mensagem, o abuso sexual de crianças, pelo temor e pânico que gera na comunidade, passa imediatamente sem obrigar a uma reflexão. A segunda, creio, é o facto de a castração química para predadores sexuais estar a entrar nas nossa casas por via do “Chega”, com estatutos entregues no Tribunal Constitucional e partido a formar ainda por André Ventura.
Para terminar, esta forma de tratar a excepção como regra é perversa. É certo que não vivemos numa sociedade perfeita, onde a contra-ordenação surge ao virar da esquina, mas não podemos esquecer a integração de quem prevaricou.

ARTIGO RELACCIONADO

"Jornal Público: Violência Sexual sobre crianças"

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