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Faz
hoje uma semana que se realizou a manifestação de (alguns)
comerciantes em frente aos Paços do Concelho. Precisamente no dia 20
de Dezembro. Citando a imprensa, cerca de quatro dezenas de pessoas,
entre patrões, empregados, amigos e simpatizantes. Segundo a justificação dos
organizadores conhecidos no meio e desconhecidos para o grande
público, este protesto teve origem no começo das obras municipais
no “Bota-abaixo”, em 11 deste mesmo Dezembro, a quatorze dias do
Natal, e constituiu a “gota de água” para um copo que já
estava cheio.
Agora
que a poeira já assentou, sendo o mais objectivo possível, embora a
ironia tenha de prevalecer em conta-corrente, apresentando todas as
premissas, em tempo de balanço, com perguntas e respostas, vamos
tentar fazer uma análise, entre custos e proveitos, do resultado da
protestação.
Para
melhor entender, comecemos então com uma pergunta de logística:
Quem
foram os organizadores?
Foram
cinco comerciantes, curiosamente todas senhoras, há poucos anos
instaladas na Baixa com vários ramos de negócios, desde hotelaria,
calçado, marroquinaria, artesanato e cortinados e artigos de
iluminação.
Por
que não se assumiram oficialmente no protesto?
Em
especulação, foi o medo de virem a ser prejudicadas pela
administração, no futuro. Mostrando um grupo, sem identificação,
em detrimento de um ou vários rostos visíveis, é mais fácil
passar por entre os pingos da chuva. O problema é que uma
manifestação sem líder, ou líderes, fica completamente esvaziada
de sentido e perde a eficácia que a deveria sustentar. Só para
exemplificar, segundo uma testemunha que pediu o anonimato, o Diário
de Coimbra pretendeu fazer um trabalho de reportagem na
segunda-feira, dia 18, e não o fez por não conseguir alguém da
organização que se identificasse.
Do
ponto de vista sociológico, não deixa de poder constituir um “caso
de estudo” como é que passados mais de quatro dezenas de anos de
democracia o medo de dar a cara ainda prevalece.
E
havia razões para a convocação?
Sem
qualquer dúvida que havia. No caso concreto das obras do Largo das
Olarias, como escrevi no próprio dia, tendo em conta que o
“Bota-abaixo” é um dos pórticos de entrada para o comércio e
serviços da Baixa, não fez qualquer sentido iniciar a troca do
pavimento a poucos dias do Natal. Aliás, como se a Natureza se
encarregasse de mostrar a precipitação, a aselhice política, as
obras viriam a ser interrompidas pelo rebentamento de uma conduta de
gás.
Por
outro lado, e a consubstanciar, há muitos anos que a Baixa está
abandonada pela autarquia. Tomando como marco o ano 2000 -o actual
presidente, Manuel Machado, esteve à frente da edilidade até 2001,
ano em que perdeu para a coligação PSD/CDS-, a câmara municipal,
através dos seus executivos, esteve sempre de pernas abertas para
licenciar novas grandes áreas comerciais. Machado, no seu
magistério, assistiu à abertura de duas, Continente e Makro, em 1993, e
deixou os planos quase prontos para o licenciamento do Fórum
Coimbra, Dolce Vita -hoje Alma Shopping- e Retail Parque de Taveiro.
O que veio substituir Machado na cadeira do poder, Carlos Encarnação,
continuou a colocar a assinatura em novas grandes e médias
superfícies. Hoje, em Coimbra, existem uma dezena e meia de pontos
de venda que rivalizam -contrário de concorrer- com as lojas de rua.
Mas,
sendo assim, não se entende a divisão entre comerciantes. Ou
entende?
Entende
sim. Reza o princípio da paz que a uma agressão perpetrada não se
deve responder com outra ofensiva similar. Quero dizer que se o
executivo agiu mal ao iniciar a façanha a poucos dias da eventual
melhor época de vendas, no mesmo modo, não se deve pedir para
encerrar as lojas a três dias do Natal, e foi o que os protestantes
fizeram. Só por este pedido se vê que tudo foi feito em cima do
joelho e sem pensar.
Por
outro lado, deu para ver que os manifestantes sabem bem o que
precisam para aguentar estes tempos difíceis, no entanto não sabem
o caminho para o conseguir. Por outras palavras, em certos casos,
reivindicam à autarquia poderes decisórios que a lei não lhe
confere.
Estou
convencido que foi esta desorganização, acoplada com o momento
menos próprio para o efeito, que perpassou e fez abortar a
participação colectiva.
Por
outro lado, por ter sido tudo feito no curto tempo de uma semana, a
mensagem não chegou aos destinatários.
Por
outro lado ainda, parece-me, foi estabelecido um certo conflito de
estigma entre estes comerciantes mais novos e os mais velhos. Como se
os mais velhos não tivessem noção do que se está a passar, nunca
tivessem feito nada para denunciar, e estivessem bem de vida.
Por
outro lado ainda mais, para além de ser uma questão económica,
sendo a regeneração da Baixa da cidade essencialmente uma demanda
política não fez sentido arredar com algum desdém a oposição da
solução deste imbróglio. A revitalização desta área velha,
inevitavelmente, só se fará com o total apoio das forças
partidárias representadas no executivo municipal.
Mas,
foi mesmo tudo feito em cima do joelho?
Foi
sim! Salvo melhor opinião, houve uma intenção de, por parte das
cinco estrelas, cada uma poder brilhar mais do que a outra. De tal
modo foi assim que acabaram a ofuscar-se no conjunto e a projectar a
sombra e a dúvida sobre a classe que representavam. Foi tudo feito
sem organização. Tudo começou com um pedido de uma das
organizadoras para dois comerciantes, eu próprio e Francisco Veiga,
falarmos dos problemas da Baixa para o Correio da Manhã/CMTV. Quando
estávamos a ser entrevistados, uma outra senhora, num grupo de
ocasião ali formado, anunciou que ia haver uma manifestação em
frente à Câmara Municipal de aí a uma semana.
Com
o título “comércio: quando a crise aperta”, escrevi uma crónica algo satírica a considerar um erro de palmatória o que se estava a fazer
sem planeamento. Ora, o que eu fui fazer! Quem me mandou exercer o
direito de não concordar com a acção? Levei bem para contar!
Depois, para entornar o caldo todo, ainda tive a ousadia de escrever
outro texto sobre o comunicado apócrifo que andou a ser distribuído
pelas lojas. Desde ser insultado pessoalmente, até muitas críticas
de ignomínia no Facebook, até vários colegas deste grupo de mais
novos cortarem comigo, houve de tudo. Pelos resultados obtidos, o
futuro veio dizer que estava certo, mas isso não interessa nada! O
que importa, isso sim, sob o ponto de vista de alguns manifestantes,
“é que se fez história” (sic).
Aos
agressores que não gostam do contraditório, fica aqui o recadito:
já estou recomposto, muito obrigados! Podem prosseguir. Como sou um
bocadito teimoso, já me estou a pôr a jeito outra vez. Batam
novamente nesta pobre alma!
E
sobre o que se fez, valeu a pena?
Considerando
que toda a acção gera reacção, inevitavelmente aquele evento
alguma consequência vai ter. Um valor maior, pelo menos,
desencadeou: a declaração de reconhecimento que, de facto, a Baixa
caminha nua e o poder político, no caso actual, com o executivo PS,
com o presidente Manuel Machado à cabeça, a mostrar que é igual
aos seus antecessores e se está a marimbar para a degradação desta
zona velha.
Mas,
Afinal, o que falta?
É
preciso clarificar que a reconstrução da zona, tendo chegado ao
estado a que chegou, já não passa por meras medidas de cosmética.
Devemos tomar nota que a Baixa assenta em três pilares:
habitação, comércio e serviços (públicos e privados) e turismo. Acontece que as três super-estruturas estão debilitadas e
com rombos. Então, a ser assim, é necessário um plano de
rejuvenescimento que passe pelo melhoramento das três bases.
No
que concerne à habitação, é urgente criar planos de crédito para
revitalizar o edificado particular. Mais, o governo de Passos Coelho
aumentou a tributação sobre os arrendamentos habitacionais e
comerciais de 15 para 28 por cento. É preciso voltar atrás para os
índices praticados anteriormente, já que o Estado está a ser o
maior especulador imobiliário de que há memória. Através da total
isenção de IMI, Imposto Municipal sobre Imóveis, é preciso
contratualizar a vinda para esta zona velha de novos inquilinos. Mas,
atenção, é preciso fazer regressar cidadãos com algum poder
económico para poder desenvolver o comércio local e não como se
está a fazer. Hoje, de uma forma linear, retirando os estudantes com
habitação provisória, a Baixa está ocupada por velhos reformados
com pensões de miséria, pessoas a receber o RSI, Rendimento Social
de Inserção, e toxico-dependentes. Ou seja, com todo o respeito por
toda esta estirpe, habitantes que, pela carência financeira, pouco
consomem. Não é preciso ser político para ver que se está a criar
um gueto.
Nos
serviços, sobretudo no público, é preciso fazer regressar as
direcções-gerais que nos foram roubadas pelo governo de Sócrates
-entre 2005 e 2010.
No
que mexe no Turismo, é preciso ter a coragem de acabar com o feudo
da Universidade de Coimbra e a Fundação Bissaya Barreto (Portugal dos
Pequenitos). O fluxo turístico tem de ser obrigatoriamente
distribuído por toda a Baixa e acabar com a dicotomia Alta e margem
esquerda. É preciso ver o que se passa com o posto de turismo da cidade.
No
que toca ao comércio tradicional, chegou a um tal ponto de
fragilidade que já não chegam directivas conjunturais -como mais
policiamento nas ruas, mais iluminação pública, mais limpeza, mas
estacionamento gratuito. São precisas medidas estruturais
saídas do Governo e da Assembleia da República. Considerando que a
oferta no país, de norte a sul, está saturada é preciso cancelar
novos licenciamentos para grandes e médias superfícies.
Paralelamente ao fornecimento de crédito ao consumo, é urgente
conceder crédito às empresas para sobreviverem. Um dos maiores
problemas dos espaços comerciais na cidade é a sua
descapitalização, como se verifica no pouco artigo exposto para
venda. E mais, é preciso pensar em aumentar o limite de isenção de
IVA -actualmente, creio, é de 10 mil euros. As pequenas lojas de
rua, para conseguirem vender, estão a chamar a si o pagamento do
Imposto de Valor Acrescentado. Como é de prever, este comportamento
leva à insolvência.
E
a oposição não deve ser responsabilizada?
Como
disse em cima, o estado de abandono do Centro Histórico deve-se ao
assobiar para o lado da composição dos executivos municipais, PS,
PSD, CDS, CDU, CpC (um mandato) pelo menos, nos últimos vinte anos.
Nesta
altura, a criar alguma esperança de rompimento com o “status quo”,
situacionismo, há uma força política nova no executivo (Somos
Coimbra).
Há
um porém: as forças políticas representadas na Câmara Municipal,
da esquerda à direita, por um lado, ignoram completamente os
problemas que assoberbam e preocupam os comerciantes, por outro, não
acreditam que os lamentos de tragédia são reais. Nas suas cabeças
criaram uma espécie da lenda da vinda do lobo mau. Durante as
últimas décadas, sem comparação com os dias de hoje, os
profissionais do negócio andaram sempre a clamar que as coisas
estavam muito más. Tais queixumes massificados criaram uma imunidade
para o actual alerta de desgraça que bate a todas as montras.
E
como classificar a actuação de Manuel Machado no dia da
manifestação?
Para
quem anda por cá há muitos anos como eu, a sua forma de agir no dia
da manifestação, ao não receber os manifestantes ou mandar alguém
em sua representação, não constituiu surpresa. Como disse em cima,
pela insensibilidade, este político local eleito pouco difere dos
anteriores: não sabe o que se passa no comércio de rua, não quer
saber, não procura conhecer. Tem uma visão maniqueísta, entre a
construção de rotundas e arranjos de ruas, e pouca humildade para
aceitar que a Baixa precisa de um plano integrado para que a sua
desertificação não leve ao mesmo que está acontecer com o
interior do país. É preciso dizer em alta voz: os edis locais, por manifesta
partidarização, conluio e submissão ao poder central, são os grandes
culpados do que está acontecer ao comércio tradicional, em Portugal.
Mas, afinal, o que se
deve fazer para salvar a Baixa?
A
meu ver, se fosse possível, deveria ser constituído um grupo de
trabalho, entre comerciantes e APBC, Agência para a Promoção da
Baixa de Coimbra -cujas declarações e posicionamento sobre a
manifestação dos comerciantes foram lamentáveis e, naturalmente,
formaram cisão- para inventariar os problemas. Em seguida
apresentá-los ao executivo municipal. Se houvesse franco diálogo e se
verificasse boa-vontade em, um-a-um, indo resolvendo as tais maleitas
de conjuntura -como alguma gratuitidade do estacionamento público,
policiamento, iluminação pública, etc,- e a seguir que o
presidente da edilidade, e também como líder da Associação Nacional de Municípios Portugueses, se comprometesse a levar ao Governo o estado
caótico em que se caiu -por que não se pense que estas dificuldades
são um um exclusivo de Coimbra- e a exigir políticas de
discriminação positiva para o comércio tradicional nacional.
Por
outro lado, se não fosse possível levar o projecto para a
frente, por incapacidade de envolver o executivo na solução,
deveria ser formado um grupo de trabalho entre comerciantes e APBC e,
semanalmente, apresentar um tema para resolução no executivo
municipal.
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