Apesar
dos dias solarengos e sem chuva -era tão normal nesta época cair
morrinha-, com o Sol a irromper por nesgas e betesgas e a beijar
descaradamente as ruas largas, Visconde da Luz e Ferreira Borges, e
largos e praças como a 8 de Maio e a Portagem, a verdade é que,
pela proximidade do Natal, se nota uma ausência de essência, de
qualquer coisa que falta na Baixa. Como se o circundante estivesse
petrificado em pedras milenares e lhe faltasse o encantamento, a
magia, desta época, “pressente-se” uma tristeza no ar, uma certa
carência do espírito de outros tempos e tão envolvente nesta
quadra. É como se os adultos se apresentassem mais velhos, não
amolecessem, se mostrassem de rostos duros e fechados, e não ganhassem
aquele brilho nos olhos que os transforma e faz parecer crianças
crescidas.
A
pergunta que emerge é: porquê? Claro que não sei, nem
procuro dar resposta objectiva. No máximo posso especular sobre o
perceptível -aos meus olhos- esmorecimento sorumbático que se
abateu sobre a maioria -digo eu- de pessoas que transitam pelo
“bairro baixo” -a título de curiosidade, em meados do
século XIX a Baixa era tratada como o “bairro baixo” e a
Alta como o “bairro alto”. Como a tristeza é contagiosa,
como se adivinha, passou também para os turistas, que nos visitam, e
para os comerciantes.
Prosseguindo,
por um lado, tenho para mim que a acelerada mudança de costumes está
enterrar a alma do Natal em campa rasa. As crianças ainda acreditam
no Menino Jesus? Ainda projectam no Pai Natal o mítico fornecedor de
brinquedos especiais? Sem pretender ser conclusivo, creio que não.
Pela materialização, pela necessidade de saber e mostrar tudo e
fazendo cair os mitos, pela desvalorização das coisas, o feitiço
desapareceu. Salvo pequenas parcelas da população portuguesa, os
nossos infantes de hoje não têm dogmas, não crêem em entidades
sobrenaturais, são seres pragmáticos gerados num tempo de
informação com acesso rápido a todas as perguntas, são extensões
computorizados. O dogma, enquanto
materialização do pensamento assente na convicção de existência,
no acreditar sem ver, assenta sobretudo na necessidade; na noção de
incompletude, e finitude, do homem, na dúvida em, com ajuda de algo
que o transcende, fazer acontecer. Portanto, se as crianças,
por um lado, são ainda muito tenras para pensar nestas questões
metafísicas, por outro, também é certo que é desde pequenino que
se semeia a crença. Ora, enquanto adultos, enquanto pais, digo eu,
estamos a construir pequenas máquinas que, aparentemente, sabem tudo
sobre a geografia do mundo mas não têm experiência real de nada. E julgam ser auto-suficientes. O
pior é que, por culpa nossa em tanto pretender a sua protecção,
são melindres de fragilidade e, obsessivamente, são tomados pelo
medo em pânico continuado.
E
os adultos? Por que já pouco ligam ao Natal? Se calhar, pelas crises
que a sociedade está a atravessar, da dissolução da família, da instabilidade económica, do desiquilíbrio social, na descrença da política. Pela falência de
um sistema económico que prometeu de mais e agora, depois da poeira
assentar, nos pede dividendos com muitos juros que mal conseguimos
saldar. Por outro lado, estou convencido que as tragédias que se
abateram sobre Portugal em Junho e Outubro espalhou no país uma
neurose colectiva. Ver centenas e centenas de pessoas na miséria,
psicologicamente, acabou por nos tocar a todos. Fez-nos ver que a
linha que divide o bem-estar hoje e o mal-estar amanhã é muito
ténue.
Por
outro lado, ainda no tocante à Baixa, o desinvestimento que a Câmara
Municipal de Coimbra fez este ano nas iluminações natalícias, nas
ruas, acentua e sublinha ainda mais a diferença com os tempos áureos
e, mesmo sem o querermos, a nostalgia entra dentro de nós, deprime, angustia, e gera ansiedade.
Se a aposta na felicidade colectiva deveria ser uma preocupação
constante dos líderes que nos governam, este procedimento do
presidente do executivo deixa muito a desejar. Será esta a sua
manifestação de carinho por Coimbra? Na sua valorização? Meu caro
Manuel Machado, enquanto parte dos conimbricenses, fico com a
impressão que ainda vamos acabar todos subnutridos de amor.
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