(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)
Na
semana passada faleceu Belmiro de Azevedo, um dos homens mais ricos
de Portugal. Antes de prosseguir, por que a morte para os mais
chegados é sempre um cordão que se parte entre as almas dos que
ficam e dos que partem, sinceramente, à sua família as minhas
sentidas condolências.
Passando
a tristeza do acontecimento que, para o bem e para o mal, toca todos,
desde o mais afortunado ao mais paupérrimo cidadão, sendo
politicamente incorrecto e ousando quebrar a monocórdica
glorificação, vou tecer algumas considerações acerca do senhor
Sonae.
Depois
de uma semana encharcada em comentários elogiosos ao desaparecido
engenheiro químico em tudo o que é imprensa escrita e falada,
passando por todos e mais alguns políticos distribuídos entre o
CDS/PP, PPD/PS e PS, até ao Presidente da República (PR) e ainda
com voto de pesar aprovado no Parlamento -com votos contra do PCP, e
abstenções do Bloco de Esquerda e PEV-, manifestando total
solidariedade à família e amigos, ficámos a saber que, para além
de grande empresário, Belmiro teve uma enorme capacidade de
“liderança, determinação, visão de futuro e empenhamento
social e cultural”, palavras elogiosas de Marcelo Rebelo de
Sousa, o mais alto magistrado da Nação.
O
INTERESSE LAVA MAIS BRANCO
Talvez
por não conhecer o finado e para além de comprar de vez em quando no Continente nunca ter tido outras relações comerciais com
as suas empresas, reconheço, tenho total liberdade para escrever o
que penso. Sabendo nós que o seu império nacional e internacional
se estende desde os aglomerados de madeira, turismo, comunicação
social, audiovisual, comunicações, retalho alimentar não é
admirar que os encómios nascessem como cogumelos. Se, por um lado,
até se entende que muitos comentadores de jornais e televisivos
exagerassem na exaltação -basta pensar nas receitas da
publicidade-, por outro, custa a entender como é que líderes
partidários e até o actual PR, que a seu tempo foram pura e
simplesmente insultados na sua integridade, não se contivessem mais e
usassem de alguma moderação no enaltecimento. Com frontalidade só
o PCP mostrou ter coluna vertebral e dignidade -o Bloco de Esquerda,
como pensa que vai ser governo qualquer dia e para não ser acusado
de anti-capitalista, optou pela abstenção e um texto assim assim no
site da “Esquerda.Net”. Da posição dos verdes (PEV) nem
se fala.
Por
que não ouvimos declarações de produtores, fornecedores, que
abastecem a sua cadeia de supermercados?
MAS,
BELMIRO FOI ASSIM TÃO BOM PARA O PAÍS?
Sem
questões ideológicas, entre esquerda e direita, a frio, tendo em
conta o que se passou com o extermínio de milhares de
estabelecimentos da área alimentar e outros ramos pelo país fora,
podemos afirmar e jurar com a mão na bíblia de que este empresário
teve uma enorme importância para o desenvolvimento de Portugal? O que se entende por desenvolvimento? O progresso, para o ser em pleno, deve ser integrado, em linha horizontal, e não em corte, na vertical. Mas os políticos-partididários pensam sobre esta questão crucial? Quantas desgraças provocou entre milhares de famílias portuguesas?
Quantos, pela falência recorrente, mandou para a miséria? Ainda que indirectamente -por que os
governos fizeram pior- por que estão o interior e grande parte do
litoral desertificados? Por que encerraram todas as pequenas
mercearias que davam vida aos pequenos lugarejos? Os seus cerca de
cinquenta mil empregos gerados, que as suas empresas garantem, justificam
tudo? E os milhares e milhares de desempregados que, através de subsídio, têm de ser suportados pelo
erário público?
É
claro que, nesta parte da destruição do comércio tradicional, não
está sozinho, outros houve (e há) que, com a total complacência dos executivos, chuparam até ao tutano o débil
tecido económico deste país.
Pelo
lado histórico, podemos até desculpar Belmiro de Azevedo. Afinal
Henry Ford, nos Estados Unidos, no dealbar do século XX, com a
implementação da linha de montagem automóvel, fez o mesmo. Porém,
pela sua esperteza e dinâmica empresarial, não o absolve de ter
feito a sua riqueza passando por cima de esqueletos dos mais simples
e ter provocado a desgraça em milhares de famílias. Infelizmente,
algumas grandes riquezas só foram acumuladas pelo sangre derramado
dos mais pobres. Enfim, é o curso natural das coisas. Se a maioria não vê, o que se há-de fazer? É a síndrome de Estocolmo -desculpabilizar e ganhar afeição pelo sequestrador- em toda a sua plenitude.
De
certeza absoluta que o liberal Adam Smith quando escreveu a “Riqueza
das Nações”, em 1776, estava longe de imaginar que mais de
dois séculos depois os dirigentes políticos com responsabilidades,
sem vergonha e sem balanço existencial, económico, social e
político, se iriam colocar de cócoras perante os mais abastados, discriminando a maioria dos cidadãos, e, pela desigualdade, denegrindo a bandeira nacional.
Triste Nação entregue a meia dúzia de grupos económicos!
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