Nas ruas largas da cidade, os
altifalantes colocados nos veículos, em alto som e acompanhados com música, como Messias Salvador, divulgam as propostas dos candidatos à autarquia de Coimbra. Todos anunciam uma
nova vida. As frases espalhadas ao vento parecem ter sido todas coladas com
cuspo. É “Juntos por Coimbra”, é “Coimbra com amor”. De repente, neste final de
verão, Coimbra passou a ser a amada, a venerada, a mãe de todas as virtudes.
Alheio a tudo isto, a este
ambiente de festa, um homem sozinho e amargurado sofre a bom sofrer. Mais que
certo com as lágrimas a correr pela face cansada de uma vintena de anos a
comandar um navio que, a navegar contra a corrente, verdadeiramente nunca dominou.
Sem apelo com agravo, sem pompa nem glória, sem memória pelo seu esforço, sem
uma palavra amiga pelos seu empenhados desempenhos, físico e financeiro, este comandante,
que dá pelo nome de António Barroso Martins, vê este cruzeiro que se chama “Império”, de cerca de sete décadas a
sulcar as águas deste lago de insensibilidade na Baixa de Coimbra, submergir
hoje. Fica o homem, porque é forte e a tudo resiste, mesmo aos sopapos da vida. Ele sabe que se vão os
anéis e ficam os dedos. Só perde quem tem alguma coisa para perder. Só larga
dor quem ama algo que como escultor na pedra dura viu surgir a obra-prima
saída do ponteiro e da sensibilidade do seu olhar. O amor é um processo
maturado em longas noites de insónia. Hoje morreu a nossa Império. A cidade está de luto. Até aqui ninguém se importou com
a saúde periclitante deste histórico e reputado café do Centro Histórico da
urbe. Amanhã, presume-se, haverá uma procissão para visitar a morte morrida deste ícone de memória. Haverá
frases angustiadas em jeito de interpelação Lapalissianas:
“a Império fechou? Não pode ser! Ainda
ontem estava aberta!”. Haverá outras que, como juiz em processo sumário,
sentenciarão: “as empresas nascem e
morrem. Ponto final!”.
Distante de todas estas
especulações, no escritório do primeiro-andar, António Barroso Martins, o dono
da Império nos últimos 20 anos, está
à minha frente de olhos semi-cerrados. Está conformado com o rumo que o destino
se encarregou de dar ao seu projecto existencial. “Eu tive culpa, sabe? Como todos os empresários, sou ambicioso. Tive
demasiada fé nas minhas forças e falhei. Eu fui o forcado que tentou pegar o
touro pelos cornos sozinho. Faltou-me a ajuda na retaguarda. Em 1993 esta casa
tinha 43 empregados. Estava na falência, sem crédito bancário e com dívidas de
mais de 40 mil contos, duzentos mil euros na nova moeda. Nessa altura a
economia como barco em alto mar velejava à bolina. Acreditei que era possível
manter o pessoal e, para não o despedir pagando elevadas indemnizações, fui injectando aqui dinheiro ganho em outros negócios. Tenho cá mais de um milhão de
euros que, como pó, desaparecerá ao vento. Tenho ainda 4 funcionários. Sinto
muita pena destes. Muita, mesmo! Dos outros seis, dos que desencadearam a
insolvência, nem por isso! Embora compreenda a sua motivação como credores. Mas
eu perdi muito mais aqui. Foram duas décadas da minha vida que se apagam hoje. Ainda
ontem, de manhã, fui à Loja do Cidadão, à EDP, pedir para pagar em prestações a
electricidade que estava na iminência de corte. Disseram que não era possível
fraccionar. Como sempre tenho feito nos últimos anos, peguei na minha reforma e
fui liquidar a dívida. Hoje fui surpreendido pela visita do administrador da
massa falida. Tenho de encerrar hoje mesmo. Perante isto, o que fazer? Hei-de
sobreviver! Vai ser muito duro, eu sei, mas não sou o único!”
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1 comentário:
nada sobrevive na baixa de coimbra.
a baixa da cidade vai ficar reduzida a po, pois estou convencido que tudo acabara por encerrar as portas, a baixa ja esta morta ha varios anos. e muito triste :(
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