terça-feira, 17 de setembro de 2013

O ÚLTIMO DIA DA NOSSA IMPÉRIO



 Nas ruas largas da cidade, os altifalantes colocados nos veículos, em alto som e acompanhados com música, como Messias Salvador, divulgam as propostas dos candidatos à autarquia de Coimbra. Todos anunciam uma nova vida. As frases espalhadas ao vento parecem ter sido todas coladas com cuspo. É “Juntos por Coimbra”, é “Coimbra com amor”. De repente, neste final de verão, Coimbra passou a ser a amada, a venerada, a mãe de todas as virtudes.
Alheio a tudo isto, a este ambiente de festa, um homem sozinho e amargurado sofre a bom sofrer. Mais que certo com as lágrimas a correr pela face cansada de uma vintena de anos a comandar um navio que, a navegar contra a corrente, verdadeiramente nunca dominou. Sem apelo com agravo, sem pompa nem glória, sem memória pelo seu esforço, sem uma palavra amiga pelos seu empenhados desempenhos, físico e financeiro, este comandante, que dá pelo nome de António Barroso Martins, vê este cruzeiro que se chama “Império”, de cerca de sete décadas a sulcar as águas deste lago de insensibilidade na Baixa de Coimbra, submergir hoje. Fica o homem, porque é forte e a tudo resiste, mesmo aos sopapos da vida. Ele sabe que se vão os anéis e ficam os dedos. Só perde quem tem alguma coisa para perder. Só larga dor quem ama algo que como escultor na pedra dura viu surgir a obra-prima saída do ponteiro e da sensibilidade do seu olhar. O amor é um processo maturado em longas noites de insónia. Hoje morreu a nossa Império. A cidade está de luto. Até aqui ninguém se importou com a saúde periclitante deste histórico e reputado café do Centro Histórico da urbe. Amanhã, presume-se, haverá uma procissão para visitar a morte morrida deste ícone de memória. Haverá frases angustiadas em jeito de interpelação Lapalissianas: “a Império fechou? Não pode ser! Ainda ontem estava aberta!”. Haverá outras que, como juiz em processo sumário, sentenciarão: “as empresas nascem e morrem. Ponto final!”.
Distante de todas estas especulações, no escritório do primeiro-andar, António Barroso Martins, o dono da Império nos últimos 20 anos, está à minha frente de olhos semi-cerrados. Está conformado com o rumo que o destino se encarregou de dar ao seu projecto existencial. “Eu tive culpa, sabe? Como todos os empresários, sou ambicioso. Tive demasiada fé nas minhas forças e falhei. Eu fui o forcado que tentou pegar o touro pelos cornos sozinho. Faltou-me a ajuda na retaguarda. Em 1993 esta casa tinha 43 empregados. Estava na falência, sem crédito bancário e com dívidas de mais de 40 mil contos, duzentos mil euros na nova moeda. Nessa altura a economia como barco em alto mar velejava à bolina. Acreditei que era possível manter o pessoal e, para não o despedir pagando elevadas indemnizações, fui injectando aqui dinheiro ganho em outros negócios. Tenho cá mais de um milhão de euros que, como pó, desaparecerá ao vento. Tenho ainda 4 funcionários. Sinto muita pena destes. Muita, mesmo! Dos outros seis, dos que desencadearam a insolvência, nem por isso! Embora compreenda a sua motivação como credores. Mas eu perdi muito mais aqui. Foram duas décadas da minha vida que se apagam hoje. Ainda ontem, de manhã, fui à Loja do Cidadão, à EDP, pedir para pagar em prestações a electricidade que estava na iminência de corte. Disseram que não era possível fraccionar. Como sempre tenho feito nos últimos anos, peguei na minha reforma e fui liquidar a dívida. Hoje fui surpreendido pela visita do administrador da massa falida. Tenho de encerrar hoje mesmo. Perante isto, o que fazer? Hei-de sobreviver! Vai ser muito duro, eu sei, mas não sou o único!”


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1 comentário:

Miguel disse...

nada sobrevive na baixa de coimbra.
a baixa da cidade vai ficar reduzida a po, pois estou convencido que tudo acabara por encerrar as portas, a baixa ja esta morta ha varios anos. e muito triste :(