São cerca de 14 horas nesta
última quinta-feira. Venho dos lados da Rua da Sofia. Como todos os dias, em
frente à Câmara Municipal vou ser barrado pelas jovens utentes da meritória obra
da Comunidade São Francisco de Assis, que me vão tentar sensibilizar para ou
comprar um objecto ou contribuir com uma moeda. Ainda que compreenda
completamente o fim deste peditório –porque contribuí no primeiro dia- sinto-me
quase agredido pela forma como é
feito –aliás, bem na mesma linha de outros para instituições de solidariedade que
se fazem nas ruas largas. Sinto um conflito, porque sei que se não se dirigirem
directamente aos transeuntes todos passam ao lado e nem um cêntimo cairá na
esperança de vida destas associações de solidariedade. Mas, por outro lado,
este género de aproximação, de abalroamento massivo, chateia e, porque caíram na
vulgaridade repetida, cria em nós anticorpos, uma má vontade imanente, que
faz repelir toda e qualquer solicitação, seja para boas ou más causas.
Perante a beleza da garota da Comunidade da Irmã Teresa não posso evitar lançar
um olhar ao seu belo colo. Estou velho, eu sei. Quando passamos a "alimentar-nos" e a contentar-nos com imagens, pressinto, estou realmente no epílogo da vida.
Paciência! Passemos à frente, que esta parte era perfeitamente desnecessária.
Com a bela rapariga ao meu lado, mesmo mirando os atributos que Deus lhe deu
–e que tenha compaixão de mim por esta minha fraqueza-, de uma forma cínica,
vou dizer-lhe: tenha dó! Não pode ser todos os dias, menina! Também sou
pedinte! Ela vai rir-se, pensando que estou a brincar –é interessante verificar
que quando falamos sério, dizendo a verdade, por parecer tão inverosímil, quase
nunca acreditam no que dizemos. Deixo a miúda de mão estendida. Nos poucos
metros que me separam da Praça 8 de Maio vou a pensar nesta triste realidade em
que estamos transformados. Uma obra tão meritória e de entrega ao próximo, como
sei que é esta da Comunidade de São Francisco de Assis, para sobreviver tem de
estar a prostrar a mão há vários dias naquele local. Sinto algum desassossego.
Deveria ser mais generoso. Deveria lembrar-me de outras ocasiões em que também
já pedi. Mas enfim! Avancemos, que estes desabafos não interessam nada a
quem lê.
Percorro uma dezena de
metros e estou agora no átrio da Igreja de Santa Cruz. No patim do vetusto
templo um homem realiza e apresenta um espectáculo de magia, inserido na 17.ª Edição dos
Encontros Mágicos de Coimbra. Em baixo, na pedra clara e plana, e em cima, na esplanada
do Café Santa Cruz, cerca de meia centena de pessoas assistem à performance
do artista estrangeiro, salvo erro espanhol.
Por momentos, vou parar e pensar.
É o circo na cidade. Tento ter uma conversa séria com os meus botões. Ilusoriamente,
como se me dividisse em dois heterónimos, começo a admoestar e a interrogar um
deles: “lá estás tu com essa mania de criticar tudo! Fosca-se! A animação não
faz falta à cidade? Se calhar, se não houvesse nada, às tantas, serias tu o
primeiro a criticar, não?”. Imaginariamente a minha outra personalidade vai
responder: “pois, bem sei que não é fácil de gerir uma colectividade. Tens
razão, mas, comparando com o acto de pedir para a obra de São Francisco de
Assis, há qualquer coisa que me coloca os cabelos em pé. Apesar de podermos
classificar ambos de espectáculos cénicos, no sentido do desempenho social, cada
um deles tem uma moral diferenciada. Um, o da irmã Teresa, de maneira altruísta,
salva crianças sem pais, forma pessoas para a vida, tentando evitar que caiam na
delinquência, e para o conseguir o que tem de fazer? Estender a mão à caridade.
A outra, a mostra de magia, numa linha de entretém, em que o circo substitui o
pão, distrai e ilusoriamente alimenta as massas. Mas há uma questão de pormenor, que é
demasiado importante para deixar passar em branco: estes shows, que começaram em 1998, inseridos na 17.ª Edição dos
Encontros Mágicos de Coimbra, este ano, durante cinco dias, custam ao erário
público a módica quantia de 36 mil e 500
euros mais IVA; no ano passado 31
mil e 609 euros mais IVA; em 2007 60 mil euros; em 2006
54 mil euros; em 2001 custaram 26 milhões 240 mil escudos, na nova moeda 130 mil e 1200 euros.”
Lá estás tu! Isso são mesmo pormenores!”
Lá estás tu! Isso são mesmo pormenores!”
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