Quem entra na Rua Direita pelo lado de Santa Cruz, mais
que certo, deverá parecer-lhe estar a entrar numa zona de guerra recentemente
bombardeada. Continua a andar e de repente, no meio de buracos no chão e
paredes semi-destruídas a esboroarem-se perdidas no espaço, depara-se com um
painel colorido com desenhos abstractos, numa das paredes de um edifício. Chama
atenção pelo contraste da ordem no meio de toda aquela desordem. No chão, podem
ainda ver-se sanitas e bidés, restos de um tempo passado, a servirem de vasos
com flores vivas, cactos e outras plantas de várias cores e cheiros. Certamente
a primeira interrogação de espanto surge assim: “mas será que interromperam as obras por causa daquele painel?”. Perante
um andaime montado ao lado da obra, pode ainda surgir outra: “mas fará sentido estar a alindar uma zona
cujo final, por obras da planeada nova Avenida Central, é a destruição de todo
o edificado?”.
Quem vai responder a estas
questões é Carlos Costa, de 53 anos, e até há pouco, durante 15 anos, a
trabalhar na Áustria e na Alemanha. Desempregado de longa duração, está há dois
anos em Coimbra. É o residente
encarregue de, diariamente, logo de manhã, abrir o portão de acesso gradeado. A
intenção é com os trabalhos de criação artística levar outros a participar
também. “É um projecto da Divisão de
Acção e Família, da Câmara Municipal de Coimbra, e inserido num programa
comunitário para a cidadania e igualdade –diz-me com clareza e convicção, e
apontando em redor. Repare nesta
envolvência decadente, de morticínio visual, que instiga à violência e faz eclodir
a depressão a quem por aqui vive e por cá passa como transeunte. Com a nossa
arte, orientada pela artista plástica Tatiana Santos, que cria os desenhos,
procuramos inverter esta tendência de devastação e desalento psicológico. As
cidades são o que dela fazemos. Desde a Primavera que todos os dias estamos de porta-aberta
para quem quiser mostrar o seu talento. Não recebo nada do Estado. Faço tudo
isto por gosto. Mantenho-me ocupado e o facto de estar a criar eleva a minha
auto-estima porque sei que estou a ser útil em alguma coisa. Com o meu exemplo
tento que outros me sigam. Felizmente que há sempre gente. Temos alturas de
estar aqui uma dezena de pessoas. Repare que todos materiais utilizados são coisas
velhas sem valor que teria por destino o lixo. Nós estamos a dar-lhe uma nova reutilização,
uma nova forma, uma nova vida. Enquanto não mandarem tudo abaixo neste corredor
ladeado por prédios, vamos fazer aqui grandes coisas como, por exemplo, uma
horta suspensa; sapatos perdidos que encontramos por aí e vamos pendurá-los
naquela parede –e aponta. Você já viu
aqueles desenhos na Avenida Fernão de Magalhães, paralelo à Loja do Cidadão?
Venha daí comigo”.
E lá vou eu apreciar aqueles quadrados
geométricos pintados na parede e que, por verificação anterior, pensava serem
painéis de azulejo que sempre ali existiram. Diz-me Carlos, “não, não! Estes desenhos são uma criação
nossa tendo por princípio um vulgar mosaico. Estão lindos, não estão?”
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