Nesta quinta-feira, última, estavam a bater as 14 da tarde
na torre da igreja de Santa Cruz quando, vindo cada um do seu canto, surgiram
os instrumentistas da denominada Orquestra
de Músicos de Rua de Coimbra e se instalaram a meio da Rua Visconde da Luz.
Eram o Emanuel Veiga, o Armando Pereira, o Lourenço Pina, o Luís Quintans, a
Celeste Correia e o Paolo Vasil. Era um dia especial por dois motivos. Primeiro,
porque, dentro de alguns minutos iria surgir uma equipa de jornalistas da TVI
para filmar a actuação do grupo e para ser apresentada em filme na edição de
terça-feira, dia 10 à tarde, no programa
de Fátima Lopes. O segundo motivo especial era que esta actuação na rua
seria a última em que estaria presente o acordeonista desta banda, Paolo Vasil.
No Sábado seguinte, dia 7, o Vasil abalaria de vez, em autocarro, na direcção
da Roménia e, mais que certo, levando Coimbra atravessada no coração.
Na rua grande, de tantos ruídos
incolores e odores impregnados, em afinação, começou a ouvir-se os primeiros
trinados das violas, como se estas estivessem carregadas de plangência, de
angústia e dor, pela partida daquele que, durante mais de dois anos, foi um classificado
e respeitado animador social no Centro Histórico. Sem que nada o fizesse
prever, da fila de transeuntes que calcorreiam a Baixa em passo dolente à hora
do almoço saiu uma senhora com um pequeno bilhetinho escrito na mão, com a
seguinte mensagem: “Que saudade que me
deixa! Até sempre! Isabel”. E, com as lágrimas a correr pelo seu rosto
bonito de boneca, abraça-se ao Paolo. No meio de soluços entrecortados por
separadores de sofrimento ia dizendo: “tenho
tanta pena que se vá! … Durante mais de dois anos o senhor, com a sua música,
foi o passarinho que me deu ânimo para eu aguentar os dias. Eu trabalho ali ao
lado, onde o senhor Paolo estava a tocar… Que falta que me vai fazer! Muito
obrigado, senhor Vasil, pela companhia que me fez durante todo este tempo!”.
E o pranto, dividido em mil gotículas de sal, escorria por aquela face bonita e
tão carregada de sensibilidade.
E os músicos de rua, perante um
magote de pessoas constituídas por muitos turistas a tirarem fotos, começaram a
tocar o tema “Amor Cortado”, que dá
mote ao seu recente trabalho editado em cd e com o título “Leva-me Contigo!”. Mal acabou este trecho já uma outra senhora
entrega uma rosa ao músico romeno e, abraçando-se, começa a chorar também. E
segue-se a segunda música “Uma moeda com amor”, cuja letra, em apelo sentido de todos os performers que fazem a sua
vida na rua, pretende chamar a atenção colectiva para uma consideração
necessária e legítima para quem, sem remuneração fixa de garantia de sustento,
presta um serviço público de entretenimento com amor.
E chegaram os jornalistas da TVI
e começou a audição e captação de imagens. Mais outra senhora, muito querida e conhecida
destes músicos já que quase diariamente contribui com uma moeda, deu um beijo
na face do acordeonista e lhe entregou um envelope.
Por pedido da equipa da TVI,
várias vezes se repetiu a canção “Uma
moeda com amor”. Neste meio tempo, passa a senhora Adelaide –que vende
pistachos, pinhoadas e amendoins na Praça 8 de Maio- com o peso de quase 90 anos e apoiada na sua bengala,
com passo ondulante e entrecortado, e, tal como em outras vezes, começou a dançar
ao som da música. Quem sabe para mostrar que o masculino também se dói, um
homem saiu da assistência, deixando uma nota de 5 euros na capa da viola e exposta
para o efeito. Dirigiu-se ao Paolo, abraçou-o, e disse: “muito obrigado, senhor Vasil. Vai fazer muita falta aqui à rua. Em nome
de Coimbra, o meu mais profundo agradecimento. Que Deus o acompanhe!”
E segue-se a repetição da música
a pedido da equipa da TVI. A terminar, outra senhora entrega uma flor e um
beijinho ao músico romeno e acompanhados de uma lágrima a rolar pelo rosto como
chuva de verão em campo de esteio ressequido.
O AMOR FRATERNO DENTRO DO PEITO
Na
sexta-feira, dia 6, véspera da partida do Paolo, a convite de Emília Martins, presidente
da OCC, Orquestra Clássica do Centro e que tanto tem apoiado esta “Orquestra de Músicos de Rua”, fomos os
três, Emília, Paolo e eu, almoçar ao restaurante Jardim da Manga. Numa espécie
de última serenata para uma mulher linda,
entendemos ali mesmo, naquela encantadora sala deste recomendado
restaurante da Baixa de Coimbra, dedicar-lhe
o tema “Mondego Triste”. E os
convivas deste reputado self-service, apanhados
de surpresa, bateram palmas com fragor à Emília, pela sua generosidade, e ao
Paolo pela sua partida que deixa mágoas de saudade numa cidade aparentemente
fria. De uma senhora próximo, mais um envelope foi entregue nas mãos do
viajante; e mais duas foram oferecer-lhe uma nota de euros.
No fim, fomos para pagar o
repasto e o proprietário, o senhor Francisco, o gerente da casa, declinou
receber com uma mensagem de ternura: “é
com muito gosto que oferecemos. Entenda isso como uma pequena homenagem a quem
fica e a quem parte!”
1 comentário:
Vale a pena viver???
Claro que sim!!!
Mesmo com o nó na garganta que as despedidas proporcionam, foi mais um hino à vida.
Abraço!
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