sábado, 9 de setembro de 2017

O INDIGENTE

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(Imagem da Web)




Conheço o António Manuel Seabra há mais de 30 anos. Tem agora 52 anos. Até há cerca de dois anos morou sempre na Alta da cidade. Também até há pouco mais do que isso e durante décadas trabalhou na Universidade de Coimbra. A Alta e a Baixa, passando pelas Escadas do Quebra Costas, foram sempre o seu teatro de paz existencial.
O Seabra é parente de grandes famílias -um seu familiar foi Ministro da Educação. Embora o meu conhecimento com ele fosse sempre um pouco distante -assim do género: bom dia, António. Estás bom?-, habituei-me a considerá-lo como se trata um vizinho sem grande intimidade. Entre nós houve sempre um respeito recíproco -pelo menos até há poucos anos. Foi sempre um homem calmo que, pressinto, mais que certo nunca levantou a voz para ninguém. Desde que me lembro dele, ainda moço, que intuí na sua forma de estar na vida alguma inadaptação à sociedade. Talvez porque andasse sempre acompanhado com “amigos do copo” fui formando a ideia de que o António era mesmo disfuncional, ou seja, codependente e incapaz de tomar as rédeas da vida com as suas mãos.

HÁ TRÊS ANOS A VIDA DESCAMBA...

Funcionário da Universidade de Coimbra de pleno direito, há cerca de três anos deu-lhe para fazer asneira da grossa e remível com cadeia. Sem pretender desculpabilizá-lo, talvez fruto de más companhias e de uma existência de prodigalidade com gastos maiores que os seus rendimentos, acabou a ser julgado no Tribunal de Coimbra há cerca de um ano. Certamente por não ter antecedentes, creio, apanhou pena suspensa. A consequência maior foi ter sido irradiado da função pública.
Hoje, de roupas sujas e sapatos gastos pelo tempo, passa as noites onde calha. Às vezes embriagado, é normal encontrá-lo a dormir durante o dia num banco junto à Loja do Cidadão ou na Praça do Comércio. O seu rosto, coberto de barba hirsuta, envelhecido e avermelhado, mostra que o álcool, como veneno ingerido diariamente, está a fazer a sua parte.
Encontrei-o ontem e, como de costume, interroguei como ia a sua vida. “Mal, muito mal! Durmo em entradas de prédios -esta noite dormi na Avenida Sá da Bandeira. O problema maior é a fome...”, respondeu-me. Perguntei: então não vais comer à Cozinha Económica? “Não, não vou! Como posso ir se tenho de desembolsar 1,70 € e nem um cêntimo tenho no bolso?”, enfatizou.
Depois de lhe pedir autorização para escrever sobre a sua história, fiquei a pensar que a sua narrativa pode estar mal contada, isto é, já estar sinalizado por uma assistente social e não ser bem assim. Mas e se for mesmo assim como ele conta?

UMA RESSALVA

Gostaria que este texto não fosse levado para a caridadezinha. O que pretendo dar eco é que um homem de 52 anos apenas, abandonado, sem eira nem beira, percorre estas pedras milenares da Baixa de Coimbra. E uma das várias instituições de apoio social que por aqui desenvolvem o seu trabalho devem sinalizá-lo e, primeiro, ver se de facto está a passar fome e, depois, tentar a sua ressocialização.
Provavelmente os mais duros de coração vão achar esta crónica comezinha e cheia de lamechice e dizer que ele está a apanhar os frutos que semeou. É verdade! Mas não foi julgado? E não está já a sofrer em dobrado o seu descaminho? Mais, sendo ele um desenraizado, um homem sem ânimo e incapaz de levantar um braço para pedir auxílio, uma alma perdida nos labirintos sociais, não teremos nós, eu, você e outros, obrigação de, no mínimo, pedir ajuda? O que vier a seguir, imagine-se que não quer mesmo ser ajudado, isso já nos transcende.
Este texto pretende apenas isso: uma mão estendida para ajudar o António Manuel Seabra.

(Texto enviado para a Divisão de Acção e Família, da Câmara Municipal de Coimbra)

1 comentário:

Anónimo disse...

A família tem conhecimento desta situação?
Pelo que sei,tem pelo menos 4 irmãos (Coimbra,Lisboa,Covilhã e ?)