(Imagem da Web)
Conheço
o António Manuel Seabra há mais de 30 anos. Tem agora 52 anos. Até
há cerca de dois anos morou sempre na Alta da cidade. Também até
há pouco mais do que isso e durante décadas trabalhou na
Universidade de Coimbra. A Alta e a Baixa, passando pelas Escadas do
Quebra Costas, foram sempre o seu teatro de paz existencial.
O
Seabra é parente de grandes famílias -um seu familiar foi Ministro
da Educação. Embora o meu conhecimento com ele fosse sempre um
pouco distante -assim do género: bom dia, António. Estás
bom?-, habituei-me a considerá-lo como se trata um vizinho
sem grande intimidade. Entre nós houve sempre um respeito recíproco
-pelo menos até há poucos anos. Foi sempre um homem calmo que,
pressinto, mais que certo nunca levantou a voz para ninguém. Desde
que me lembro dele, ainda moço, que intuí na sua forma de estar na
vida alguma inadaptação à sociedade. Talvez porque andasse sempre
acompanhado com “amigos do copo” fui formando a ideia de
que o António era mesmo disfuncional, ou seja, codependente e
incapaz de tomar as rédeas da vida com as suas mãos.
HÁ TRÊS
ANOS A VIDA DESCAMBA...
Funcionário
da Universidade de Coimbra de pleno direito, há cerca de três anos
deu-lhe para fazer asneira da grossa e remível com cadeia. Sem
pretender desculpabilizá-lo, talvez fruto de más companhias e de
uma existência de prodigalidade com gastos maiores que os seus
rendimentos, acabou a ser julgado no Tribunal de Coimbra há cerca de
um ano. Certamente por não ter antecedentes, creio, apanhou pena
suspensa. A consequência maior foi ter sido irradiado da função
pública.
Hoje,
de roupas sujas e sapatos gastos pelo tempo, passa as noites onde
calha. Às vezes embriagado, é normal encontrá-lo a dormir durante
o dia num banco junto à Loja do Cidadão ou na Praça do Comércio.
O seu rosto, coberto de barba hirsuta, envelhecido e avermelhado,
mostra que o álcool, como veneno ingerido diariamente, está a fazer
a sua parte.
Encontrei-o
ontem e, como de costume, interroguei como ia a sua vida. “Mal,
muito mal! Durmo em entradas de prédios -esta noite dormi na Avenida
Sá da Bandeira. O problema maior é a fome...”,
respondeu-me. Perguntei: então não
vais comer à Cozinha Económica? “Não, não vou!
Como posso ir se tenho de desembolsar 1,70 € e nem um cêntimo
tenho no bolso?”,
enfatizou.
Depois
de lhe pedir autorização para escrever sobre a sua história,
fiquei a pensar que a sua narrativa pode estar mal contada, isto é,
já estar sinalizado por uma assistente social e não ser bem assim.
Mas e se for mesmo assim como ele conta?
UMA
RESSALVA
Gostaria
que este texto não fosse levado para a caridadezinha. O que pretendo
dar eco é que um homem de 52 anos apenas, abandonado, sem eira nem
beira, percorre estas pedras milenares da Baixa de Coimbra. E uma das
várias instituições de apoio social que por aqui desenvolvem o seu
trabalho devem sinalizá-lo e, primeiro, ver se de facto está a
passar fome e, depois, tentar a sua ressocialização.
Provavelmente
os mais duros de coração vão achar esta crónica comezinha
e cheia de lamechice e
dizer que ele está a apanhar os frutos que semeou. É verdade! Mas
não foi julgado? E não está já a sofrer em dobrado o seu
descaminho? Mais, sendo ele um desenraizado, um homem sem ânimo e
incapaz de levantar um braço para pedir auxílio, uma alma perdida
nos labirintos sociais, não teremos nós, eu, você e outros,
obrigação de, no mínimo, pedir ajuda? O que vier a seguir,
imagine-se que não quer mesmo ser ajudado, isso já nos transcende.
Este
texto pretende apenas isso: uma mão estendida para ajudar o António
Manuel Seabra.
(Texto
enviado para a Divisão de Acção e Família, da Câmara Municipal
de Coimbra)
1 comentário:
A família tem conhecimento desta situação?
Pelo que sei,tem pelo menos 4 irmãos (Coimbra,Lisboa,Covilhã e ?)
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