Havia Natais tais, que ainda hoje se me alargam as narinas, arrebitam as papilas gustativas e me pára o cérebro no presente para que as imagens destas quadras natalícias do nosso passado comum ( pois nestas coisas seria muito semelhante ) possam ser revividas como se em opiatica alucinação me encontrasse. Oh que rico o cheiro à abóbora e à canela, ao pinhão que torra no forno-a-lenha exposto na côdea das broas-doces... Oh, ao doce aroma do esturrar do açúcar nos pratos de leite-creme, com espátula férrea em brasa, purificando os ares das recentemente caiadas cozinhas como se estivessem a ser catarticamente preparadas, tal altar-mor, por arquimandrita queimando incenso, purificado. Até o burralho tinha mais luz, desinfectado pela cal parecia convidar à descida do Menino que noite fora depositava nos recosidos de meias-solas sapatinhos prendas pobres que alegravam quem os calçava e nos envernizados sapatos de luva à estreia prendas ricas que, imagino eu, nunca saceava nem jamais farta quem sôfrego já nasceu. Como era doce o rapar do tacho depois de despejado o fumegante arroz-doce Coimbrão nas tão antigas, à mão pintadas, travessas dos "Berardos" mas que espelhavam como novas pois passavam a maioria dos dias na agora vazia, quase parecendo inútil cristaleira-da-sala invejosa por ver inchada com suplementar tampo a mesa de centro, adornada de alvo pano de linho trabalhado e recheada de guloseimas a maioria das quais só reaparecia, como que por magia, uma vez ao ano. Sim caro amigo, quando a saudade bate à porta, especialmente quando para matar essa por vezes " maldita amaldiçoada maldição " é necessário galgar seis mil kilometros, todos os sentidos são necessários . São viagens subconscientes mas que no subcutâneo são tão reais que ressurjo ora chorando ora rindo e por vezes chorando e rindo , chegando até a sentir medo quando me apercebo da profundeza do lugar a que me transporto completamente desligado da realidade. O Natal é sempre razão de mais saudade. Mas não mal me interprete , eu sei que gula também é pecado. O cheiros e sabores das delícias de Natal são só importantes porque fazem parte do valor humano das visões que em mim guardo a cadeado em lugar incerto. Incerto pois não sei verdadeiramente se é no cérebro ou na alma que estão arquivados . Só sei que que aquilo e aqueles que me são queridos sinto-os no coração e as dores de tão afastado estar e dos maus momentos de um passado de violência sofrida parecem apertar-me as entranhas do ventre. No Natal ao relembrar a confecção das iguarias ouço o gargalhar , as histórias , os conselhos da cozinheira mais velha , o ameaçar das mulheres quando nos aproximávamos dos pratos já enfeitados e apercebo-me da entre-ajuda, da servidão, da razão que nos leva a trabalhar para a família, para a comunidade enfim para o bem da humanidade. Amigo, vocemecê tem toda a razão! Bem pode esperar sentado quem pensar que o Natal está nos presentes duados ou recebidos. O Natal para acontecer não precisa de presentes, precisa sim de presença. Presença humana pró humanidade. Presença pro bono.
Permita-me hoje que lhe mande com desejos de um ano novo pleno de saúde, felicidade e justiça um abraço de natal não só como se dá a um grande amigo mas também com a fraternidade de irmão, afinal respiramos pela primeira vez o mesmo ar e que sopra do mesmo mar, esse que nos separa, banharam-nos pela primeira vez com água que foi atirada ao mesmo poético rio e agasalhou-nos a mesma mãe com farrapos, restos de capas centenárias, a cidade de Coimbra
1 comentário:
Amigo
Havia Natais tais, que ainda hoje se me alargam as narinas, arrebitam as papilas gustativas e me pára o cérebro no presente para que as imagens destas quadras natalícias do nosso passado comum ( pois nestas coisas seria muito semelhante ) possam ser revividas como se em opiatica alucinação me encontrasse. Oh que rico o cheiro à abóbora e à canela, ao pinhão que torra no forno-a-lenha exposto na côdea das broas-doces... Oh, ao doce aroma do esturrar do açúcar nos pratos de leite-creme, com espátula férrea em brasa, purificando os ares das recentemente caiadas cozinhas como se estivessem a ser catarticamente preparadas, tal altar-mor, por arquimandrita queimando incenso, purificado. Até o burralho tinha mais luz, desinfectado pela cal parecia convidar à descida do Menino que noite fora depositava nos recosidos de meias-solas sapatinhos prendas pobres que alegravam quem os calçava e nos envernizados sapatos de luva à estreia prendas ricas que, imagino eu, nunca saceava nem jamais farta quem sôfrego já nasceu.
Como era doce o rapar do tacho depois de despejado o fumegante arroz-doce Coimbrão nas tão antigas, à mão pintadas, travessas dos "Berardos" mas que espelhavam como novas pois passavam a maioria dos dias na agora vazia, quase parecendo inútil cristaleira-da-sala invejosa por ver inchada com suplementar tampo a mesa de centro, adornada de alvo pano de linho trabalhado e recheada de guloseimas a maioria das quais só reaparecia, como que por magia, uma vez ao ano.
Sim caro amigo, quando a saudade bate à porta, especialmente quando para matar essa por vezes " maldita amaldiçoada maldição " é necessário galgar seis mil kilometros, todos os sentidos são necessários . São viagens subconscientes mas que no subcutâneo são tão reais que ressurjo ora chorando ora rindo e por vezes chorando e rindo , chegando até a sentir medo quando me apercebo da profundeza do lugar a que me transporto completamente desligado da realidade.
O Natal é sempre razão de mais saudade. Mas não mal me interprete , eu sei que gula também é pecado. O cheiros e sabores das delícias de Natal são só importantes porque fazem parte do valor humano das visões que em mim guardo a cadeado em lugar incerto. Incerto pois não sei verdadeiramente se é no cérebro ou na alma que estão arquivados . Só sei que que aquilo e aqueles que me são queridos sinto-os no coração e as dores de tão afastado estar e dos maus momentos de um passado de violência sofrida parecem apertar-me as entranhas do ventre. No Natal ao relembrar a confecção das iguarias ouço o gargalhar , as histórias , os conselhos da cozinheira mais velha , o ameaçar das mulheres quando nos aproximávamos dos pratos já enfeitados e apercebo-me da entre-ajuda, da servidão, da razão que nos leva a trabalhar para a família, para a comunidade enfim para o bem da humanidade.
Amigo, vocemecê tem toda a razão! Bem pode esperar sentado quem pensar que o Natal está nos presentes duados ou recebidos.
O Natal para acontecer não precisa de presentes, precisa sim de presença. Presença humana pró humanidade. Presença pro bono.
Permita-me hoje que lhe mande com desejos de um ano novo pleno de saúde, felicidade e justiça um abraço de natal não só como se dá a um grande amigo mas também com a fraternidade de irmão, afinal respiramos pela primeira vez o mesmo ar e que sopra do mesmo mar, esse que nos separa, banharam-nos pela primeira vez com água que foi atirada ao mesmo poético rio e agasalhou-nos a mesma mãe com farrapos, restos de capas centenárias, a cidade de Coimbra
Álvaro José da Silva Pratas Leitão
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