quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

HISTÓRICO DE UM DIÁRIO PARA UM NATAL MELHOR





Mais logo, quando a noite estender o seu manto sobre a cidade e os ponteiros do relógio marcarem as oito horas (vinte), cerca de trinta pessoas estarão no restaurante Paço do Conde a puxar a cadeira para se acomodarem e em seguida, como entrada para um bom repasto, a lançar o isco a uma boa rodela de chouriço e acompanhada de bom tinto, como é apanágio desta popular catedral pantagruélica.
Como tem sido amplamente divulgado, a razão para este encontro é uma iniciativa de um pequeno grupo de comerciantes que tem por objecto amealhar um pecúlio para um nosso colega comerciante, o Paulo Simões, caído nas malhas da insolvência particular e empresarial. Naturalmente que, sabemos todos, esta diligência não visa retirar o Simões da indigência, mas antes organizar uma pequena almofada que lhe permita passar um Natal melhor, na companhia dos filhos menores, e, por exemplo, poder deslocar-se para outra cidade em busca de trabalho.

MAS, AFINAL, QUEM É O PAULO SIMÕES?

Descreve-se o Paulo: “decorria o ano de 1966 quando dei o primeiro grito num lar muito pobre, como era apanágio na época e para a maioria dos portugueses, em Taveiro, Coimbra. Mal terminei a escola primária, com 12 anos, assentei logo praça ao serviço da primeira ocupação que me apareceu. Um ano depois fui trabalhar para a tabacaria Lobo, na Praça do Comércio, e por lá estive uns anos até que o senhor Francisco, da Sapataria Clarinha, na Rua da Louça, me convidou para ser seu empregado. Para lá me transferi e fui muito bem acolhido. Entretanto, para choque de todos nós, o senhor Chico faleceu em 1994. Por conta dos herdeiros, continuei na loja como funcionário até 2008. Nesta altura a minha vida levou um grande tombo. Com dois filhos menores, divorciei-me. Como era preciso pegar a vida de frente, sem medo, tomei o estabelecimento e passei a trabalhar por conta-própria. Nos dois primeiros anos, apesar do despoletar da crise mundial com a falência do banco norte-americano Lehman Brothers, o negócio até correu bem. A partir de aí foi sempre a descer em declive. Em 2011, tentando diversificar e julgando encontrar uma tábua de salvação, arrendei um pequeno restaurante, na mesma rua, ao lado da sapataria. Trabalhava noite e dia para manter os dois estabelecimentos em actividade. Talvez por desconhecimento, não calculei bem o risco e, com uma renda elevada, acabei por piorar as coisas ainda mais. Em Abril de 2014, já bastante debilitado financeiramente, encerrei de vez a casa de pasto.
Depois de um ano a lutar contra imaginários balões de ensaio, neste último Sábado, e derradeiro de Outubro, fechei as portas da minha sapataria.” (Continue a ler aqui)

E O QUE ACONTECEU A SEGUIR?

Divorciado e com dois filhos menores em guarda-partilhada, o Simões dirigiu-se à Segurança Social e ficou a saber que iria receber 178,15 de RSI, Rendimento Social de Inserção, o mesmo valor que se atribui a muitos cidadãos que pouco contribuíram para a riqueza nacional. Ou sendo má-língua, trata-se melhor qualquer refugiado chegado recentemente a Portugal que um filho da nação que trabalhou toda a vida. Critérios políticos que, rezando a todos os santinhos, esperamos todos sejam alterados a breve prazo.

E PORQUE É ASSIM?

O anterior governo do PSD/CDS fez promulgar o Decreto-Lei nº 12/2013, de 25 de janeiro, que veio estabelecer o regime jurídico de protecção social na eventualidade de desemprego dos trabalhadores independentes com actividade empresarial e dos membros dos órgãos estatutários das pessoas colectivas, sendo que só após 2 anos de pagamento do novo valor se teria direito ao apoio social. O Ministro da tutela, Mota Soares, no final do ano de 2014, a propósito da entrada em vigor do Decreto-Lei, afirmava que a aplicação da mesma iria abranger mais de 300 mil beneficiários (dados retirados da CPPME). Para dar consistência financeira ao projecto, com a publicação do Decreto-Lei, deu-se imediatamente um agravamento da Taxa Social Única (TSU), passando de 29,60 para 34,75% (um aumento de 17,40%). A lei entrou em vigor, com força geral, em Janeiro deste ano, de 2015.
Nestes dois anos, 2013/2014, o Estado arrecadou mais de 600 milhões de euros sem nada despender, suportados pelos empresários. Então veio acontecer o impensável: nove meses depois de entrar em vigor, em Setembro deste ano, dos 1900 empresários que requereram o subsídio, apenas 145 estão em apreciação! Isto é, até ao momento ainda nenhum pequeno-empresário acedeu ao apoio (dados da CPPME).

E HÁ INTERESSE EM ALTERAR O SITUACIONISMO?

Como ressalva para desonerar de responsabilidade os restantes membros desta iniciativa, o Arménio Pratas, o Armindo Gaspar e o Francisco Veiga, sugeri que esta acção deveria ser mais ambiciosa e ter um âmbito político. Recordo que a ineficácia da lei está a ser trágico para milhares de corpos-gerentes no país inteiro. O Paulo Simões é apenas o homem honrado, cuja vida comercial correu mal e que, sem remorso, dá a cara. Escrevo esta ressalva para não se pensar que há aqui uma orquestrada mãozinha invisível do partido rosa, azul ou vermelho. Há política sim senhor! Mas é no sentido da cidadania, da defesa da polis, para que os cidadãos possam viver com dignidade e tenham direito a um justo merecimento retributivo em caso de falhanço empresarial.
Foi assim que cheguei à fala com os deputados com assento parlamentar, eleitos pelo círculo de Coimbra, nomeadamente, José Manuel Pureza (Bloco de Esquerda), Helena Freitas (PS) e Pedro Coimbra (PS).
Pelo primeiro, José Pureza, perante uma plateia de cerca de quatro dezenas de pessoas e depois de questionado por mim, foi dito que “declaro aqui o compromisso de levar o assunto à discussão na Assembleia da República, não sei é quando, sublinho, não sei quando. Mas comprometo-me a tomar a iniciativa assim que me for possível.”
Pela segunda deputada, Helena Freitas, por e-mail, foi-me comunicado: “Nesse dia estou em Lisboa pelo que não posso estar presente no jantar. Posso no entanto contribuir mesmo não estando presente. Basta dizer-me como. Tendo envolvido o José Manuel Pureza posso também falar com ele sobre o assunto.”
Pelo terceiro, Pedro Coimbra, através do telefone e por e-mail, foi dito: “agradeço o convite para o jantar de hoje. De facto, tendo tido conhecimento apenas hoje e por me encontrar em Lisboa em trabalhos parlamentares, não me é possível estar presente.
No entanto, pedia-lhe que manifestasse a todos, e em particular ao Paulo Simões, toda a minha solidariedade e compreensão pela situação em causa. Naturalmente, estou totalmente à disposição para que, na medida das minhas possibilidades, possa intervir, incluindo na Assembleia da República, para combater as injustiças sociais e económicas de que tantos têm sido vítimas e de que este caso não é excepção.
Muito obrigado."

E COMO É QUE ESTÃO RESPONDER OS COMERCIANTES?

Num universo de cerca de cinco centenas de comerciantes, só três dezenas estarem disponíveis para darem um abraço a um colega que escorregou no caminho da incerteza comercial é manifestamente pouco. Pouquíssimo. Em silogismo, neste comportamento egoísta e condenável pela falta de solidariedade, é como se possa concluir: “caíste? O problema é teu! Não é meu!”
A bem da verdade, convém dizer que há excepções. Não são muitas, mas há! Mais abaixo escrevo e conto as que existem.
Porque, a dar-me razão e infelizmente, há mais do que especulações. Um lojista, hoje de manhã, quando fui convidá-lo para ir ao jantar, disse o seguinte: “não vou! Anda cá, que tenho uma coisa para te dizer –e puxando-me para dentro do seu estabelecimento. Não vou ao jantar porque não concordo como vocês expuseram a vida privada do Paulo –e mostrou-me o convite distribuído pelas lojas. Isto é uma indecência!”
Quando argui que foi tudo com a permissão do visado e que não é possível apelar à generosidade sem mostrar o caso concreto, continuou a discordar. Quando lhe retorqui que para fazer o pouco que se está a fazer por apenas quatro pessoas, que são também lojistas, exige muito esforço, isso não pareceu interessar. E que estamos a agarrar-nos a todos os meios, incluindo a televisão. Quando lhe perguntei qual seria a melhor maneira de fazer melhor não soube responder.
Um outro ainda, respondeu: “eu não vou! A mim ninguém me ajuda! Com um custo de 15,00 euros? Além disso, não concordo com o texto distribuído. Quer dizer, pago o jantar e ainda tenho de contribuir? Ora! Isto não é o da Joana!”
De pouco valeu explicar que não era assim. A intenção, sobejamente conhecida, era simplesmente mandar abaixo e arranjar uma desculpa para não contribuir.

E HÁ EXCEPÇÕES?

Como em tudo nesta vida há sempre alguém que se distingue da maioria. Cerca de dezena e meia de comerciantes, entre ofertas de 10 e 50 euros, contribuíram dentro das suas possibilidades. Há também quatro ofertas de emprego para o Paulo.

E QUANTO RENDEU?

Para nossa completa surpresa, tivemos três ofertas de 100,00, cada, de pessoas que não estão ligadas ao negócio. Uma de uma senhora muito querida –que, a seu pedido, não posso revelar o nome-, outra de um amigo escritor –que também não posso revelar a identidade- e outra ainda de um leitor do blogue, o nosso amigo desconhecido Álvaro Pratas Leitão e que está emigrado no Canadá.
Em balanço, até agora, temos a verba de 720,00 euros e cerca de 30 inscritos para o jantar –o que quer dizer que, deste monte, ainda irão sair à volta de 300,00 euros mais.
Muito obrigados a todos. Aos que não sendo comerciantes, e pensando que a vida dá muita volta e pode a roda desandar e colocá-los na mesma posição; aos que sendo, que num esforço hercúleo deram o que puderam para não faltar à chamada; e aos outros, que perante este caso que nos devia envergonhar, sobretudo pela falta de envolvimento, assobiam para o lado.







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