Mais logo, quando a noite estender o seu manto
sobre a cidade e os ponteiros do relógio marcarem as oito horas (vinte), cerca de
trinta pessoas estarão no restaurante Paço do Conde a puxar a cadeira para se
acomodarem e em seguida, como entrada para um bom repasto, a lançar o isco a
uma boa rodela de chouriço e acompanhada de bom tinto, como é apanágio desta
popular catedral pantagruélica.
Como tem sido amplamente
divulgado, a razão para este encontro é uma iniciativa de um pequeno grupo de
comerciantes que tem por objecto amealhar um pecúlio para um nosso colega
comerciante, o Paulo Simões, caído nas malhas da insolvência particular e
empresarial. Naturalmente que, sabemos todos, esta diligência não visa retirar
o Simões da indigência, mas antes organizar uma pequena almofada que lhe
permita passar um Natal melhor, na companhia dos filhos menores, e, por
exemplo, poder deslocar-se para outra cidade em busca de trabalho.
MAS, AFINAL, QUEM É O
PAULO SIMÕES?
Descreve-se o Paulo: “decorria o ano de 1966 quando dei o primeiro grito num lar muito
pobre, como era apanágio na época e para a maioria dos portugueses, em Taveiro,
Coimbra. Mal terminei a escola primária, com 12 anos, assentei logo praça ao
serviço da primeira ocupação que me apareceu. Um ano depois fui trabalhar para
a tabacaria Lobo, na Praça do Comércio, e por lá estive uns anos até que o
senhor Francisco, da Sapataria Clarinha, na Rua da Louça, me convidou para ser
seu empregado. Para lá me transferi e fui muito bem acolhido. Entretanto, para
choque de todos nós, o senhor Chico faleceu em 1994. Por conta dos herdeiros,
continuei na loja como funcionário até 2008. Nesta altura a minha vida levou um
grande tombo. Com dois filhos menores, divorciei-me. Como era preciso pegar a
vida de frente, sem medo, tomei o estabelecimento e passei a trabalhar por
conta-própria. Nos dois primeiros anos, apesar do despoletar da crise mundial
com a falência do banco norte-americano Lehman Brothers, o negócio até correu
bem. A partir de aí foi sempre a descer em declive. Em 2011, tentando
diversificar e julgando encontrar uma tábua de salvação, arrendei um
pequeno restaurante, na mesma rua, ao lado da sapataria. Trabalhava noite e dia
para manter os dois estabelecimentos em actividade. Talvez por desconhecimento,
não calculei bem o risco e, com uma renda elevada, acabei por piorar as coisas
ainda mais. Em Abril de 2014, já bastante debilitado financeiramente, encerrei de
vez a casa de pasto.
Depois de um ano a lutar contra imaginários balões de ensaio, neste
último Sábado, e derradeiro de Outubro, fechei as portas da minha sapataria.”
(Continue a ler aqui)
E O QUE ACONTECEU A
SEGUIR?
Divorciado e com dois filhos menores em
guarda-partilhada, o Simões dirigiu-se à Segurança Social e ficou a saber que
iria receber 178,15 de RSI, Rendimento Social de Inserção, o mesmo valor que se
atribui a muitos cidadãos que pouco contribuíram para a riqueza nacional. Ou
sendo má-língua, trata-se melhor qualquer refugiado chegado recentemente a
Portugal que um filho da nação que trabalhou toda a vida. Critérios políticos
que, rezando a todos os santinhos, esperamos todos sejam alterados a breve prazo.
E PORQUE É ASSIM?
O anterior governo do PSD/CDS fez promulgar o Decreto-Lei
nº 12/2013, de 25 de janeiro, que veio estabelecer o regime jurídico de
protecção social na eventualidade de desemprego dos trabalhadores independentes
com actividade empresarial e dos membros dos órgãos estatutários das pessoas
colectivas, sendo que só após 2 anos de pagamento do novo valor se teria
direito ao apoio social. O Ministro da tutela, Mota Soares, no final do ano de
2014, a propósito da entrada em vigor do Decreto-Lei, afirmava que a aplicação
da mesma iria abranger mais de 300 mil beneficiários (dados retirados da
CPPME). Para dar consistência financeira ao projecto, com a publicação do
Decreto-Lei, deu-se imediatamente um agravamento da Taxa Social
Única (TSU), passando de 29,60 para 34,75% (um aumento de 17,40%). A lei entrou
em vigor, com força geral, em Janeiro deste ano, de 2015.
Nestes dois anos, 2013/2014, o Estado arrecadou mais de 600 milhões de euros sem nada despender, suportados pelos empresários. Então veio acontecer o impensável: nove meses depois de entrar em vigor, em Setembro deste ano, dos 1900 empresários que requereram o subsídio, apenas 145 estão em apreciação! Isto é, até ao momento ainda nenhum pequeno-empresário acedeu ao apoio (dados da CPPME).
Nestes dois anos, 2013/2014, o Estado arrecadou mais de 600 milhões de euros sem nada despender, suportados pelos empresários. Então veio acontecer o impensável: nove meses depois de entrar em vigor, em Setembro deste ano, dos 1900 empresários que requereram o subsídio, apenas 145 estão em apreciação! Isto é, até ao momento ainda nenhum pequeno-empresário acedeu ao apoio (dados da CPPME).
E HÁ INTERESSE EM
ALTERAR O SITUACIONISMO?
Como ressalva para desonerar de
responsabilidade os restantes membros desta iniciativa, o Arménio Pratas, o
Armindo Gaspar e o Francisco Veiga, sugeri que esta acção deveria ser mais
ambiciosa e ter um âmbito político. Recordo que a ineficácia da lei está a ser
trágico para milhares de corpos-gerentes no país inteiro. O Paulo Simões é apenas o homem honrado, cuja vida comercial correu mal e que, sem remorso, dá a
cara. Escrevo esta ressalva para não se pensar que há aqui uma orquestrada
mãozinha invisível do partido rosa, azul ou vermelho. Há política sim senhor!
Mas é no sentido da cidadania, da defesa da polis,
para que os cidadãos possam viver com dignidade e tenham direito a um justo
merecimento retributivo em caso de falhanço empresarial.
Foi assim que cheguei à fala com os deputados
com assento parlamentar, eleitos pelo círculo de Coimbra, nomeadamente, José
Manuel Pureza (Bloco de Esquerda), Helena Freitas (PS) e Pedro Coimbra (PS).
Pelo primeiro, José Pureza, perante uma
plateia de cerca de quatro dezenas de pessoas e depois de questionado por mim, foi
dito que “declaro aqui o compromisso de
levar o assunto à discussão na Assembleia da República, não sei é quando,
sublinho, não sei quando. Mas comprometo-me a tomar a iniciativa assim que me
for possível.”
Pela segunda deputada, Helena Freitas, por
e-mail, foi-me comunicado: “Nesse dia
estou em Lisboa pelo que não posso estar presente no jantar. Posso no entanto
contribuir mesmo não estando presente. Basta dizer-me como. Tendo envolvido o
José Manuel Pureza posso também falar com ele sobre o assunto.”
Pelo terceiro, Pedro Coimbra, através do
telefone e por e-mail, foi dito: “agradeço
o convite para o jantar de hoje. De facto, tendo tido conhecimento apenas hoje
e por me encontrar em Lisboa em trabalhos parlamentares, não me é possível
estar presente.
No entanto, pedia-lhe que manifestasse a todos, e em particular ao Paulo Simões, toda a minha solidariedade e compreensão pela situação em causa. Naturalmente, estou totalmente à disposição para que, na medida das minhas possibilidades, possa intervir, incluindo na Assembleia da República, para combater as injustiças sociais e económicas de que tantos têm sido vítimas e de que este caso não é excepção.
Muito obrigado."
No entanto, pedia-lhe que manifestasse a todos, e em particular ao Paulo Simões, toda a minha solidariedade e compreensão pela situação em causa. Naturalmente, estou totalmente à disposição para que, na medida das minhas possibilidades, possa intervir, incluindo na Assembleia da República, para combater as injustiças sociais e económicas de que tantos têm sido vítimas e de que este caso não é excepção.
Muito obrigado."
E COMO É QUE ESTÃO
RESPONDER OS COMERCIANTES?
Num universo de cerca de cinco centenas de
comerciantes, só três dezenas estarem disponíveis para darem um abraço a um
colega que escorregou no caminho da incerteza comercial é manifestamente
pouco. Pouquíssimo. Em silogismo, neste comportamento egoísta e condenável pela
falta de solidariedade, é como se possa concluir: “caíste? O problema é teu! Não é meu!”
A bem da verdade, convém dizer
que há excepções. Não são muitas, mas há! Mais abaixo escrevo e conto as que
existem.
Porque, a dar-me razão e
infelizmente, há mais do que especulações. Um lojista, hoje de manhã, quando
fui convidá-lo para ir ao jantar, disse o seguinte: “não vou! Anda cá, que tenho uma coisa para te dizer –e puxando-me
para dentro do seu estabelecimento. Não
vou ao jantar porque não concordo como vocês expuseram a vida privada do Paulo –e
mostrou-me o convite distribuído pelas lojas. Isto é uma indecência!”
Quando argui que foi tudo com a
permissão do visado e que não é possível apelar à generosidade sem mostrar o
caso concreto, continuou a discordar. Quando lhe retorqui que para fazer o
pouco que se está a fazer por apenas quatro pessoas, que são também lojistas,
exige muito esforço, isso não pareceu interessar. E que estamos a agarrar-nos a todos os meios, incluindo a televisão. Quando lhe perguntei qual seria
a melhor maneira de fazer melhor não soube responder.
Um outro ainda, respondeu: “eu não vou! A mim ninguém me ajuda! Com um
custo de 15,00 euros? Além disso, não concordo com o texto distribuído. Quer
dizer, pago o jantar e ainda tenho de contribuir? Ora! Isto não é o da Joana!”
De pouco valeu explicar que não
era assim. A intenção, sobejamente conhecida, era simplesmente mandar abaixo e arranjar
uma desculpa para não contribuir.
E HÁ EXCEPÇÕES?
Como em tudo nesta vida há sempre alguém que
se distingue da maioria. Cerca de dezena e meia de comerciantes, entre ofertas
de 10 e 50 euros, contribuíram dentro das suas possibilidades. Há também quatro
ofertas de emprego para o Paulo.
E QUANTO RENDEU?
Para nossa completa surpresa, tivemos três
ofertas de 100,00, cada, de pessoas que não estão ligadas ao negócio. Uma de
uma senhora muito querida –que, a seu pedido, não posso revelar o nome-, outra
de um amigo escritor –que também não posso revelar a identidade- e outra ainda
de um leitor do blogue, o nosso amigo desconhecido Álvaro Pratas Leitão e que
está emigrado no Canadá.
Em balanço, até agora, temos a verba
de 720,00 euros e cerca de 30 inscritos para o jantar –o que quer dizer que, deste monte, ainda
irão sair à volta de 300,00 euros mais.
Muito obrigados a todos. Aos que não sendo
comerciantes, e pensando que a vida dá muita volta e pode a roda desandar e colocá-los
na mesma posição; aos que sendo, que num esforço hercúleo deram o que puderam
para não faltar à chamada; e aos outros, que perante este caso que nos devia
envergonhar, sobretudo pela falta de envolvimento, assobiam para o lado.
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