(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)
Na maioria dos casos, andamos tão preocupados
com os grandes problemas do mundo, dos refugiados, das inundações do Brasil,
dos atentados em Paris, que, ou porque não estamos atentos ou deliberadamente esquecemos,
não imaginamos os dramas que, como sombras a dançar à nossa frente, se estendem
na nossa rua, no nosso bairro, na nossa cidade. É da psicologia e sociologia
que só tomamos atenção ao sofrimento de um grupo ou de alguém quando, por
motivos vários, nos toca. Pode ser directamente, vendo a aflição in loco, ou indirectamente, através de
imagens videográficas difundidas pelos meios audiovisuais. Sabe-se que nos dois
casos começa sempre pelo apelo de alguém sensível. Como uma nascente que vai
engrossando em crescendo e vai transformar-se em rio, também o grito de
denúncia começa por ser isolado. De contágio em contágio, vai captando simpatia
em vários campos que se auspiciam férteis, de boca-em-boca, imprensa escrita,
ou redes sociais, até atingir velocidade de cruzeiro e, de repente, damos por todos
nós a pensar como é possível não termos visto a situação que estava ao alcance
de um piscar.
Vem isto a propósito de o programa “Sexta às 9”, da RTP, durante os
primeiros dias de Janeiro, ter agendado a gravação sobre vários comerciantes
sem direito a subsídio de desemprego e que se encontram em sérias dificuldades
de sobrevivência. Conforme já escrevi vários textos sobre este tema, foi
promulgado o Decreto-lei 12/2013, para entrar em vigor neste Janeiro de 2015,
último, mas nunca foi aplicado. Ou seja, a lei existe mas é como se estivesse
morta e enterrada. Então, em conversa com o jornalista João Ricardo Vasconcelos,
ficou assente que, apesar da dificuldade, eu tentaria aprontar três depoimentos
de ex-comerciantes que tivessem caído nas redes da insolvência. Embora eu já
tivesse noção de uma certo embaraço –por que embora eu já escreva sobre este
assunto há vários anos, verdadeiramente, nunca consegui que alguém se disponibilizasse,
mesmo anónimo, a dar o seu testemunho de contar como ficou a sua vida depois do
desastre. Do meu lugar de espectador que relata um assunto, confesso num certo
egoísmo, no fundo, bem no fundo, eu não fazia a mínima ideia da marca de
angústia que um falhanço num negócio deixa na pessoa. Só quem sofre sente, diz o aforismo e é verdade!
Só agora, depois de ter contactado vários
ex-comerciantes que encerraram os seus comércios coercivamente e ainda não ter
obtido qualquer anuência -para além do Paulo Simões-, depois de ouvir as suas declarações amargas e pungidas,
me apercebi da tragédia que estas pessoas transportam para o resto das suas
vidas. Quase sempre, pelo telefone choram e pedem desculpa por não colaborarem.
É óbvio que, mesmo apesar de muito tempo sobre o desfecho de insucesso, estão
infelizes e continuam deprimidos. Deixo aqui a ideia para uma tese de mestrado
sobre este encoberto assunto.
Ainda hoje falei com mais dois.
Um deles desfez-se em prantos de solidão. Disse-me mesmo que não podia, não
tinha forças para falar do que lhe aconteceu. “Foi demasiado terrível”, transmitiu-me no meio de um choro
compulsivo. Afectou-lhe a saúde, anda em tratamento psiquiátrico, e mexeu com a
família, concluiu. Estou a referir-me a uma pessoa de quarenta e poucos anos.
Quantos agregados como este, no país e nos últimos quatro anos, estão a sofrer
esta catástrofe? Alguém se importa? Merecerão estes ex-investidores falidos serem
tratados desta maneira indecorosa e abandonados à sua sorte? Estão a ser
condenados duplamente.
Pelo respeito que estes nacionais merecem –porque
merecem mesmo!-, não seria altura das entidades competentes passarem a olhar com
outros olhos este inferno que tantos cidadãos estão a viver no silêncio?
TEXTO RELACIONADO
"O último olhar"
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