quinta-feira, 3 de dezembro de 2009
CONVERSA DE CAFÉ...
Na mesa ao meu lado, enquanto bebo café e leio o jornal, está um casal de sessenta e picos a tomar o pequeno-almoço. Junto a nós, a separar-nos um grande cesto de verga. Aparentemente teriam vindo vender ao mercado. Pelas mãos duras, calejadas pelo tempo, tudo indica que são dos últimos trabalhadores que amanham a terra no baixo-mondego.
Talvez por eu estar a ler o Diário de Coimbra e pelo título, na primeira página, “PERSEGUIU AMBULÂNCIA, MATOU A MULHER E AINDA UM MILITAR DA GNR”, diz ele:
-Já viste aquilo Maria? –apontando o título. Era previsível. Aquilo lá em Montemor é uma coutada. Todos comem do mesmo tacho. Lá todos se conhecem. A GNR local só multa quem é de fora. Os que vivem lá são tratados por esta polícia com beijinhos e abraços. Depois dá nisto…
-Que é que estás para aí a dizer? Ó Manel, estás tolo ó quê? Não estou aperceber nada do que estás a dizer. Olha lá, o leite está estragado?
-Qual estragado, qual quê! Pensas que não sei o que digo, é? –responde na interrogação o homem um bocado para o irritado.
Então não é de caras? Os guardas da GNR, depois do homem ter disparado com a caçadeira, trataram-no com um amigo de longa data. Em vez de lhe retirarem a caçadeira, revistarem-no e o algemarem, não senhor! Levaram-no para dentro do posto como se leva um amigo. Depois tens aí as consequências. Uma morte, pelo menos, que se poderia ter evitado…
-Ó homem de Deus, às vezes irritas-me profundamente com esse teu um feitio. Fosca-se! Eu devo ser santa para te aguentar! Ora se o agente morreu, porque é que estás para aí com veneno?
-Evitas de estar com essas irritações. Tu não me entendes. Aliás, nunca me entendeste! Somos duas linhas paralelas que seguem a vida lado-a-lado, quase sem se encontrarem. Só se tocam naqueles momentos…estás a ver quais? Tenho pena que não faças um esforço para me compreenderes. Hei-de morrer com isto atravessado…
A mulher pareceu ficar tocada pela admoestação, o seu rosto contraiu-se num esgar de penitência.
-Está bem! Não vamos, outra vez discutir pela mesma coisa. Sabes bem que não te vou dar razão só por dar. Que mania, homem…queres ter ao teu lado uma mulher daquelas do Japão…uma gueixa…ou lá como se diz? Mas está bem! Conta-me lá onde queres chegar?
Um leve sorriso de alívio iluminou-o. O homem, pela abertura do rosto, pareceu ficar contente por poder explanar o seu pensamento e captar a atenção da sua ouvinte diária. A sua voz saiu mais descontraída, quase a cair no meloso.
-Repara, Maria, o que quero dizer, é que esta morte foi provocada pela negligência dos agentes da GNR, mas há mais do que isso. Há aqui um vício sistémico…
-Ó Manel, porra! Estás a falar caro! É para este senhor que está aqui ao lado te ouvir? Explica lá isso que eu não estou a perceber nada…
-É assim Maria, eu explico: a GNR, nas localidades do interior, mesmo até junto ao litoral, fora das grandes cidades, nunca deveria estar mais de cinco anos seguidos. Ora o que acontece, como os agentes ficam alocados ao posto até à reforma, passam a conhecer-se todos nas pequenas localidades. Praticamente, com todos os residentes, é o tu cá tu lá…estás a entender?
-Estou, mas…-espera, ainda não concluí, interrompe o marido.
-Foi por isso que esta morte desnecessária aconteceu. O Ministério da Administração Interna deveria rever esta situação…
-E tu achas que os agentes iam aceitar? –interroga a mulher.
-Que remédio têm eles. É a segurança nacional que está em causa. Isto não pode continuar…
-Ó Manel? Nem te conheço “home”! Já pensaste em inscreveres-te lá no partido? Acho que davas um bom “ministre” – e partiu-se toda a rir.
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