O
palco está montado para mais uma efeméride do dia dos trabalhadores
em Coimbra, na Praça 8 de Maio. Mais logo, a seguir ao almoço,
vozes inflamadas, que paulatinamente se vão tornado roucas pela
emoção, vão vociferar contra o governo. Em apêndice, juntarão
este sistema neo-capitalista agora em derrocada. Falarão dos
ordenados escandalosos dos gestores de empresas semi-públicas.
Dispararão os canhões argumentativos contra os políticos e o seu
desinteresse em resolver os problemas de cada um.
Os
sindicalistas, vestindo a pele de salvadores dos trabalhadores,
fracos e oprimidos, de cravo vermelho ao peito, de braço no ar,
pregarão por mais justiça social e reivindicarão a queda deste
executivo governamental de direita, que se diz de esquerda.
Para
além disso, clamarão contra os patrões, exploradores de
mão-de-obra barata, e, em cantata, apelarão ao coro de “O povo
unido jamais será vencido”.
No canto esquerdo, junto à
Igreja de Santa Cruz, o Carlos Alberto, de cinquenta e poucos anos,
engraxador de profissão, reformado por invalidez e que recebe pouco
mais de 300 euros para alimentar a prole caseira, que mora ali
próximo, numa transversal esconsa onde o sol nunca se põe, numa
degradada casa de renda, e que já comeu a broa que o diabo amassou
sem milho e sem fermento, olhando todo aquele aparato, levará a mão
direita ao autocolante que tem pregado no peito. Mentalmente com os
seus botões, pensará: “que diabo, há 35 anos que assisto a
esta festa e a este discurso sempre igual. Que porra!, nem eu mudo de
vida para melhor; nem nunca mais acabam com o velho inimigo, a
direita – ou será a esquerda?, de repente até fiquei
“valhelhas”!; nunca mais se acerta com um governo de vez; nunca
mais se acaba com os capitalistas, ou com os comunistas? Ou serão os
socialistas? – fiquei outra vez lerdo; nunca mais se acaba com os
ricos… ou são os pobres que deveriam exterminar?
Estou xexé de todo, não dou uma p’ra caixa”,
reflecte o Carlos Alberto.
“Ora, Ora! Eu quero lá saber
dos discursos destes tipos. Já que não me trazem nada de novo, eu
quero é festa. Mas quando é que vem o Vitorino cantar? Ou é o
Janita Salomé? Fosca-se, nem o homem canta, nem eu almoço…”
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