Ontem,
no Jornal da Noite da SIC foi apresentada a Reportagem Especial “A
vida que não quero para mim”. Num trabalho a todos os
níveis digno de louvor, de tal modo que me atrevo a defender que
esta cobertura televisiva deveria ser passada nas escolas secundárias
nacionais, esta peça sobre a toxicodependência mostrou a nu as
várias fragilidades sociais, económicas e políticas dos
portugueses. Muitos parabéns à SIC por mais um espectacular
documentário, actual e de solução premente sobre a criação das
chamadas salas de chuto assistidas.
Para
quem viu, especulando, os sentimentos teriam sido divididos entre a
aceitação, o julgamento e a repulsa. Para quem
tem entes naquela triste situação de calamidade familiar, mais que
certo, perante o desenrolar das vivências desgraçadas dos
entrevistados, fosse homem ou mulher, os seus olhos viram-se
inundados de lágrimas e chorou. Para quem tem a felicidade de não
conhecer a realidade intramuros, cujo drama e tragédia se
desenvolvem dentro e fora, creio, a sua forma de estar foi a de julgar
os dependentes de opiácios como responsáveis pela vida que levam e
a terem de arcar com a sua consequência. Para os últimos, aqueles
que repudiam, a ligação entre a causa e a consequência foi a de
desonerar a causa e responsabilizar totalmente os aditos na
consequência. Por outras palavras, no seu entender, o Estado não
deveria gastar um cêntimo para acudir e estas pessoas, deviam ser
deixadas entregues à sua sorte e continuarem a injectar-se e a
morrer pelos recantos degradados e imundos das cidades.
Ficou
bem patente que estamos perante uma falta de coragem política dos
autarcas locais -para não lhe chamar cobardia. A lei que lhe dá
desenvolvimento é de 2001 e, pela sua aplicação prática, cabe aos
presidentes de câmara assegurar a sua prossecução.
Desde
2011 que escrevo sobre a realidade sentida na Baixa de Coimbra e
sobre a necessidade de ser implantada uma sala de chuto assistida.
Bem sabemos que a maioria quer que os toxicodependentes sejam
empurrados para o meio do mar, e logicamente ninguém quer uma
estrutura de apoio perto da sua morada. É sobretudo uma adversidade
de ordem educacional/cultural. A começar por mim, é mais fácil
entrar na condenação do que na análise do remédio da dificuldade.
Como alguém dizia na reportagem, não se está a ver a hemodiálise
ser feita no meio da rua e aos olhos de todos. Então por que, de uma
vez por todas, não se discute o assunto com frontalidade? Trata-de
escolher entre dois males: o maior e o menor. Estamos perante um síndrome social que, se não é possível solucionar de todo, se deve mitigar, pelo menos.
Os
edis, pelo receio de perder votos, preferem assobiar para o lado e
fazer de conta que este contratempo não existe. A questão é que
não é por este facto que o fenómeno desaparece. Provavelmente,
depois de ter estacionado, devido a vários factores, até tem vindo
a aumentar nos últimos anos -foi dito isto mesmo na reportagem.
Em
forma de editorial escrevi esta crónica precisamente porque estamos
a cerca de oito meses das eleições autárquicas em Coimbra. Já se
começa a sentir o acelerar dos motores dos candidatos ao pleito
eleitoral. Enquanto cidadão anónimo e independente -que ainda não
sabe onde vai depositar o seu voto-, gostava de saber o que pensam os
promitentes concursantes locais acerca deste assunto. Aliás, no seu
“caderno de encargos” para a cidade, deveriam
obrigatoriamente ter uma palavra a dizer, a favor ou contra, sobre a
execução das salas de chuto assistidas. Quantos dos já
anunciados vão aceitar o repto e mostrar a sua coragem?
Vale
a pena pensar nisto?
1 comentário:
Bom dia Luís,
A luta e prevenção da droga desacelerou nos últimos anos, fruto de austeridade excessiva que retirou dotação orçamental para este problema, que estava a ser gradualmente reduzido, o que explica o já visível aumento de problemas, incluindo consumo, associados com a droga.
No momento é preciso recuperar terreno e apostar, de novo, num programa eficaz de informação e de prevenção. Mas também perceber que aqueles que estão já numa espiral de droga precisam de ser ajudados e retirados da rua. As salas de chuto assistidas, dotadas de meios de encaminhamento dos pacientes para instituições de desintoxicação, são uma das opções para esse objetivo. Devem ser ponderadas em estreita ligação com as entidades regionais e nacionais de luta e prevenção da droga, para que a sua criação, localização e acompanhamento sejam eficazes.
Nessa perspetiva, a CMC deve colocar à disposição deste objetivo os espaços e os meios suficientes, minimizando, na medida do possível, os impactos na vida da cidade. Mas sem esquecer que esta tem de ser um ação prioritária, numa cidade que trata bem os seus cidadãos e quer receber bem quem nos visita.
Abraço,
J. Norberto Pires
Enviar um comentário