segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

O NEGRO SILÊNCIO IMPOSTO DA MINHA RUA





Cerca das 10h30 de hoje, na Rua Eduardo Coelho, junto à desaparecida sapataria Trinitá, uma voz rouca, bem afinada e acompanhada pelos sons melodiosos de uma viola bem tocada, começou a ouvir-se, a fazer lembrar Nuno Norte, dos Ídolos. Como manhã de nevoeiro de Agosto num vale frio e silencioso, as notas soadas espalharam-se rapidamente pelos becos em redor. Durante quinze minutos, a até aí artéria ensonada e entregue a si mesma no torpor de todos os dias ganhou vida, cor, barulho e até odor. Eis então que alguém se dirige ao espectacular músico de rua para ele parar imediatamente porque perto dali havia uma senhora doente. E o intérprete, obedecendo ao dever moral maior, parou, enfiou a guitarra no saco, e encaminhou-se para as ruas largas.
Quem o fez, no seu egoísmo tadinho, não vislumbra que, por um lado, através de uma mentira torpe está a roubar aos confinantes o prazer de ouvir uma toada de anjos, por outro, está a contribuir para a desertificação das ruelas estreitas. Às vezes apetece mandar certa gente para um lado que eu cá sei. Pouca sorte termos vizinhos assim. Afinal um pátio, uma rua, um bairro, uma cidade, na sua idiossincrasia, na forma colectiva de ser, são sempre o resultado individual dos seus moradores.

Sem comentários: